As PPPs de arenas que foram palcos de jogos da Copa do Mundo têm sido, recorrentemente, alvo de críticas por parte da imprensa e da sociedade. Muito se questiona sobre a racionalidade destes contratos. Por um lado, sobram conjecturas acerca dos supostos lucros exorbitantes que as concessionárias têm registrado em prejuízo dos governos. Por outro, também não faltam preocupações com as concessionárias que, supostamente, trabalharam no vermelho desde que os estádios foram inaugurados.
Das 12 arenas da Copa do Mundo, 9 são públicas e as outras 3 pertencem a Atlético-PR, Corinthians e Internacional. Dentre as públicas, 5 foram construídas/reformadas e estão sendo geridas em regime de PPP e 4 delas foram erguidas por meio das tradicionais formas de contratação do setor público. O Maracanã, apesar de a operação ser formalmente considerada uma PPP (mesmo sem a existência de contraprestações públicas), foi reformado em um regime de empreitada tradicional e somente a sua gestão por 35 anos é que foi objeto de concessão - que inclusive só se iniciou após o jogo inaugural.
Ao se comparar o intervalo entre a assinatura dos contratos e os respectivos jogos inaugurais, as PPPs consumiram, em média, 25% menos tempo em relação às obras públicas tradicionais (lembrando que hoje esta variável pode não ser tão relevante, mas no contexto do cronograma das obras para a realização da Copa do Mundo e das Confederações, certamente havia poucos temas mais importantes do que o atraso na entrega dos estádios). Mas e em relação aos pagamentos públicos? Afinal, quanto custará cada uma dessas PPPs para o contribuinte?
Para tentar responder a essa pergunta, é importante lembrar que as PPPs são contratos de longo prazo, que têm por premissa elevar a qualidade da gestão da infraestrutura pública, com aplicação de recursos públicos de maneira mais eficiente. Quando esta premissa não se traduz na realidade, é legítimo que sejam levantadas questões estruturais sobre o modelo e é exigível que os governos consigam se posicionar a respeito delas.
Portanto, o objetivo deste artigo é fazer uma breve análise comparativa dos pagamentos públicos nos contratos de PPP das arenas da Copa do Mundo, com foco em dois temas centrais para acordos desta natureza: a alocação do risco de demanda e a remuneração vinculada a desempenho.
Castelão: A PPP do Castelão foi avaliada em R$518.606.000,00 à época da sua assinatura (nov/11). Este valor considera a soma dos investimentos e das máximas contraprestações mensais a serem pagas pelo Governo do Ceará ao parceiro privado, no valor de R$407 mil (a preços da época da licitação).
Ocorre que, condicionado somente à disponibilidade da infraestrutura, o Governo do Ceará já havia pago praticamente 95% de todo o valor do contrato depois da entrega da obra. Desta forma, restou-se muito pouco para o pagamento público durante a fase operacional. Ademais, somente 38% deste pagamento na fase operacional seriam oferecidos às possíveis deduções dos indicadores de desempenho, fazendo com que menos de 2% de todos os pagamentos da PPP estivessem, de fato, vinculados ao desempenho operacional.
Assim, ao passo que o Governo do Ceará quitou rapidamente boa parte do contrato logo depois da disponibilização do estádio, os pagamentos públicos durante a fase operacional passaram a ter valores muito baixos, comprometendo uma estrutura de incentivos que poderia estimular uma melhor performance do operador privado, ao longo da vigência de 8 anos da PPP.
Esta estrutura facilitou, por exemplo, que houvesse uma troca no comando da concessionária após a entrega da obra, com a construtora alienando a sua participação para um operador de arenas. Se por um lado esta mudança deveria provocar o efeito positivo de se ter um parceiro privado com mais expertise no comando do empreendimento, por outro lado os incentivos próprios do modelo de PPP não puderam ser aplicados na sua plenitude, na medida em que o construtor deixou o negócio logo depois da obra - o que é típico das obras públicas tradicionais e não das PPPs.
Itaipava Arena Pernambuco: O valor da PPP da Itaipava Arena Pernambuco foi divulgado como R$379.263.314,00, à época da assinatura do contrato (jun/10). Este valor diz respeito ao Valor Presente Líquido (VPL) que considera as contraprestações mensais devidas pelo Governo de Pernambuco à concessionária (cujo valor máximo à época da assinatura do contrato era de R$332.850,00) e os R$388.981.146,00 pagos a título de ressarcimento dos investimentos na obra. Somando-se nominalmente o valor máximo de desembolso do Governo de Pernambuco, chega-se a um valor próximo de R$510 milhões, para os 33 anos da concessão.
Assim como no caso do Castelão, houve um pagamento significativo após a disponibilização da infraestrutura, comprometendo a oportunidade de se vincular uma parte maior das contraprestações ao desempenho operacional da concessionária.
A parcela da contraprestação mensal que é oferecida à dedução imposta por indicadores de desempenho é igual à taxa interna de retorno real do projeto, apresentada na proposta comercial da concessionária. Ou seja, de forma pouco usual, foi o próprio parceiro privado que determinou o quanto da sua remuneração estaria vinculada aos indicadores de desempenho.
Nesta PPP, também existe um tratamento peculiar ao risco de demanda - isto é, à busca de torcedores por ingressos ou de produtores por datas para realização de shows, etc. O Governo de Pernambuco previu que tanto Náutico, como Santa Cruz e Sport jogariam, ao todo, pelo menos 60 jogos por ano. Em não se materializando esta situação, o Governo de Pernambuco teria que arcar com a metade do prejuízo quando fosse registrada qualquer variação abaixo de 10% da receita projetada. Portanto, uma nova variável de pagamento público deverá ser incorporada ao contrato enquanto somente um dos clubes da capital pernambucana realizar jogos regularmente na arena, como acontece atualmente. Talvez para mitigar esta situação, desde 2013, o programa estadual que permite a troca de notas fiscais por ingresso passou a se aplicar exclusivamente a jogos na Itaipava Arena Pernambuco.
Arena das Dunas: A PPP da Arena das Dunas, quando da assinatura do contrato (abr/11), teve o seu valor estimado em R$400 milhões, sem muita explicação sobre a métrica deste cálculo. O contrato previa uma contraprestação mensal de R$9,125 milhões, a partir da disponibilização da infraestrutura, sendo que 85% deste valor seria fixo e existiria por 9 anos. A partir do 9º ano, 30% deste pagamento fixo se extinguiria e, a partir do 12º ano, deixaria de existir por completo. Paralelamente, durante todo esse período e por todo o restante da concessão, os 15% restantes da contraprestação estariam vinculados a desempenho.
A soma nominal dos máximos valores das contraprestações era, portanto, próxima de R$1,3 bilhão e, ao todo, 22% deste valor devem estar condicionados ao desempenho operacional do parceiro privado. Contudo, o contrato não previu, de partida, quais seriam os critérios para mensuração de desempenho e, curiosamente, deixou este tópico para ser resolvido durante a regulação, em comum acordo entre o Governo do Rio Grande do Norte e o parceiro privado.
Itaipava Arena Fonte Nova: O 2º termo aditivo da PPP da Itaipava Arena Fonte Nova (jul/11) determinou que o valor estimado do contrato, baseado na soma nominal de 180 contraprestações mensais de R$8.263.166,66, passaria a ser de R$1.487.370.000,00.
Ocorre que, da mesma forma como acontece na Itaipava Arena Pernambuco, o risco de demanda compartilhado entre o Governo da Bahia e parceiro privado deve provocar um considerável aumento nos pagamentos públicos ao longo da vigência do contrato. Na PPP baiana, foi previsto um caso-base que, à época da licitação (jan/10), correspondia a R$23.760.000,00 de resultado anual para o projeto. Qualquer oscilação que ultrapassasse 10% deste valor (para mais ou para menos), seria igualmente compartilhada entre o parceiro público e o privado.
Os resultados financeiros da arena, pelo menos nos primeiros anos de operação, indicam uma grande distância entre a realidade fática e o caso-base, tornando necessário o pagamento público adicional.
Uma particularidade deste contrato é que, em nome da viabilidade do negócio (e, possivelmente, para tentar diminuir a quantidade de pagamentos públicos), o Governo da Bahia se comprometeu a não permitir a realização de jogos de futebol no Estádio de Pituaçu, como mecanismo de compelir Vitória e Bahia a utilizarem a Itaipava Arena Fonte Nova.
Além disso, chama atenção o fato, também pouco comum, de que a definição da parcela da remuneração em que houvesse a incidência dos indicadores de desempenho ficasse a cargo da concessionária. O efeito dessa escolha foi permitir que apenas um valor próximo de 5% da contraprestação pública total pudesse ser afetado pela medição da performance operacional.
Mineirão: A PPP do Mineirão teve o valor do seu contrato estimado em R$677.353.021,85, calculado com base na soma do teto das contraprestações mensais pagas pelo Governo de Minas Gerais ao parceiro privado, trazidas ao valor presente, considerando a época da assinatura do contrato (dez/10).
As contraprestações são devidas de duas formas, todas elas somente após a entrega da obra, no formato mensal. As parcelas fixas, vigentes ao longo dos primeiros 10 anos de operação, somam nominalmente R$721.100.756,00, a preços expressos com base na época da publicação do edital (jun/10). A parcela variável, em que 60% do pagamento é vinculado aos indicadores de desempenho, foi aquela apresentada pelo licitante vencedor, no valor de R$3,7 milhões (ago/10). A soma nominal do teto dos pagamentos públicos seria, portanto, de algo em torno de R$1,83 bilhão, para um contrato de 27 anos, sendo 25 deles dedicados à gestão do estádio e 2 para a reforma. Ou seja, ao todo, aproximadamente 35% da remuneração são oferecidos às reduções aplicáveis pelos indicadores de desempenho.
Uma particularidade da PPP do Mineirão diz respeito ao tratamento dado do risco de demanda. Ao contrário das arenas da Bahia e de Pernambuco, o risco foi totalmente transferido à concessionária. Muito se questiona sobre o interesse da concessionária em atrair receitas para o negócio, vez que os assentos que lhe cabem nos jogos costumam ficar vazios, mesmo em jogos de grande público. Talvez por isso, é comum escutar críticas de que a concessionária teria “lucro garantido” do Governo de Minas Gerais e, portanto, não estaria preocupada em comercializar seus ativos.
Entretanto, é importante anotar que, a partir de 2016, a concessionária poderá ser penalizada com a perda de até 60% dos R$3,7 milhões mensais se a soma das despesas operacionais dos últimos 24 meses anteriores à medição superarem 55% da receita operacional auferida no mesmo período. Ou seja, se a concessionária acumular prejuízos, será punida nos indicadores de desempenho, fazendo com o que estádio possa custar para o Governo de Minas Gerais um valor até inferior ao custo da obra, no final da concessão.
Podemos observar que cada governo escolheu uma metodologia para decidir o valor do contrato da sua PPP, tal como publicado nos respectivos extratos. Portanto, pela falta de homogeneidade, a comparação dos valores entre as arenas não é trivial e exige um estudo mais aprofundado.
Ademais, a leitura dos contratos das arenas não nos permite dizer exatamente qual será o valor final das PPPs para os governos (na realidade, em quase nenhum contrato de PPP isso é possível). Sobretudo nos casos em que o risco de demanda foi compartilhado, a busca por esta informação se torna ainda mais complexa. Além disso, é impossível prever como será a performance dos operadores privados, o que inviabiliza o cálculo das futuras e eventuais deduções nos pagamentos, ao longo da vigência de cada contrato.
A análise comparada revela, entretanto, a importância de os pagamentos públicos estarem o máximo possível condicionados ao desempenho operacional das concessionárias, inclusive em relação à capacidade de os parceiros privados gerarem receitas para o negócio. Este é, possivelmente, o ponto mais determinante para o sucesso destes contratos.
Com base neste breve estudo, concluímos que é preciso discutir e acompanhar os pagamentos públicos nos contratos de PPP das arenas com, no mínimo, a mesma energia e paixão que aplicamos quando discutimos os contratos entre os clubes de futebol e os operadores privados. Se não nos preocuparmos em elevar o debate técnico sobre estes contratos, assumiremos o risco de que o desconhecimento e as interpretações rasas e desastradas acabem por minar a legitimidade dos contratos de PPP como modelos que contribuem com o gasto público de qualidade.
A pouca habilidade de os governos em se comunicar a respeito destes contratos e a própria predisposição da opinião pública a abastardar gastos relacionados à Copa do Mundo podem fazer destes contratos verdadeiras bandeiras contrárias a programas de PPP, ainda que aqueles que as hasteiam careçam de argumentos qualificados para sustentá-las.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).