No último dia 13 de Setembro foi publicada a Lei Federal n.º 13.334/16 (conversão da Medida Provisória n.º 727/16), que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (“PPI”), como uma agenda – de abrangência federal, estadual e municipal – “destinada à ampliação e fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização”, como estabelecido no próprio art. 1.º da Lei.
Embora seja, de fato, inegável a necessidade de tal ampliação e fortalecimento das relações público-privadas estabelecidas na consecução de empreendimentos públicos de infraestrutura – tendo em vista os gargalos existentes em praticamente todos os setores, carentes de investimentos que necessitam, efetivamente, de maior (e melhor) participação privada –, trilhar os caminhos que conduzirão a este cenário não se mostra tarefa fácil, demandando ajustes das mais diversas ordens, inclusive modificações legislativas – como a abordada mais adiante.
Nesse sentido, como um dos pilares para o atingimento de ambiente favorável à realização dos desejáveis investimentos, estabeleceu-se, na Lei do PPI, como um de seus objetivos expressos, o de “fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação”. Contudo, em que pese a Lei ser recentíssima, trata-se, esta, de pauta já conhecida e debatida há muito tempo no cenário de nossa infraestrutura, visto influenciar diretamente na estabilidade e na segurança jurídica dos negócios públicos.
Isso porque, embora seja indiscutível, no contexto de provimento de serviços públicos, a importância da “verdadeira regulação” – não sob o prisma formal, mas a instituição de meios e instrumentos que garantam sua efetividade –, sua adoção, no Brasil, sempre consistiu em verdadeiro desafio. E, sem dúvida, um dos principais entraves ao atingimento de ambiente regulatório adequado, desde a criação das primeiras Agências Reguladoras Federais (notadamente a ANATEL e a ANEEL), até a relativamente recente instituição das Agências Estaduais e Municipais, reside na pouca (ou, em alguns casos, nenhuma) autonomia das Agências em relação ao respectivo Poder Executivo ao qual se vinculam – autonomia que consiste, sabidamente, em pressuposto básico para que as normas e decisões regulatórias se deem sob viés técnico, e não político.
A literatura clássica, aliás, aponta que o cenário ideal de regulação consiste naquele em que a Agência Reguladora detém tamanha autonomia que fiscaliza inclusive o próprio Poder Público, em prol da adequação do serviço por ela regulado, podendo chegar, em alguns casos, à aplicação de sanção (inclusive multa pecuniária) à própria Administração Pública, caso verifique, por exemplo, uma omissão desta na relação com um Concessionário ou Permissionário.
Ocorre que, embora louvável a enunciação da “autonomia das entidades estatais de regulação” como um dos objetivos do PPI, a experiência regulatória brasileira aponta para a necessidade de significativas adequações no regime jurídico das Agências Reguladoras, nos mais diversos aspectos e matérias, sob pena desta autonomia ser meramente “formal”, com pouco ou nenhum significado prático, como ocorre com a grande maioria das Agências brasileiras (nos níveis federal, estadual e municipal), cuja pauta normativa e decisória praticamente se confunde com a pauta do próprio Poder Executivo.
Por exemplo, de nada adianta a Lei de criação de determinada entidade de regulação proclamar, com todas as letras, sua “autonomia financeira” (disposição bastante frequente nos diplomas legislativos), se a Agência, em seu dia-a-dia, não possui fonte orçamentária própria (como o repasse de percentual das receitas dos Concessionários sob sua regulação) e depende, para arcar com suas despesas e remunerar seu pessoal, de aportes de recursos do Tesouro Federal, Estadual ou Municipal.
Isso faz com que, nas decisões regulatórias mais sensíveis – que, costumeiramente, têm potencial ou efetivo impacto político –, a Agência possa tender a alinhar-se ao interesse do Poder Executivo (que não necessariamente coincide com a melhor decisão técnica ou a mais acertada forma de execução de dado Contrato), temendo “perder” os recursos financeiros de que necessita, cuja liberação (seja na programação orçamentária anual encaminhada pelo Executivo ao Legislativo, seja nos contingenciamentos realizados dia-a-dia) fica, na prática, sujeita à vontade exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
Tal cenário é, de fato, nocivo ao ambiente das relações público-privadas de infraestrutura. Rompida a normalidade do sistema – visto que o “tripé” ideal, composto por Regulador, Parceiro Público e Parceiro Privado, restará prejudicado, com os dois primeiros confundindo-se numa só pauta, que é a pauta política, por vezes colidente com a leitura técnica de uma questão ou um Contrato –, tem-se, além do risco de condutas oportunistas por parte de quaisquer dos atores envolvidos no processo, um exponencial aumento da percepção de “risco político” por parte dos potenciais investidores, encarecendo – ou até afugentando – o capital privado e sua expertise técnica, ingredientes indispensáveis ao bom provimento da infraestrutura pública.
Nesse sentido, como forma de dar concretude ao primado de “fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação” (instituído na Lei do PPI), tomou fôlego no Senado Federal, tramitando a passos bastante rápidos, o Projeto de Lei n.º 52/2013, conhecido como a “Nova Lei das Agências Reguladoras”.
Já aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e atualmente sob análise da Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional (ambas do Senado), o PL, de autoria do Senador Eunício Oliveira, busca estabelecer regramento geral que contribua ao fortalecimento da atividade das Agências Reguladoras em nível federal, e que poderá ser seguido, também, no todo ou em parte, em âmbito estadual e municipal (desde que assim deseje o Estado ou Município).
As disposições do Projeto de Lei incidem diretamente sobre o regime das dez Agências Reguladoras Federais: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e Agência Nacional do Cinema (ANCINE).
Dentre as muitas inovações promovidas pelo PL na atividade regulatória exercida por cada uma destas Agências Federais, pode-se destacar, num eixo principal, oito aspectos decisivos, os quais, sob nossa ótica, contribuirão não só à maior autonomia regulatória, mas à transparência do processo normativo e decisório das Agências:
1. Autonomia orçamentário-financeira “real”
De modo a impedir que o orçamento das Agências fique sujeito a contingenciamentos por parte do Poder Executivo, há a determinação expressa de que as Agências Reguladoras devem corresponder a “órgãos orçamentários no Sistema de Planejamento e Orçamento Federal”, conferindo-lhes, assim, plena liberdade para administrar seu orçamento, em face do Ministério que as supervisionam.
São reconhecidas às Agências de forma explícita, ainda, novas competências administrativas relevantes, como a possibilidade de solicitar (independentemente de anuência do Ministério supervisor) autorização para abertura de concursos públicos e nomear os aprovados, bem como celebrar, sem a participação do Ministério, contratos administrativos dos quais a Agência seja parte.
2. Análise de Impacto Regulatório (“AIR”)
Objetivando maior “reflexão prévia” sobre matérias impactantes, o PL estabelece que as decisões e normas regulatórias de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários dos serviços prestados devem ser obrigatoriamente precedidas da chamada Análise de Impacto Regulatório, estudo tendente a aferir os “custos e benefícios” da conduta regulatória que se pretender adotar.
Por exemplo, deverão ser previamente calculados, pela Agência, os potenciais desequilíbrios econômico-financeiros em Contratos, causados por uma nova exigência ou uma alteração unilateral em Concessão, Permissão ou Autorização que esteja sob sua regulação. Somente depois de sopesados os prós e contras, deve-se tomar a decisão regulatória.
Trata-se de recomendação já formulada há algum tempo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a algumas das Agências, de forma reiterada, e que, agora, passa a ser exigência legal expressa, com o conteúdo mínimo da “AIR” definido no PL.
3. Transparência e controle externo das Agências pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas da União (TCU)
Buscando acabar com divergência existente desde a criação das primeiras Agências – no sentido de que, em razão de sua natureza de autarquia “especial”, estariam “blindadas” de fiscalização externa por parte do Congresso e do TCU –, o PL estabelece que, anualmente, as Agências deverão elaborar relatórios que serão apresentados ao Poder Executivo, Poder Legislativo e Tribunal de Contas, para demonstração do cumprimento de suas metas.
Estabelece-se, ainda, que seu dirigente máximo deverá comparecer, também anualmente, perante o Senado Federal, para eventuais esclarecimentos acerca das atividades desempenhadas pela Agência.
4. Planos Estratégicos e de Gestão
No tocante ao atendimento aos objetivos e metas institucionais das Agências, o PL estabelece que, ao invés dos atuais “contratos de gestão” celebrados entre Agência e Ministério (cuja constitucionalidade é questionada pela doutrina), devem ser adotados dois instrumentos: o “Plano Estratégico” e o “Plano de Gestão Anual”.
O Plano Estratégico deverá ter duração quadrienal e estabelecer previsões sobre as metas, objetivos e resultados esperados na atuação da Agência Reguladora nesse período. Já o Plano de Gestão Anual tem por objetivo identificar as metas anuais, os recursos e processos necessários para que elas sejam atingidas e o conjunto de temas prioritários que serão regulamentados pela respectiva Agência – a chamada “Agenda Regulatória”.
5. Ouvidoria
De modo a fortalecer a Ouvidoria como instância de controle e participação social nas Agências Reguladoras, o PL contém previsão expressa de ausência de subordinação hierárquica e de pleno acesso, pelo Ouvidor, a todos os processos administrativos das Agências Reguladoras, independentemente de permissão da repartição respectiva.
Adicionalmente, é estabelecido o mandato de três anos do Ouvidor, vedando-se sua recondução, além de critérios mais rígidos para sua nomeação, como a necessidade de “ficha limpa”.
6. Cooperação das Agências Reguladoras com outros órgãos e entidades da Administração Pública (inclusive Agências Estaduais e Municipais)
Fixa-se, no PL, a exigência de cooperação das Agências Reguladoras Federais entre si (intercâmbio de informações, dados e sistemas), bem como com órgãos de defesa da concorrência, defesa do meio ambiente e defesa do consumidor, e com as Agências Reguladoras Estaduais e Municipais.
7. Critérios e procedimentos para indicação e substituição de dirigentes
Além de compatibilizar o regime das Agências com o disposto na Lei Federal n.º 13.303/16 (a “Lei de Responsabilidade das Empresas Estatais”), adotando-se os mesmos requisitos de experiência profissional para o desempenho de funções de dirigente nas Agências Reguladoras, o PL estabelece que a indicação de pessoas para os cargos de direção das Agências (prerrogativa do Presidente da República) será precedida da formulação de uma lista tríplice, por uma comissão de seleção, cuja composição e procedimento serão fixados em regulamento.
O PL – que prevalece sobre as Leis específicas de cada Agência – introduz, ainda, o mandato de cinco anos para os dirigentes das Agências Reguladoras, sendo vedada a recondução.
8. Divisão de competências entre Poder Concedente e Agências Reguladoras
Por fim, em linha com a tendência de deslocar-se cada vez mais ao campo regulatório (portanto, técnico) providências e decisões antes represadas pelo “Poder Concedente” (Poder Executivo) no contexto de Concessões, estabelece-se que as Agências devem ser as responsáveis por decidir nas matérias e assuntos que, pela complexidade que lhes seja inerente, pressuponham interação com a regulação econômica.
Na prática, porém, diversas Agências já exercem, há algum tempo, o “papel de Concedente” nas Concessões (ou Permissões, Autorizações e outros atos de delegação). É o caso da ANEEL, por exemplo, que conduz inclusive os certames licitatórios, por delegação expressa do Ministério de Minas e Energia (MME).
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Em 17/08/2016, foi apresentado pela Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional Parecer da favorável ao prosseguimento do PL, razão pela qual sua apreciação pelo Plenário do Senado mostra-se próxima.
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