As recentes notícias sobre os adiamentos das licitações do Trem de Alta Velocidade e do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante revelam alguns dos desafios enfrentados pelo poder público para estruturar negócios e atrair investimentos privados de longo prazo para a construção, operação e manutenção de infraestruturas importantes para o desenvolvimento do país.
Os recentes adiamentos, que, a despeito de envolverem concessões federais, não são exclusividade da União, ressaltam a necessidade de que o poder público aprimore o modo como vem gerindo seu processo de tomada de decisão a respeito das parcerias público-privadas (PPPs).
Os projetos de PPP (concessões comum, administrativa e patrocinada), em regra, envolvem contratos de longo prazo, questões complexas de engenharia, investimentos de grande porte e demandam a alocação de recursos públicos e privados durante a fase de estruturação do negócio. Este esforço de estruturação pode ser gerido de modo ineficiente para o setor público e para o setor privado, com várias idas e vindas imprevistas, a depender do modo como o poder público estabelece previamente os parâmetros que deverão pautar a sua tomada de decisão.
O estabelecimento de tais parâmetros já é uma prática consolidada em diversos países. Há uma infinidade de manuais, instrumentos, métodos e recomendações que, em outros países, a própria administração pública estabelece e torna público para que os interessados possam prever e acompanhar o processo de tomada de decisão do Estado, tanto do ponto de vista formal, quanto do material.
Para dar um exemplo, aponto a postura da Unidade de PPPs em Transporte do Estado da Virgínia, nos Estados Unidos. O órgão publicou recentemente a primeira versão das diretrizes sobre o melhor uso de recursos públicos (“value for money”) em PPPs. Tais diretrizes pautarão a decisão do próprio órgão quando da análise dos projetos de transporte cuja execução venha a ser pleiteada via PPP.
Infelizmente, no Brasil, tais práticas são raras, senão inexistentes. Esse é um dos motivos que contribuem para as idas e vindas dos editais de PPP, gerando ineficiências e quebras das expectativas tanto do setor público, quanto do setor privado.
De tal contexto, surge a questão: como os gestores públicos podem tomar medidas concretas que contribuam para a tramitação mais eficiente das propostas de PPP que julgam necessárias nos Estados, nos Municípios e na União?
Em primeiro lugar, é necessário o desenvolvimento da percepção de que há um conflito de escolha sobre o qual os gestores públicos brasileiros não dedicam muita atenção. Tal conflito de escolha pode ser retratado por meio das posturas que serão descritas abaixo.
A primeira postura envolve a publicação prévia de manuais e de parâmetros sobre decisões a serem tomadas pelos gestores públicos, o debate público sobre tais parâmetros com a sociedade civil e a publicação, periódica e motivada, da versão atualizada de tais parâmetros que regerão as decisões destes mesmos gestores. Não há dúvidas de que tal medida limita a autonomia do gestor público, mas, por outro lado, ela tende a garantir um processo mais ágil, eficiente e robusto, ou seja, as decisões finais dos gestores públicos brasileiros seriam questionadas de modo menos intenso pelo setor privado, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.
A segunda postura, que prevalece no cenário brasileiro da tomada de decisão do setor público sobre as PPPs, envolve a omissão quanto ao estabelecimento prévio das diretrizes para a tomada de decisão do poder público. Tal opção reforça a autonomia do gestor público, mas, por outro lado, torna sua a decisão mais suscetível aos questionamentos da iniciativa privada, do Ministério Público e do Tribunal de Contas.
A ausência de parâmetros prévios à decisão, portanto, é um ônus que conspira contra o gestor público. O que precisa ser compreendido pelo poder público é que a publicação prévia das premissas que envolverão a tomada de decisão do Estado sobre os projetos de PPPs é mais libertadora do que inicialmente pode parecer.
(Artigo publicado originalmente no Brasil Econômico, p. 17, 20/07/2011)
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