O atual clima político, econômico, fiscal e empresarial no Brasil sinaliza desafios para que diversas atividades possam ser realizadas. Fala-se em “crise” como expressão que, a despeito de ter múltiplos significados, resume um estado de coisas complexo. De algum modo, todos nós observamos algumas consequências do atual cenário em diversos âmbitos de nossas vidas.
Nesse contexto, recente matéria do O Globo (“Sem dinheiro, governos atrasam obras em parcerias com empresas”, de Danilo Farinello, publicada em 6 de setembro) ressalta os potenciais impactos do atual cenário em alguns contratos de parcerias público-privadas (PPPs) celebrados pelos Municípios de Manaus, Rio de Janeiro e Estado de Pernambuco.
Os três contratos mencionados na matéria têm um ponto em comum: os desafios orçamentários de curto prazo geram a necessidade de que as PPPs sejam renegociadas.
Em tese, renegociar um contrato de PPP deveria ser algo encarado com naturalidade. O próprio contrato, com maior ou menor completude, estabelece normas sobre os contornos da renegociação e o modo como ela deve ser conduzida. Entretanto, o que assusta, na verdade, é que os processos de renegociação escancaram o modo caótico em que a gestão pública se dá, com comandos informais superando a dimensão formal, ausência de processos e motivação insuficiente, assim como incompreensões mútuas, clima de “guerra” e desconfiança entre as partes, assim como perante o controle externo. Praticamente ignora-se que há um contrato de longo prazo para ser gerido.
Apenas a experiência vai tornar o ambiente da gestão pública (e, nesse contexto, da gestão dos contratos de longo prazo) mais inteligente. É positivo, portanto, que os casos de reequilíbrio alcancem os jornais e, quem sabe, possam ser discutidos abertamente, permitindo que eventuais equívocos do passado possam ser mitigados daqui para frente.
Há mais de 80 PPPs assinadas no Brasil e uma grande página em branco para ser preenchida na medida em que os desafios vinculados à gestão desses contratos ainda não estão escritos e formalizados. Com o espírito de contribuir para que tenhamos cada vez mais conhecimentos sistematizados sobre o assunto, será realizado na cidade de São Paulo em 25 e 26 de novembro o “Formação em PPPs 2015”, evento pautado em estudos de caso de 8 contratos de PPP, que contribuirá para que possamos ter mais informações e conhecimentos sobre a gestão de uma amostra relevante de projetos.
Além das frequentes notícias sobre renegociações de contratos de PPP, há um ponto que vem ganhando destaque no debate público recentemente. O argumento, em resumo, é o seguinte: diante da crise fiscal, há um grande temor do poder público em estruturar gastos de longo prazo, via PPPs.
Trata-se de um argumento que merece ser problematizado, mesmo porque nunca foram iniciados tantos projetos de PPP em Estados e Municípios como nos últimos meses (“PPPs podem compensar falta de verba para infraestrutura”, editorial do Valor Econômico, publicado em 26 de agosto). Adicionalmente, o argumento, inclusive, ignora alguns benefícios que poderiam ser concretizados via PPP.
Em primeiro lugar, PPP não significa comprometer mais e novos recursos orçamentários. Um projeto de PPP pode ser estruturado de modo a substituir o gasto público que já é realizado via contratos de curto prazo (Lei nº 8.666/93) por aquele que será realizado via contraprestações periódicas nas concessões administrativas e patrocinadas.
Nesse campo, a PPP seria justamente um modo de melhorar a qualidade do gasto público, que migraria de diversos contratos de curto prazo (com governança muitas vezes incompleta e débil, pois o poder público precisa gerir dezenas de contratos para prestar um serviço ao cidadão ou às empresas) para um único contrato de longo prazo, a PPP, que essencialmente pressupõe governança estruturada e incentivos ao desempenho da concessionária. A PPP, portanto, pode ser um ótimo instrumento para, diante da escassez de recursos orçamentários, gerar mais valor para a sociedade com uma mesma quantidade recursos públicos.
Além disso, como a PPP, em regra, é estruturada de modo que o efetivo engajamento de recursos orçamentários apenas comece a ser realizado depois da fase de implantação do projeto, o modelo de contrato pode muito bem ser uma “ponte” do atual momento de escassez orçamentária para o momento em que o gasto público ocorrerá. Pressupondo um projeto que estima o prazo de implantação em 11 meses, a PPP pode ser um ótimo instrumento para que a implantação se dê sem o consumo de recursos públicos. Essa “ponte” de 11 meses, portanto, seria realizada pelo licitante vencedor, com capital próprio e de terceiros.
A pergunta que parece ser realmente relevante é: a iniciativa privada brasileira tem apetite por esse tipo de contrato e quer tomar os riscos inerentes ao modelo? Nesse ponto, há, de fato, um risco de imobilismo decisório, associado a uma crise de confiança na capacidade do poder público de tomar decisões inteligentes.
O poder público, em âmbito estadual e municipal, está realizando estudos de viabilidade de PPPs como nunca se observou antes. Entretanto, de nada adiantará tal esforço se o poder público não se atentar para o fato de que a estruturação e a promoção dos projetos precisam ser especialmente desenhadas para que, quando a licitação emergir, haja empresas com apetite para apresentar propostas.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).