Artigo: A cultura de desconfiança alcança as PPPs. E agora?

O Valor Econômico publicou várias matérias em abril com menções às parcerias público-privadas (PPPs) no contexto das colaborações premiadas de antigos funcionários do grupo Odebrecht.

Foram 13 menções às PPPs principalmente no setor de saneamento básico, associadas a 5 projetos que não tiveram suas licitações concluídas (Rio Grande do Norte; Itabuna – BA; Paraíba; Lagarto – SE; e São Cristóvão – SE) e a 4 iniciativas que alcançaram a fase de contrato celebrado (Mauá – SP; Espírito Santo; Uruguaiana – RS; e Rio das Ostras – RJ). Além do saneamento, houve menções a contratos de PPP de complexo prisional (PE), rodovia (PR), metrô (SP) e estádio (RJ).

Os fatos associados às PPPs, investigados no âmbito da Lava Jato, indicam que os pagamentos ilícitos da Odebrecht serviam para a “compra de atenção” junto a gestores públicos que orbitam espaços privilegiados da tomada de decisão sobre promover ou não PPPs.

A racionalidade inerente aos pagamentos irregulares estava associada a obter maior capacidade de persuasão e influência perante os formadores de opinião ou tomadores de decisão com responsabilidades durante o ciclo de vida da PPP, do Executivo ou do Legislativo.

Segundo aspas publicadas neste jornal vinculadas ao antigo executivo da Odebrecht Ambiental, Fernando Reis, os pagamentos irregulares “(...) funcionavam como um seguro [no caso de que alguém] tentasse fazer algo contra uma concessão nossa, íamos a ele [gestor público previamente corrompido] para recorrer e pedir que nada fosse feito" (“Caixa 2 visou privatização em saneamento”, de 13 de abril de 2017).

As matérias indicam que essa "lição" foi apreendida nas eleições municipais de 2008 na cidade de Rio Claro (SP), quando o Prefeito, que não recebeu doação da empresa, ao assumir anunciou que decretaria a extinção do contrato de concessão de esgoto, sem a devida motivação, segundo o antigo executivo da Odebrecht.

Outra matéria (“Fernando Reis: PPP de esgoto na Paraíba motivou caixa 2 para Cunha Lima”, de 13 de abril de 2017) informou que o pagamento de propina servia para a empresa “melhorar a relação com os governos para que os processos que culminarão com investimentos em saneamento avancem”. De acordo com Fernando Reis, “o propósito basicamente era de que os processos caminhassem para que a gente pudesse participar [das licitações]”.

A Odebrecht, na melhor das hipóteses, entendia a debilidade do contrato que ela havia optado por disputar, assim como a debilidade da tomada de decisão pública que sustenta uma licitação de PPP, e criou um “seguro” diante de tais fragilidades.

No pior cenário, a Odebrecht deliberadamente minava, via corrupção, a tomada de decisão pública a respeito de licitações e contratos de PPP, até então respaldada em pareceres e opiniões técnicas de órgãos e gestores públicos não corrompidos.

Em qualquer cenário, uma coisa é certa: a empresa não acreditava na capacidade de licitações selecionarem a melhor proposta; não acreditava que os contratos fossem bem desenhados e geridos; não acreditava na lei brasileira que estabelece a necessidade de processo administrativo para que PPPs sejam extintas; não acreditava no direito constitucional do contraditório e da ampla defesa; não acreditava na capacidade do Judiciário ou de tribunais arbitrais mediarem conflitos com governos; e não acreditava nas garantias oferecidas pelo poder público para o cumprimento do contrato. Em resumo, as condutas revelam que a empresa e seus executivos não acreditava na possibilidade de termos um mercado de PPPs sério.

A Odebrecht, aparentemente, tomava decisões considerando um único alicerce: o modo de gerir condutas oportunistas de administradores públicos, recebedores de votos ou indicados por estes, era pagando propina.

Nunca passou pela cabeça dos executivos e acionistas da Odebrecht denunciar pessoas ou ações perante órgãos de controle; patrocinar pesquisas acadêmicas sobre governança e transparência no setor público; premiar boas experiências com gestão pública; disputar licitações apenas em órgãos ou entidades públicas que passassem por filtros mínimos de seriedade; apoiar o desenvolvimento de melhores escolas de governo...

Aos que acreditam e trabalham com PPPs resta a satisfação de ainda encontrar empresas, consultores e gestores públicos sérios, que pretendem promover PPPs sustentáveis e que não sirvam apenas para que investimentos em obras civis sejam realizados nos primeiros anos dos contratos, como foi feito no passado, mas sim que as PPPs possam contribuir para que haja gasto público de qualidade no longo prazo.

Ver a experiência com PPPs se espalhar pelos mais variados Municípios é animador, assim como é positiva a recente declaração do Ministro do Planejamento de que o governo federal apoiará tecnicamente uma amostra de Municípios interessados no tema das PPPs e concessões. Aos que ainda acreditam no potencial transformador da qualidade do gasto público inerente às PPPs, resta a responsabilidade de avançar.

Torna-se fundamental que gestores públicos, consultores e executivos se posicionem diante dos erros cometidos na concepção e gestão dos mais de 100 contratos de PPP já celebrados, principalmente em ambiente caracterizado pela desconfiança, assim como redobrar os esforços rumo a uma experiência de maior qualidade sobre o tema.

Há um mal-estar sobre os resultados obtidos com as PPPs até o momento. No contexto das colaborações premiadas de antigos funcionários do grupo Odebrecht, é possível observar atos que geram perda da legitimidade do modelo de PPP e alimentam fragilidades institucionais do setor público. Apatia e senso de irresponsabilidade não produzirão melhores resultados.

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, em 16 de maio de 2017.

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações)

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