Artigo: Plano de negócio, teste de estresse e licitantes oportunistas

O atual modo com que o poder público brasileiro pretende engajar a iniciativa privada no provimento de infraestruturas e serviços públicos por intermédio de contratos de longo prazo vem repercutindo com frequência na imprensa brasileira nos últimos meses.

Não é o caso de revisitar as alterações que o governo federal promoveu no setor elétrico em 2012. Sobre o tema, recomendo a leitura da Carta do IBRE, de janeiro de 2013. O foco deste artigo é a recente mudança promovida pelo governo federal quanto ao papel do plano de negócio da concessão, documento que sustenta a proposta econômica das empresas participantes da licitação.

Em agosto de 2012, quando do anúncio do Programa de Investimentos em Logística, o Ministério dos Transportes divulgou que licitaria, em 2013, sete lotes de rodovias federais, que passariam a ser administradas pela iniciativa privada mediante contratos de concessão comum. A previsão era que a consulta pública dos documentos da licitação seria iniciada em janeiro de 2013. A ANTT cumpriu o cronograma e, em 9 de janeiro, disponibilizou os documentos dos sete lotes a serem disputados pela iniciativa privada (3ª Etapa – Fase III do programa de concessões de rodovias federais).

Algumas semanas atrás, em 11 novembro, uma matéria publicada no Valor Econômico (“União estuda mudanças em leilão de rodovias”) havia revelado que os planos de negócio que sustentam as propostas econômicas das licitantes - ou seja, que sustentam as tarifas requeridas pela iniciativa privada - não seriam mais solicitados pelo governo federal.

Segundo a matéria, o plano de negócio não mais acompanharia a proposta econômica porque, na licitação da concessão da BR-101, ocorrida em janeiro de 2012, o consórcio que ficou em segundo lugar propôs uma ação judicial para questionar o plano de negócio da proposta econômica vencedora e, em função disso, o contrato de concessão ainda não foi celebrado.

Tal postura gerou sentimentos de apreensão entre formadores de opinião. Em 28 de dezembro, o Diretor Presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR, Moacyr Servilha Duarte, publicou artigo em que sinalizou que a medida inviabilizaria a “obrigação do poder concedente de cumprir seu dever de verificar a exequibilidade das propostas” (“Futuro e presente das concessões”, O Estado de São Paulo).

Em 2 de janeiro, o economista Raul Velloso se manifestou no sentido de ser “chocante o anúncio de que, a partir de agora, os planos de negócios não serão mais exigidos dos concorrentes” (“A vitória dos despreparados”, Valor Econômico). No mesmo artigo, o consultor econômico afirmou que a análise do plano de negócio é essencial para “se fazer um julgamento adequado sobre se os pré-selecionados entenderam bem a tarefa a ser executada, e se estão realmente em condições de implementá-la”.

Com o início da consulta pública dos sete lotes de rodovias federais, foi possível confirmar o que a imprensa já havia adiantado: os licitantes não deverão apresentar seus planos de negócio em conjunto com a proposta econômica, “sob pena de desclassificação da proponente e aplicação de multa equivalente ao valor da Garantia da Proposta, com sua consequente execução” (item 9.6 do edital em consulta pública).

Pode-se dizer que tal medida não é nova, pois na licitação dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília havia uma regra idêntica no sentido de que as licitantes não deveriam apresentar seus planos de negócio. Entretanto, é importante recordar que a imprensa repercutiu certa desconfiança das autoridades federais em relação às propostas econômicas das licitantes vencedoras das concessões aeroportuárias uma vez que estas teriam apresentado propostas econômicas irreais.

Soma-se a esse cenário de desconfiança o fato de que, no caso das licitações dos aeroportos, terem sido necessários 4 meses para que os contratos fossem de fato celebrados com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), tendo um dos licitantes derrotados apresentado recurso administrativo questionando a proposta vencedora da concessão do aeroporto de Viracopos. Isso mostra que a estratégia de não solicitar o plano de negócio não garantiu um caminho necessariamente tranquilo da licitação até a celebração do contrato de concessão.

Aparentemente, o governo federal aprendeu com a experiência recente dos aeroportos, pois aumentou as atestações necessárias para a sustentação das propostas econômicas. Na licitação dos aeroportos, em 2012, as empresas deveriam apresentar em conjunto com sua proposta econômica uma declaração de instituição financeira, nacional ou estrangeira, atestando a viabilidade da proposta econômica com base na análise do plano de negócio da concessão.

Agora, nas licitações dos sete lotes de rodovias federais, o governo federal ampliou as exigências: além da carta de “instituição ou entidade financeira que assessora a proponente na montagem financeira do empreendimento”, declarando que analisou o plano de negócios e atestando sua viabilidade e exequibilidade, será exigida uma segunda carta, “de empresa de auditoria independente, registrada no órgão competente”, declarando que analisou o plano de negócio e atestando a sua adequabilidade, sob os aspectos contábil e tributário.

Observando-se as exigências feitas pelo governo nas diferentes situações, é possível questionar: qual é o melhor desenho de licitação? Solicitar o plano de negócio é de fato tão arriscado para o sucesso da licitação, do ponto de vista do poder público? Será mesmo que, abrindo-se mão do conhecimento sobre o plano de negócio, os licitantes despreparados teriam mais espaço para a apresentação de propostas econômicas irreais, colocando a competição em risco?

Parece ser natural que o governo federal tenha optado pela inexigibilidade da apresentação do plano de negócio. A história recente das concessões de rodovias do país, na medida em que as modelagens mais antigas vinculavam diretamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato ao plano de negócio da licitante vencedora, gerou uma antipatia do poder público em relação aos potenciais efeitos negativos para o interesse público que decorrem de modelagens que vinculavam o plano de negócio ao equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

Entretanto, nos últimos anos, o desenho dos contratos de concessão evoluiu quanto ao tema do equilíbrio econômico-financeiro. Há novos instrumentos sendo utilizados nos contratos, entre eles o fluxo de caixa marginal e o desconto de reequilíbrio, isso sem mencionar o fato de que as cláusulas de alocação de riscos vêm se tornando cada vez mais objetivas.

Nesse contexto, o receio de que a existência do plano de negócio pode gerar diversos pleitos de reequilíbrio em favor da concessionária deve ser minimizado, pois, em outros editais recentemente publicados pela própria ANTT, o plano de negócio foi reduzido à estatura que deve ter: uma peça acessória da proposta econômica, sem consequências normativas durante a vigência do contrato de concessão.

Isso remete à questão de fundo sobre este debate: qual a função do plano de negócio? A função do plano de negócio é provisória: permitir que a autoridade responsável pela licitação verifique se há uma razoável coerência entre a proposta econômica e os deveres da futura concessionária quanto à prestação dos serviços contratados (viabilidade e exequibilidade). E, nesse âmbito, há no mínimo duas estratégias para que tal análise ocorra: que o órgão responsável pela licitação faça tal análise, com ou sem o apoio de consultores externos, ou que sejam solicitadas declarações de terceiros, como instituições financeiras e auditorias independentes.

Em minha visão, tais estratégias não devem ser opções isoladas, mas sim ser utilizadas conjuntamente. Por intermédio da solicitação de que terceiros devam atestar a viabilidade e a exequibilidade das propostas econômicas, o poder concedente reforça a obrigação de seriedade das licitantes. Mas tal medida não deve levar à conclusão de que seria desnecessário que o poder público também conhecesse e tivesse acesso ao plano de negócio.

A licitação é uma ótima oportunidade para que o poder público reduza a assimetria de informação com o mercado, mitigando o espaço para condutas oportunistas durante a vigência do contrato. Logo, que mal há em solicitar o plano de negócio nos termos, formato e abertura que o poder concedente considerar adequados?

É interessante, nesse sentido, observar o que outros governos exigem das empresas licitantes para analisar as propostas econômicas apresentadas em licitações. Há países em que o poder concedente realiza um verdadeiro “teste de estresse” nos planos de negócio das licitantes vencedoras. No Reino Unido, por exemplo, houve um caso recente em que o órgão responsável pela licitação era responsável por analisar o nível de exposição ao risco de insolvência da concessionária em função das informações contidas em seu plano de negócio. Se o risco for excessivo, a autoridade condutora da licitação poderá solicitar mais capital próprio da licitante vencedora.

A despeito dos instrumentos utilizados, o poder público deve levar a sério sua função de intermediário entre a iniciativa privada e os usuários dos serviços públicos. O papel do plano de negócio é apenas uma das questões relevantes, sendo que há diversas outras questões que não vêm sendo debatidas, como, por exemplo, a necessidade de transparência radical e motivação proativa do poder público antes, durante e depois da celebração do contrato de concessão; a importância de que as consultas e audiências públicas não sejam meramente formais, mas sim espaços em que é possível o real aprimoramento do modelo de negócio; a urgência de que cláusulas-chave dos contratos sejam tratadas de modo mais completo e objetivo, mitigando os “espaços em branco” a serem complementados durante a vigência do contrato; que sejam fortalecidos mecanismos contratuais e regulatórios sobre a garantia de execução do contrato; e que sejam desenvolvidos gatilhos para que os acionistas das concessionárias sejam obrigados, em certos casos, a subscrever e integralizar capital social adicional na sociedade de propósito específico (SPE).

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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