Artigo: Parcerias público-privadas: o que o Brasil pode aprender com o Reino Unido?

Recentemente, o Parlamento britânico, por intermédio de sua comissão dedicada às questões fazendárias, publicou relatório com recomendações sobre o programa de parcerias público-privadas (PPPs) daquele país (denominado Private Finance Initiative – PFI).

As análises contempladas no referido relatório colocam em dúvida o programa de PPPs britânico, que se desenvolveu em maior medida na época em que o Partido Trabalhista contava com a maioria dos membros do Parlamento (1997-2010). Atualmente, com o Partido Conservador no pode e considerando o cenário de crise fiscal intensa, parecem ter surgido condições favoráveis para a análise crítica dos contratos celebrados no passado recente.

Ao ler o relatório é possível detectar algumas questões relevantes que poderiam ser incorporadas ao debate brasileiro sobre as PPPs, principalmente tendo em vista que o uso desta modalidade de contratação de serviços públicos tende a se tornar mais frequente. Destaco alguns pontos do relatório.

  • Há casos de PPPs no Reino Unido que não implicaram em menor uso de recursos públicos, pois houve equívocos na alocação de riscos entre as partes do contrato. Tal situação resultou em preços mais altos e ineficiências na prestação dos serviços;
  • Não há demonstrações concretas no sentido de que as PPPs foram mais eficientes na medida em que delegaram ao parceiro privado a responsabilidade pelo ciclo de vida dos ativos (construção, operação e manutenção);   
  • O argumento de que as PPPs apresentam maior segurança no que diz respeito ao orçamento e ao cronograma do projeto ainda não foi plenamente demonstrado. Segundo o relatório, as PPPs demoram mais para serem estruturadas e este prazo adicional deve ser incluído na mensuração da rapidez com que os serviços públicos são colocados ao dispor dos usuários. Além disso, a certeza sobre o orçamento apenas é positiva se ele foi calculado de modo correto, ou seja, de modo a incorporar as eficiências geradas pelo parceiro privado;
  • É necessário que os contratos de PPP sejam mais flexíveis para incorporar situações novas, que tendem a surgir em arranjos de longo prazo;
  • A PPP tende a gerar menor grau de competição nas licitações, pois envolve processos longos, complexos e caros, de modo que apenas as empresas que podem se arriscar a perder milhões de libras com propostas que podem não ser as vencedoras apresentam apetite por tais contratos;
  • As análises comparativas entre o contrato de PPP e outras modalidades de contratos tradicionalmente usadas pelo setor público apresenta viés favorável às PPPs. Uma das premissas equivocadas é pressupor que sempre haverá pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro nos contratos tradicionais. Além disso, a autoridade pública tem incentivos para preparar estudos favoráveis às PPPs, porque, do contrário, não terá outro modo de satisfazer uma demanda pública (em alguns programas do governo britânico, havia recursos disponíveis apenas se os projetos fossem estruturados como PPPs);
  • O National Audit Office (tribunal de contas do Reino Unido) deve realizar um estudo independente a respeito da análise comparativa entre PPP e outros métodos tradicionais de contratação cabíveis;
  • É importante que seja avaliada a possibilidade de inserir, nos projetos de PPP ainda não licitados, algum mecanismo de compartilhamento dos ganhos de produtividade entre o parceiro privado e o setor público;
  • É necessário aumentar a capacidade de gestão dos servidores públicos em relação a dois temas: gestão da licitação e gestão de projetos. O investimento em habilidades envolvendo questões financeiras deve ser equilibrado para que capacidades em áreas como arquitetura e engenharia também sejam desenvolvidas junto aos servidores públicos.

 

Algumas deficiências do programa britânico, se reproduzidas no Brasil, poderiam minar a legitimidade das PPPs perante a opinião pública brasileira. Logicamente que tal possibilidade dependerá do modo como as PPPs forem sendo mais intensamente incorporadas na administração pública brasileira.

De qualquer modo, a maior parte dos desafios a serem enfrentados no Reino Unido é pertinente ao setor público brasileiro. A administração pública, como qualquer instituição ou pessoa, comete erros. Espera-se que o Brasil, no mínimo, não repita os mesmos erros do programa de PPPs do Reino Unido.  

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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