Se você é leitor do “PPP Brasil”, já sabe como o mercado de PPPs vem se expandindo rapidamente no país.
Segundo dados da consultoria especializada Radar PPP, houve uma média de mais de 13 contratos assinados por ano, nos últimos 5 anos no Brasil, seguindo uma média de 5 contratos por ano nos 5 anos anteriores.
De fato, governos por todo o Brasil tem utilizado PPPs como forma de solucionar problemas públicos em setores muito diversos como saúde, educação e iluminação pública e a maior parte destes contratos tem permitido aumentar a capacidade de implementação de projetos e melhorar a qualidade dos serviços, na perspetiva dos usuários.
Neste sentido, estou convencido de que não há grandes desafios intransponíveis no modelo de PPPs. Por sinal, creio que o modelo de PPPs foi um enorme avanço institucional para o Brasil e que continuaremos a acompanhar a expansão da participação privada na realização de investimentos para a implementação de infraestrutura e prestação de serviços públicos. Isto não quer dizer que nossa trajetória até aqui não tem ocorrido sem problemas, como os recentes artigos publicados neste portal, elaborados por Rodrigo Reis e Bruno Pereira, evidenciam.
Precisamos mapear e identificar os erros e problemas, desenhar reformas adequadas e seguir em direção aos ganhos de eficiência que contratos modernos de longo prazo e baseados em resultado podem oferecer aos governos, investidores, pagadores de impostos e usuários.
Um destes problemas é manter os efeitos fiscais dos contratos de PPP sob controle e transparentes. Este tema me parece ser o mais premente no atual momento do mercado brasileiro. Explico.
PPPs geram vários efeitos nas contas públicas. O primeiro, mais obvio, é a necessidade de pagamento das contraprestações, que são geralmente regulares ao longo dos contratos. Isto cria obrigações de longo prazo. Além disso, como geralmente há a constituição de um ativo fixo (e.g. as obras e investimentos iniciais) estes pagamentos (ou parte deles) estão relacionados a amortização deste investimento. Mais interessante é que a experiência brasileira é repleta de contratos em que a maior parte do pagamento das contraprestações é incondicional, ou seja, é devida pelo governo independente de qualquer aspecto da operação e da prestação dos serviços. Assim, PPP geram a necessidades de desembolsos do governo de longo prazo, tipicamente associados a amortização de investimentos e que são geralmente incondicionais. Não é preciso muito esforço para entendermos porque, segundo as mais recentes regulamentações internacionais de contabilidade do setor público, estas contraprestações devem ser anotadas na balanço como pagamento de dívida. De qualquer forma, estes pagamentos não são o único tipo de exposição fiscal gerados pelas PPPs.
O segundo grupo de impactos das PPPs no bolso dos contribuintes está relacionado aos sofisticados esquemas de alocação de risco que vem sendo desenhados nos contratos, ou melhor, aos riscos retidos pelo governo nos projetos. Garantias de demanda mínima em estradas, pagamentos adicionais em função de custos adicionais de desapropriação e proteções contra a variação cambial são exemplos de passivos contingentes, ou seja, riscos de o governo efetuar pagamentos adicionais caso algum evento incerto ocorra. Estes passivos incertos estão presentes em quase todos os contratos de PPP e representam uma enorme fonte de riscos fiscais para os governos no longo prazo. Aqui, as regras internacionais de contabilidade recomendam a quantificação e registro dos riscos nos documentos contábeis e, na maioria dos casos, o provisionamento orçamentário (há uma experiência muito interessante na Colômbia com a criação de um fundo de passivos contingentes de onde sai o dinheiro para os pagamentos contingente, quando ocorrem).
Portanto é preciso que governos sejam capazes de identificar, monitorar, gerir e reportar adequadamente estes efeitos fiscais, ao longo do ciclo de vida dos projetos, para evitar que as PPPs se tornem fontes de desestabilização financeira dos governos. Há aqui uma boa e uma má notícia.
A boa notícia é o que o Brasil desenhou um detalhado ambiente regulatório para tratar dos efeitos fiscais das PPPs, replicando boa parte das melhores praticas internacionais. A má notícia é que a maioria dos governos estaduais e municipais não vem implementando as regras do jogo, deixando de considerar o pacote de efeitos fiscais durante a aprovação dos projetos. Ainda mais preocupante é que os governos vêm falhando drasticamente em comunicar os efeitos contábeis dos projetos ou os riscos retidos nos governos. Para piorar a situação, não há ninguém no país com a tarefa de consolidar as exposições a risco e os compromissos de longo prazo assumidos por governos em termos de PPPs, o que quer dizer que estamos no escuro a respeito do exato tamanho do problema.
Isto é uma questão grave que exige a atenção da comunidade profissional. Programas de PPP vieram para solucionar problemas de longo prazo, e assim, sua sustentabilidade de longo prazo é fundamental. Não podemos correr o risco de oferecer às novas gerações compromissos desproporcionais sem que tenham sido cuidadosamente avaliados, compreendidos e geridos. Se continuarmos assim, projetos falharão e o modelo de PPP pode ser culpado por isso.
Neste contexto, o Banco Interamericano de Desenvolvimento acaba de patrocinar a realização de um compreensivo estudo das práticas e regras no Brasil, que será a fonte de comparação com mais 7 países da América Latina. As conclusões são preocupantes, mas as recomendações indicam claramente um caminho a seguir: https://publications.iadb.org/handle/11319/8142
Estou certo de que se formos capazes de tratar com responsabilidade os efeitos fiscais das PPPs, criando praticas de mapeamento e gestão eficazes e transparentes, poderemos evitar surpresas no futuro e garantir que os benefícios do modelo de PPP possam ser sustentáveis ao longo dos ciclos econômicos.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).