Artigo: O risco da desapropriação no projeto “PPP Casa Paulista”

O governo do Estado de São Paulo, por meio da sua Secretaria de Habitação, iniciou o processo de licitação da parceria público-privada, na modalidade de concessão administrativa, do programa para implantação de unidades habitacionais de interesse social na região central da Grande São Paulo, tendo sido encerrada a fase de consulta da minuta do edital, contrato e seus anexos no dia 9 de junho passado.

O empreendimento, que busca viabilizar a construção de 21.110 residências na região central da capital paulista, contempla diversas obrigações que serão atribuídas a parceiro privado, como aquisição dos terrenos, elaboração de projetos, execução das obras de edificação habitacional, prestação de serviços de gestão condominial e da carteira de mutuários e, por fim, trabalho de orientação anterior e posterior à ocupação dos futuros moradores.

Uma primeira análise da apresentação realizada por aquela Secretaria (slide 9) aponta que o objetivo do ente estatal está muito mais associado a um plano de natureza urbanística do que propriamente à solução do déficit habitacional na região da Grande São Paulo. Em outras palavras, com o Projeto Casa Paulista, pretende-se revitalizar a antiga zona industrial do centro de São Paulo mediante o repovoamento da região, mas isso só se efetivará com a desapropriação dos imóveis que se encontrem abandonados ou subtilizados.

O viés urbanístico do projeto fica evidente em determinadas diretrizes concebidas para mitigar os riscos inerentes aos programas habitacionais direcionados às classes de baixa renda, valendo destacar o efetivo potencial para degradação (favelização) do bem entregue à sociedade. Entre as medidas vislumbradas no projeto para conter esse risco estão a destinação dos imóveis a famílias de diferentes faixas de renda (entre R$ 755,00 e R$ 10.848,00) e a realização de serviços de orientação (pré e pós-ocupação do bem), a cargo do parceiro privado.

Essa breve caracterização tem o propósito de evidenciar o relevante – quiçá determinante – papel do aspecto expropriatório para consecução do projeto Casa Paulista. Isto ocorre porque a área do centro da capital paulista escolhida para implantação do projeto (diferente do que seria caso se tratasse de região periférica) tem expressivo valor comercial, sem falar no acentuado potencial de valorização antes mesmo do início das atividades inerentes ao empreendimento.

Aqui cabe um rápido parêntese para destacar que a intenção do ente estatal ao viabilizar o projeto por meio de PPP, bem sabemos, é subsidiar parte do investimento e possibilitar que as unidades habitacionais (que terão preço artificialmente fixado) possam ser comercializadas no patamar apropriado para a faixa de renda das famílias que serão contempladas pelo programa e, ao mesmo tempo, remunerar o parceiro privado, de acordo com o plano de negócio integrante da sua proposta comercial. Essa contraprestação pública é a medida pecuniária que equilibra o custo da infraestrutura habitacional e o valor fixado para sua comercialização. Com efeito, não seria economicamente viável ao incorporador realizar, por iniciativa própria, um empreendimento imobiliário com as características semelhantes ao do projeto aqui estudado sem que o custo do terreno tornasse proibitiva a realização daquela incorporação.

Pensando assim, a desapropriação terá grande importância para a viabilidade do Projeto Casa Paulista, especialmente quanto aos riscos associados à modelagem adotada para regular este ato pelo qual o Estado, coativamente e com fundamento no interesse público, afeta bens do domínio privado, como apontado a seguir.

Dos riscos envolvidos e transferidos ao parceiro privado, dois merecem destaque: a execução do ato expropriatório e a variação no custo dos valores pagos aos imóveis a título de desapropriação.

Pois bem, com a transferência da execução da expropriação ao parceiro privado, ao ente estatal cumpre apenas – como ato indelegável que é – o dever de editar o decreto para declarar as áreas afetadas ao projeto como de interesse social. Assim, uma vez editado o referido ato normativo, caberá ao parceiro privado, conforme autorização prevista no art. 3º da Lei 3.365/1941, proceder à execução do ato expropriatório, seja mediante negociação direta com o proprietário do bem atingido, seja por meio de ação judicial.

A opção de transferir a execução da expropriação dos imóveis compreendidos no Projeto Casa Paulista ao parceiro privado encontra justificativa na capacidade que tem o particular para operacionalizar a tarefa com maior agilidade e no melhor poder de negociação no âmbito extrajudicial, seja em razão de sua expertise, seja pela menor burocracia requerida. Entretanto, a realização desta tarefa pelo parceiro privado pode redundar, vis-à-vis quando realizado pelo Estado, em um provável aumento do custo global do empreendimento. Isso porque os valores para desapropriação não são financiáveis pelas instituições financeiras, fazendo com que o empreendedor tenha que recorrer ao capital próprio (equity), de custo mais elevado do que o capital de terceiro (debt).

Quanto à variação do valor das desapropriações como risco para o parceiro privado, a seguinte hipótese é ilustrativa: imaginemos que determinado imóvel, no plano de negócio do projeto e respectiva proposta comercial avaliado por um valor “x”, posteriormente teve uma valorização de 20%, por exemplo, decorrente dos efeitos especulativos da notícia de que a região será revitalizada. Neste caso, a diferença de valor deverá ser integralmente absorvida pelo particular, impactando negativamente na projeção de custo e na própria avaliação sobre a rentabilidade do Projeto.

Observe que para o particular possa absorver este risco, será necessário o contingenciamento de recursos para fazer frente à materialização do risco de variação no custo da desapropriação, este contingenciamento será, de tal sorte, considerado na formulação da proposta comercial, de modo que, caso o risco da variação não se concretize, os valores contingenciados se reverterão em lucro para o particular. Por outro lado, um contingenciamento adequado requer a realização de estudos criteriosos sobre o valor e o potencial de valorização dos imóveis que serão desapropriados, circunstância que tende a levar o interessado cauteloso a elaborar proposta comercial mais conservadora, criando espaço para que propostas menos criteriosas alcancem valor competitivo (fenômeno da seleção adversa).

Por tudo isso, e para o atingimento do interesse social pretendido, é salutar que o Estado observe os riscos aqui mencionados já na fase de elaboração de projetos de infraestrutura que demandem a transferência de desapropriação a parceiros privados e isto envolve adotar medidas para minimizar os seus efeitos, seja responsabilizando-se pelo desembolso dos recursos efetivamente utilizados nas expropriações, seja compartilhando o risco de variação do valor de aquisição do imóvel afetado.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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