Houve alguns comentários e análises nos últimos dias sobre os impactos da operação “Lava Jato” no mercado de obras públicas e de parcerias público-privadas (PPPs) ou concessões. Este artigo se dedica ao debate sobre os efeitos das investigações no mercado de PPPs.
Segundo uma fonte do setor de infraestrutura, mencionada em matéria publicada pelo O Estado de São Paulo em 19 de novembro deste ano (“Crise afeta nota de Mendes Júnior e OAS”), “O governo e as empresas vão pisar no freio nas PPPs. O mercado vai parar”.
Em sentido oposto, outras matérias apresentaram análises indicando que os impactos decorrentes da investigação da Polícia Federal poderiam, justamente, contribuir para que novas construtoras, brasileiras e estrangeiras, ocupassem espaços de destaque no mercado brasileiro (“Estrangeiro vira opção para grandes obras”, Valor Econômico, 21 de novembro de 2014).
As análises aparentemente contraditórias são compatíveis com o momento. É natural que, diante de fatos recentes cujos efeitos ainda não se esgotaram, as previsões e as estimativas contemplem algum grau de dissenso. Há uma disputa implícita neste debate: há aqueles que querem argumentar no sentido de que punir empresas líderes de mercado gera consequências que transcendem os interesses de seus acionistas e há aqueles que querem defender que, mesmo no caso de punição das empresas líderes, há outras empresas que, a despeito de não serem líderes de mercado, têm condições de ocupar os eventuais espaços remanescentes.
É relevante notar, em primeiro lugar, que o Brasil tem aproximadamente 20 construtoras que faturam anualmente entre R$ 600 milhões e R$ 1,4 bilhão, ou seja, construtoras que estão fora do top 10 da indústria da construção e que, a partir de agora, poderão atuar de modo mais agressivo, aproveitando oportunidades momentâneas para o crescimento.
Além disso, parece equivocado considerar que toda PPP ou concessão necessariamente dependem das construtoras. O papel desempenhado pelas construtoras no mercado de PPP é uma circunstância, não havendo na essência das PPPs uma ligação umbilical com tal segmento. Portanto, a eventual redução do apetite das construtoras pelas PPPs não significa necessariamente menor dinamicidade no mercado.
Sem as construtoras, as PPPs podem, sim, sobreviver, inclusive por intermédio do desenvolvimento de modelos de negócio ainda mais aderentes ao interesse público, pois há uma gama de empresas que poderão ser incentivados a atuar mais intensamente via PPPs, como empresas de facilities management, fundos de private equity, fornecedores de equipamentos e tecnologias, entre outros.
Há PPPs cujos objetos não dependem de construtoras para que sejam implementados, pois, em função do escopo do projeto, a manutenção e a operação são mais relevantes do que a construção. Cabe mencionar dois exemplos de projetos recentes: a PPP de Diagnóstico por Imagem da Bahia e a PPP do projeto “Itatiba: Cidade + Inteligente”.
Outro eventual resultado da operação “Lava Jato” para o mercado de PPPs pode ser o fato de que todos terão que encarar de modo efetivo o tema da “financiabilidade” dos projetos. Na medida em que a investigação alcançou grupos empresariais líderes de mercado, abre-se espaço para o eventual rompimento da zona de conforto do financiamento via BNDES acoplado às garantias corporativas dos líderes de mercado, grupos empresariais brasileiros que emergiram da indústria da construção.
Diante do eventual rompimento dessa zona de conforto, o poder público e a iniciativa privada terão que encarar de uma vez por todas os obstáculos para que tenhamos um mercado mais organizado e competitivo para o financiamento de longo prazo de projetos públicos estruturados.
Em 16 de abril de 2013, Marcelo Odebrecht, presidente do grupo Odebrecht, de acordo com matéria do Valor Econômico (“'Nenhum banco financia projetos', diz Odebrecht“), disse que: “é inimaginável pensar que o volume de recursos necessários para infraestrutura, da ordem de R$ 1 trilhão, virá apenas do balanço das empresas e do BNDES”.
Esse é um desafio que vem sendo resolvido pelo balanço de grandes grupos empresariais, assim como por intermédio de estratégias societárias, fusões e aquisições ou busca de parceiros estratégicos, como FI-FGTS e Previ. Entretanto, se esse é um problema para os grandes grupos brasileiros, é um problema ainda maior para empresas menores.
Em resumo e com alguma dose de otimismo, poderemos ter no mercado de PPPs: novos atores, novos modelos de negócios e, eventualmente, novas estratégias para o financiamento de longo prazo.
Deixando de lado os agentes econômicos e avaliando agora apenas os modelos de contratação (obra pública e PPP), a investigação da Polícia Federal parece sinalizar que há espaço para que as PPPs e as concessões ganhem maior legitimidade. Em outras palavras, investigações de ilícitos em modelos de contratação tradicionais podem gerar um efeito subjetivo que legitima outros modelos de contratação, como as PPPs.
Parece natural que haverá comparações entre os pontos positivos e negativos das PPPs com aqueles dos contratos tradicionais de obras públicas.
Nesse sentido, cabe ressaltar aspectos positivos das PPPs como, por exemplo, os seguintes: os riscos de projeto e de construção são transferidos para a iniciativa privada; o licitante vencedor deve constituir uma empresa (sociedade de propósito específico) cujo único objeto é o projeto contratado; o licitante vencedor apenas começa a receber os pagamentos públicos depois que a obra estiver concluída e tiver sido aferida a sua qualidade; os pagamentos podem estar atrelados ao desempenho da concessionária; o licitante vencedor, além de construir, também fica responsável pela performance do ativo construído e pelos custos operacionais pelo prazo do contrato; possibilidade de que sejam publicadas demonstrações financeiras periódicas da sociedade de propósito específico.
As PPPs e concessões tendem a estar fortemente presentes nas agendas dos governos brasileiros em função do fato de que, ao que parece, teremos no próximo ano um relevante aperto orçamentário na União, com impactos em Estados e Municípios.
Observaremos que tipo de mercado teremos nos próximos meses, quando a carteira de projetos municipais avançar rumo à etapa de licitação e os Estados começarem a sinalizar as expectativas com os seus respectivos programas de PPP.
Talvez os modelos de PPPs enquanto meros viabilizadores de grandes obras perderão intensidade, mas isso não é um problema por si só, pois as PPPs têm uma função muito mais nobre do que apenas viabilizar grandes obras, que é contribuir para que o gasto público de qualidade de fato ocorra.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).