O exame dos méritos das parcerias público-privadas, PPP, como forma de modernização da prestação de serviços públicos ao cidadão, tem sido prejudicado no Brasil por um debate recorrentemente pobre. Parte dessa dificuldade é intrínseca ao processo: PPP pressupõe operações financeiras estruturadas, avaliação de riscos, projetos financeiros de certa complexidade e uma estrutura de garantias jurídicas bastante sofisticada. Temas áridos portanto para o debate político e superficial que infelizmente domina a cena política.
Mas a maior parte desta incompreensão decorre de um confronto ideológico. Fortes interesses eleitoreiros e corporativos preferem confundir a opinião pública com o uso de conceitos simplistas que reduzem tercerizações, concessões, privatizações e PPPs à mesma coisa, baseados na limitada idéia de que, sendo objeto de interesse do capital, todos esses instrumentos servem apenas para gerar lucros e reduzir o poder do Estado. Assim, parece bacana ser contra tudo isso achando que se está defendendo o Estado e lutando quixotescamente contra o capital … e, afinal, entender como funcionam esses instrumentos é coisa de tecnocrata, e indigna de atenção séria.
Passa desapercebido a essas pessoas que o que mais reduz a confiança nos entes estatais hoje é justamente a incapacidade de prover serviços públicos eficiente em qualidade e preço. Na contramão do simplismo, acho que as PPP são ferramentas de contratação extremamente importantes para o setor público. E como ferramentas que são, é claro que tanto podem ser benéficas como mal utilizadas. Mas é inegável que trazem métodos eficazes, que podem fazer a população se beneficiar de práticas modernas de contratação, gestão de riscos, financiamento e introdução de melhorias tecnológicas e de gestão no serviço público.
Isso é tanto mais importante no Brasil porque em nosso país a gestão pública está completamente amarrada por um marco regulatório anacrônico, que quase inviabiliza práticas de excelência na gestão. Praticamente em todas as áreas importantes para a eficiência das empresas públicas, como, só para um rápido exemplo: i) recursos humanos (limitada nas formas de ingresso, desenvolvimento de carreiras, qualificação, meritocracia, desigualdades salariais e de vantagens nas gratificações e na previdência, produtividade, isonomia salarial e inadequada garantia de estabilidade no emprego público em flagrante contradição com a precariedade dos empregos privados), ii) contratações de bens e serviços, limitados pela anacrônica Lei 8.666, limitados a uma fiscalização formal hipertrofiada face a uma verdadeira displicência na gestão dos contratos e garantia de qualidade no fornecimento dos bens e serviços posterior ao rigor dos processos licitatórios; iii) graves limitações ao financiamento (o Estado brasileiro só acessa crédito para investimentos em obras físicas, e os Governadores precisam cingir seus programas à oferta dos agentes financiadores e do orçamento da União, que dessa maneira limitam extraordinariamente a ação dos Estados e municípios); iv) completa inviabilidade de gestão moderna de riscos e acesso a inovações tecnológicas; v) ciclos políticos muito curtos que impedem o amadurecimento de boas práticas corporativas pela ingerência política na gestão empresarial, … e ainda haveria um alfabeto inteiro de exemplos.
Veja que não se trata de achar que a gestão privada é boa e a gestão pública é ruim, por alguma razão intrínseca ou questão de fé. Eu, por exemplo, defendo a gestão pública e sou contra a privatização de serviços essenciais. Acho que o Estado não pode abrir mão de uma estrutura forte para a gestão dos serviços públicos, inclusive operacionalizando-os diretamente sempre que puder fazê-lo de forma eficiente, e isso significa a um custo que o cidadão possa pagar, sabendo que é mais barato ou melhor que uma alternativa privada.
Em atividades como o fornecimento de serviços de água e esgoto, acho que precisamos de empresas estatais eficientes. Como sergipano, não abro mão da DESO, e vi com orgulho como a empresa superou o recente problema da quebra da adutora no Ponte de Pedra Branca. E acho que, mesmo diante das dificuldades estruturais já apontadas, muitas empresas públicas conseguem níveis satisfatórios de resolutividade no atendimento ao consumidor, muitas vezes graças ao empenho de dirigentes e servidores de alto grau de comprometimento público.
Mas adicionar a essas regras a inovação tecnológica, capacidade financeira e a expertise de parceiros privados – mesmo levando em conta que eles buscam oportunidades de lucro, não de filantropia – significa aumentar a eficiência da gestão pública, e não descaracterizá-la.
No caso dos serviços de água e esgoto – em Sergipe, a nossa DESO e também os serviços municipais em algumas cidades – lembro que metade da população brasileira, ou mais, não acessa serviços de esgotamento sanitário. E esse problema só se resolve com investimentos altos, que o aporte público sozinho não poderá resolver em prazos de tempo razoáveis. Basta ver que nenhuma concessionária no Brasil pode bancar os investimentos de expansão das redes de água e esgoto sozinhas, a não ser que pratiquem preços muito mais altos que os atuais e inviáveis para a população pobre.
PPP então permitem, de uma só vez: buscar crédito através dos parceiros privados, que assim agregam capacidade de investimento que, sozinha, a empresa pública não teria; viabilizar a introdução de métodos e técnicas inovadoras; beneficiar-se da gestão privada, no que for mais eficaz para o desenvolvimento dos serviços, permitindo à empresa pública focar seus objetivos sociais, e evitar dispersão, delegando as atividades complementares à sua ação. Isso pode perfeitamente ser feito sem demitir pessoal das empresas, sem privatizar nada, sem reduzir a presença dessas estatais junto à população. Pode, ao contrário, ser um instrumento de melhoria da sua imagem perante o consumidor, que vai saber reconhecer imediatamente a melhoria da qualidade na prestação de serviços.
O potencial desses instrumentos é imenso. Vale lembrar o exemplo atual do Rio de Janeiro. Lá, foi utilizado um instrumento introduzido há poucos anos no Brasil pelo Estatuto das Cidades: trata-se do CEPAC – Certificados de Potencial Adicional de Construção, que são valores mobiliários emitidos pelas Prefeituras. Esses títulos são utilizados como meio de pagamento para a outorga do chamado Direito Urbanístico Adicional. É um instrumento financeiro, que no caso do Rio foi transformado pela Caixa Econômica Federal em um fundo capaz de financiar operações de PP dentro do projeto chamado de Porto Maravilha.
Ou seja, um instrumento financeiro é capaz de “trazer” o futuro para os dias atuais, através de um título financeiro que assim pode garantir investimentos privados, realizados agora, no momento presente. Avaliados devidamente os riscos, instituições financeiras trazem a valor presente esses títulos e financiam as obras de melhorias dos serviços urbanos que a Prefeitura do Rio oferece. É como se o sistema financeiro permitisse precificar hoje, para viabilizar os investimentos necessários, os enormes benefícios que a cidade poderá auferir em um prazo de duas a três décadas.
Não há dúvida que isso permite a oferta de serviços à população que, pelos mecanismos tradicionais de contratação de serviços seria impossível oferecer.
Esse é um belo exemplo, dentre muitos (ainda que existam também exemplos de mau uso de PPP no Brasil). PPP podem fazer com que as empresas estatais ofereçam serviços melhores à população, continuando estatais, mas operando a um custo menor e ampliando a ofertando serviços muito mais rapidamente. Assim, PPPs valem à pena, ainda que careçam, como qualquer outro instrumento complexo de gestão, ser devidamente analisadas e cuidadosamente implementadas. E, bem feitas, em nada ferem os interesses dos servidores públicos ou da população, beneficiando a própria empresa e os os consumidores dos serviços.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).