Não resta dúvida de que o debate a respeito da política penitenciária brasileira não deve ser pautado simplesmente pela necessidade de que sejam construídos mais presídios. Há outras estratégias para melhorar as condições carcerárias, como, por exemplo, tornar a execução penal mais eficiente e desenvolver programas de incentivo às penas alternativas.
Entretanto, há uma inegável demanda por investimentos em construção, ampliação e reformas nos presídios brasileiros. Segundo informações disponibilizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em meados de 2011, quando do lançamento do portal Estabelecimentos Prisionais, seria necessária a criação de milhares de vagas em presídios para abrigar os sentenciados em condições minimamente decentes.
Tais investimentos são realizados com o apoio do governo federal, mas, infelizmente, o repasse dos recursos aos Estados, muitas vezes, não ocorre de modo eficiente. Uma rápida pesquisa na página eletrônica do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que há diversos casos analisados pelo tribunal em 2011 que apontam equívocos na execução de convênios celebrados entre o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), vinculado ao Ministério da Justiça, e alguns Estados da federação (veja também relatório da Controladoria-Geral da União).
Tais convênios são utilizados pela União para transferir recursos federais do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) aos Estados, destinados à modernização e ao aprimoramento do Sistema Penitenciário Nacional. A pequena amostra de casos do TCU refere-se aos convênios cujo objeto envolve a construção, a ampliação ou a reforma de presídios e cadeias públicas.
Entre os equívocos apontados pelo TCU, podemos mencionar alguns a título de exemplo:
- projeto básico incompleto, ausência de composição de custos unitários, ausência de memória de cálculo da avaliação dos preços da planilha orçamentária, ausência do projeto de terraplenagem (construção da Penitenciária Estadual de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul);
- falhas no projeto básico, necessidade de reexame de especificações e custos do empreendimento, soluções técnicas incompatíveis com o projeto básico (construção da Penitenciária Estadual de Guaíba, no Rio Grande do Sul);
- superfaturamento, qualificação técnica desproporcional e irrelevante, reduzindo a competitividade da licitação (construção da segunda etapa da Penitenciária de Senador Guiomar, no Acre);
-dispensa de licitação em contrariedade aos termos da lei, celebração irregular de contratos emergenciais, sobrepreço em aditivo contratual (construção da Penitenciária de Porto Velho, em Rondônia);
- falhas na fiscalização de contrato de empreitada, construção executada com qualidade deficiente, falhas no projeto básico (construção da Cadeia Pública de Valparaíso, em Goiás);
- projeto básico incompleto, ausência de sondagens, levantamento topográfico e elaboração de projetos de terraplenagem, sobrepreço, inabilitação indevida de licitantes, aditivos contratuais em desacordo com as normas legais (construção de Cadeia Pública de Ceará Mirim, no Rio Grande do Norte);
- gestão ineficiente, análise equivocada de serviços vinculados à obra contratada, contrapartida do Estado insuficiente para assegurar a completa execução da obra (construção da Cadeia Pública Territorial em Estância, em Sergipe).
Este contexto demanda da União uma avaliação crítica sobre os instrumentos que vem sendo utilizados para canalizar os investimentos federais em presídios estaduais. Como alternativa ou complemento aos convênios que vem sendo hoje celebrados, seria interessante que a União desenvolvesse uma política de distribuição dos investimentos federais vinculada à celebração, pelos Estados, de contratos de parceria público-privada (PPP).
Os pontos positivos decorrentes da utilização das PPPs neste cenário seriam: contribuir com o melhor planejamento dos investimentos federais em presídios; demandar do mercado provedor o desenvolvimento de bons projetos; unificar os elementos de projeto básico (na medida do possível); vincular os investimentos federais à utilização de modelagens de PPP desenvolvidas pela União; reduzir os incentivos para que Estados pleiteiem recursos com visão de curto prazo; capacitar os Estados para analisar custos e investimentos globais dos presídios (operação, manutenção e serviços acessórios).
À União, caberia estabelecer o modo como os Estados poderiam pleitear os recursos vinculados às PPPs. A União, então, poderia ter um papel mais ativo no estabelecimento de modelos de contratos, de editais, de qualificação técnica, de qualificação econômico-financeira, de indicadores de desempenho, de curva de amortização e depreciação dos ativos em função do montante de investimento demandado, entre outros pontos.
Há experiências internacionais similares à proposta acima descrita, em especial, no Reino Unido e no Canadá, em que órgãos centrais estabelecem saudáveis competições entre governos locais em busca de recursos do governo central, disponibilizados desde que os governos locais celebrem contratos de PPP.
Sem dúvida que o estabelecimento desse programa de PPPs para presídios estaduais seria desafiador para a União. Entretanto, como órgão gestor do Fundo Penitenciário Nacional, cabe à União reforçar a postura de órgão central responsável pelo estabelecimento de melhores práticas em relação ao uso eficiente de recursos públicos.
Os convênios e os contratos de empreitada dele decorrentes poderiam resolver questões emergencias, mas a maior parte dos investimentos deveria ser canalizada para os Estados que aderissem ao programa federal de PPPs para presídios. Fica aqui um convite à inovação sobre o modo como recursos federais são transferidos aos Estados.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).