Artigo: Os reflexos das incertezas tributárias no setor de infraestrutura

João Pedro Boskovic Cortez

Mauricio Taufic Guaiana

Não há dúvidas de que um dos maiores objetivos do atual governo federal é incentivar os investimentos, principalmente os relacionados ao setor de infraestrutura. A lista de esforços nessa direção é extensa, partindo das tratativas para publicação de diversos editais de concessões no macro setor até, mais recentemente, a divulgação do “Fundo Noiva”, em que empresas, bancos e fundos de pensão públicos poderão deter participação na estrutura acionária das concessões de rodovias e ferrovias.

Na conjuntura atual existem ações concretas para disponibilizar capital em quantidade suficiente para a realização destes investimentos. Não só via crédito bancário (majoritariamente BNDES), mas também com recursos diretos, por meio da figura dos Aportes de Recursos regulamenta pela Lei Federal nº 12.766 de 2012. Com isso, o poder concedente foi autorizado a disponibilizar recursos em favor do parceiro privado para a realização de obras e aquisição de bens reversíveis.

Todas estas ações possuem um cunho positivo. Todavia, qualquer que seja a maneira que o setor público disponibilize recursos - crédito dos bancos de fomento ou aporte de recursos – por mais que haja emissão de moeda, deve haver um equilíbrio de contas e, logo, um controle da arrecadação. É neste ponto que os objetivos do governo federal começam a se mostrar distorcidos, senão incertos.

Embora não existam dúvidas sobre a importância da carga tributária suportada pelas empresas, o foco das incertezas quanto aos objetivos pretendidos pelo governo federal não está relacionado somente à avaliação da magnitude ou até mesmo da conveniência das recentes iniciativas federais. Está em uma etapa anterior. Será que as regras que balizam a lógica de arrecadação aos cofres públicos estão claras e pautadas de forma segura?

Ao que tudo indica, não. Ultimamente, os desdobramentos das distintas interpretações a respeito das lacunas do Regime Tributário de Transição (RTT) – que tenta segregar as regras contábeis introduzidas pelas IFRS dos mecanismos de apuração fiscal – confundem a intenção da matéria.

Podemos citar como exemplo mais recente a Instrução Normativa RFB nº 1.397/2013, proveniente do Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nº 202/2013, dispondo entre outras coisas sobre a tributação da diferença entre os dividendos distribuídos calculados sobre o lucro societário em relação aos que seriam distribuídos pelo lucro fiscal. Houve clamor tanto sobre a possibilidade de cobrança retroativa, quanto à revisão de algumas premissas para projetos prospectivos, mesmo que tal instrução carecesse de um poder legal efetivo.

Nota-se que apesar do poder coercitivo da Secretaria da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, estas instituições, pertencentes ao mesmo governo fomentador, emanam insegurança e semeiam confusão quando tentam agir, mesmo que de forma não intencional, como poder legislativo.

A quem realmente compete disciplinar o assunto, atua de forma negligente, sem interesse em buscar, por exemplo, um instrumento legal capaz de diminuir o distanciamento entre a realidade do mundo dos negócios e as suas regras tributárias. Sua intenção mais clara é proteger a arrecadação, seja como for. Dessa maneira, corre-se o risco em manter permanente algo que nasceu para ser transitório. Desde o início era sabido que o RTT se tornaria obsoleto, e, como visto, não faltam sinais de sua exaustão.

Não há como esperar um resultado positivo de médio e longo prazo a partir desta postura omissa do governo em que o resultado é dar com uma mão e tirar com a outra. O Planalto e suas extensões devem compreender que os investidores são suficientemente qualificados para quantificar as incertezas no momento da tomada de decisão. Não só tais incertezas, mas principalmente o sentimento de que o governo fará de tudo para não se sentir onerado por conta das novas regras contábeis.

Os projetos relacionados ao setor de infraestrutura têm como maior característica ser de capital intensivo e possuir retorno de longo prazo. Qualquer alteração da pauta tributária pode gerar distorções milionárias do resultado esperado. É muito provável, e não faltam exemplos, que a interação conflituosa entre as duas facetas do governo - incentivar investimentos privados e ampliar a percepção de risco tributário - terá efeito indesejado na postura do investidor. Ou o governo deveria rever a maneira de atingir os objetivos, ou não é possível compreender quais eles são. 

 

(Este artigo reflete as opiniões dos autores, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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