Artigo: Concessão de CREMA

O Governo Federal está estudando uma medida provisória para estruturar a concessão da conservação e manutenção de rodovias. Haveria cobrança de pedágio, e a criação de um fundo de equalização para, na prática, viabilizar um subsídio cruzado entre vias superavitárias e deficitárias. Ademais, já se noticiou que o Tesouro Nacional faria um aporte a este fundo equalizador.

Isso parece familiar ao CREMA (Contrato de Restauração e Manutenção), programa criado no final da década de 1990 pelo antigo DNER, com o apoio do Banco Mundial. Naquela ocasião, foi instituído o Programa de Restauração e Descentralização de Rodovias Federais, que adotou uma mudança do modelo de manutenção da malha rodoviária federal, calcado no conceito de gestão por desempenho.

Os serviços licitados sob o CREMA consistiam, basicamente, (i) na manutenção rotineira de rodovias consideradas regulares a boas, e (ii) serviços integrados de restauração e manutenção de rodovias consideradas ruins a regulares.

Aparentemente, veremos o “novo CREMA”. Agora sob a roupagem de concessão de serviço público, e com uma Conta de Desenvolvimento Rodoviário para centralizar recursos e subsidiar empreendimentos deficitários.

A evolução do conceito traz algumas importantes mudanças face ao “CREMA tradicional”:

1. a lei essencial de regência passa a ser a Lei n. 8.987 (Lei de Concessões), aplicando-se apenas subsidiariamente a Lei n. 8.666 (Lei de Licitações e Contratos);

2. as licitações provavelmente serão realizadas pela ANTT e não mais pelo DNIT, haja vista a competência legal daquela agência para efetuar concessões de rodovias;

3. também a fiscalização e regulação seriam realizadas pela ANTT;

4. o contratado será uma Sociedade de Propósito Específico, a concessionária;

5. empreiteiros serão acionistas e terão que conviver diariamente com decisões de investimento e gestão de financiamentos, além de fazer acontecer a obra/serviço;

6. para se licitar concessões não se exige projeto básico;

7. o fato de não haver pagamento pelo contratante extingue a necessidade de rubrica orçamentária;

8. o contratado (ou seja, a concessionária) não só pode, como deve, obter os recursos para custear os serviços e obras;

9. remuneração da concessionária apenas por tarifas (e, eventualmente, algum subsídio);

10. fim das medições e faturas pagas pelo DNIT;

11. possibilidade de a concessionária obter receitas acessórias;

12. controle passa a ser finalístico e não por unidade executada;

13. cultura de mensuração por desempenho (e não por quantitativos), e de aplicação de sanções pelo seu não atingimento;

14. foco em resultado e não na produção;

15. reequilíbrio econômico-financeiro de uma concessão é mais complexo que o de um contrato sob a Lei n. 8.666;

16. concessionária assume o risco da concessão por sua conta e ordem (salvo alguns eventos específicos de reequilíbrio listados no contrato);

17. impossibilidade de paralisar serviços sem proteção judicial; etc.

Destacamos que estas circunstâncias devem ser levadas em conta pelos empreiteiros atuantes nos contratos de manutenção sob o regime da Lei n. 8.666 com bastante cautela. Afinal, o perfil de risco de sua atividade econômica será amplamente afetado. Sem falar no seu ciclo de licitações, que se tornará mais esparso e/ou mais alongado.

Incumbe reiterar que haveria uma substancial mudança da natureza contratual, que enseja uma correlata alteração de riscos, direitos e obrigações. Pode parecer que pouco mudou (já que o escopo de serviços é praticamente idêntico), mas não. Trata-se de um conjunto bem distinto de encargos, e impõe-se à concessionária uma gestão profissional de todos os riscos e não apenas da produção nas frentes de trabalho.

Para os empreendedores não acostumados ao modelo de concessões, destacamos os principais riscos e oportunidades:

OPORTUNIDADES:
• investimentos mais baixos
• tendência de ter financiabilidade facilitada
• maior amplitude de interessados
• remuneração por tarifas pagas pelos usuários

RISCOS:
• aumento do endividamento
• possível ausência de enquadramento no BNDES
• capacidade de gestão
• governança mais estruturada
• descontos mirabolantes não funcionam bem face aos riscos assumidos em concessões

Estas são considerações iniciais sobre o tema, já que dependemos da aludida medida provisória para verificar a real situação. Contudo, elas não perdem em mérito ou pertinência, pois visam a ajudar os interessados a se posicionar frente à evolução do mercado.

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações)

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