Artigo: Leitura positiva da lei paulista de concessão de áreas verdes

Rosane Menezes Lohbauer

Rodrigo Barata

 

O Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, sancionou, em 30 de junho deste ano, a Lei nº 16.260, autorizando a concessão à iniciativa privada, por até 30 (trinta) anos, de 25 (vinte e cinco) áreas próprias do Estado. Todas as áreas inseridas no Anexo I da Lei tem características de interesse ambiental, sendo 14 (quatorze) Parques Estaduais, 5 (cinco) Estações Experimentais e 6 (seis) Florestas Estaduais.

Em meio às críticas e elogios já manifestados à nova legislação, muitos carregados com ideologias, nossa proposta é esclarecer algumas confusões que a própria lei pode proporcionar ao intérprete e leitor, assim como propor uma leitura, ao nosso ver adequada, para coadunar a norma posta à realidade e boas práticas, sem falar, é claro, no necessário mantra da conservação ambiental, que jamais poderá ser esquecido nesta seara.

Para iniciar, portanto, nota-se que a Lei agrupa três modalidades distintas de áreas a serem concedidas, com propósitos bastante diversos. Em resumo, os Parques Estaduais são unidades de conservação de proteção integral, com propósitos científicos, educacionais e recreativos. As Florestas Estaduais, por seu turno, são unidades de conservação caracterizadas por extensões florestais, cujo objetivo é, por um lado, científico e, por outro, proporcionar a exploração sustentável dos recursos florestais ali existentes. Ao final, ainda temos as Estações Experimentais, tipo totalmente diverso das anteriores, não constitui unidade de conservação e é, na verdade, um programa do governo paulista para promover pesquisa, desenvolvimento e a efetiva exploração de alguma cultura específica, de interesse regional ou econômico.

Dessa pequena amostra das diferenças entre todas as áreas trazidas pela nova lei paulista, percebe-se que o propósito de cada concessão deverá ser pensado a partir do perfil e tipo de cada área a ser concedida. Os projetos serão distintos e é com base nessa diferença original que entendemos deva ser lida e interpretada toda a norma. Em outras palavras, propomos uma leitura positiva da Lei nº 16.260/16, que parta sempre da área estadual que se estiver analisando, de modo que, somente após entender a área e seu propósito é que se poderá analisar a Lei e desenvolver uma concessão adequada.

Tome-se, por exemplo, a possibilidade de concessão de um Parque Estadual. O projeto deve ser desenvolvido e modelado com foco em atividades do que a Lei denomina ecoturismo, pois são os parques um dos maiores ativos ambientais para convivência da população com o meio ambiente e sua preservação. São exemplos interessantes o parque das cataratas do Iguaçu, Fernando de Noronha e o Parque da Tijuca, todos objeto de concessões de uso pelo ICMBio. Em paralelo, o modelo das Parcerias Público-Privadas surge como grande potencial nesse campo. Atualmente, apenas o projeto da Rota Lund, em Minas Grais, foi licitado nesse formato, mas diversos estudos já foram desenvolvidos em uma gama significativa de parques, sem falar do Processo de Manifestação de Interesse já em andamento relacionado ao Parque de Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

A PPP permitirá um diálogo mais amplo entre o particular, que deverá gerir o parque inteiro, e o órgão ambiental responsável pelo patrimônio e sua conservação. Mecanismos inerentes às PPP ainda não são adequadamente aplicados nos parques concedidos no Brasil, como a vinculação da remuneração do privado ao seu desempenho, garantias contratuais de ambas as partes e outras práticas que deverão ser incorporadas aos modelos de gestão das unidades de conservação. O conceito da PPP e seu elemento de parceria (não de mera delegação a terceiros) são fundamentais para que o país institua, de verdade, um modelo robusto e seguro para que o turismo ecológico, a preservação ambiental a pesquisa e o ensino sejam providos de forma adequada e o potencial brasileiro nessa seara seja concretizado.

Nesse sentido, também importante destacar que em alguns parques e outras áreas de interesse ambiental temos algumas concessões pontuais, de atividades específicas – e.g. a concessão de um passeio específico em determinado parque ou da visitação de determinado monumento, excluindo-se o restante da área. Esse modelo, ressalte-se, está longe do ideal e nos parece não atender aos princípios que regem a gestão de unidades de conservação e do patrimônio ambiental brasileiro. As experiências internacionais mais interessantes, na verdade, estão na concessão integral da área, de um espaço ambientalmente protegido que mereça, de um lado, ampla atividade de conservação e, de outro, o desenvolvimento de atividades turísticas, recreativas e de educação que privilegiem e atraiam público para a fruição do potencial ambiental, tornando o projeto autossustentável, de preferência.

Por outro lado, um projeto desenvolvido em uma Estação Experimental deverá ser estruturado de forma diversa e com propósitos distintos da concessão de um parque. Como mera cogitação, pode-se tanto concentrar esforços para continuar o programa estadual de exploração e desenvolvimento dessas estações, quanto prever uma mudança drástica e considerar a transformação de estações experimentais em Estações Ecológicas, por exemplo, alterando as características de sua exploração e as atividades ali desenvolvidas. O potencial econômico instalado nas Estações Experimentais pode servir como fonte de recursos para a mudança do perfil da área e reflorestamento ou plantio de espécies nativas. Transforma-se a área de mera exploração extrativista em núcleo de pesquisa, ensino ou visitação, com grande potencial ambiental.

São diversas as alternativas trazidas pela nova legislação. Apesar de em certos pontos a norma ser muito restrita e engessar a estruturação de projetos – por exemplo, ao limitar a prestação de garantia a 5% do valor do contrato – o quadro desenhado é bastante amplo, permitindo o desenvolvimento de bons projetos. Não se pode esquecer, também, que a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo manifestou que as concessões são uma ótima opção, especialmente em face à crítica situação atual de insuficiência de recursos para o manejo correto dos parques. Sem falar que, juridicamente, a Lei supre outra lacuna, já que a Constituição Estadual (art. 19, V) determina que cabe à Assembleia Legislativa autorizar a concessão de uso de áreas próprias do Estado. Como o modelo jurídico de cada projeto não está definido, a autorização em lei vem a garantir que os projetos já estão autorizados, minimizando riscos jurídicos e políticos comuns em seu desenvolvimento.

A conclusão, diante disso e considerada a proposta de aproveitar a legislação aprovada e não somente criticá-la, é que a Lei nº 16.260/16 impôs grande responsabilidade na modelagem e estruturação das concessões que autoriza, na medida em que pressupõe a consideração adequada do uso e tipo de cada área constante de seu Anexo I, ao mesmo tempo que demandará grande esforço de comunicação e engajamento das comunidades impactadas, especialmente porque este modelo de gestão deverá contar com mecanismos de inserção das comunidades ligadas e afetadas pelas áreas a serem concedidas. O que se espera agora é que os estudos prometidos pelos órgãos do governo do Estado sejam bem realizados. Com isso, bons editais e contratos podem ser elaborados de modo a mitigar as principais críticas que a Lei sofreu. O Governo paulista deu um passo à frente na iniciativa de instituir um programa para gestão de áreas de interesse ambiental, mas é preciso que saiba extrair dessa oportunidade o melhor resultado possível.

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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