As PPPs foram regulamentadas em 2004 e sua missão inicial estava próxima à condição heróica de panacéia para todos os males e dificuldades de investimento do setor público. O tempo passou, alguns projetos de grande magnitude foram desenvolvidos no âmbito de estados e municípios, mas logo ficou claro que o instrumento não se prestaria à condição a que foi inicialmente alçado.
Muito já foi dito a respeito da pouca transversalidade dos projetos de PPP no país, mas não estaria distante em afirmar que o instrumento ainda não foi amplamente utilizado, em função de um conjunto de motivos, que poderiam ser sumarizados em: i) complexidade de estruturação, já que são projetos que saem da lógica cotidiana de contratos administrativos e do rol de competências que os administradores públicos costumam ter e desempenhar; ii) ainda um amplo desconhecimento teórico e prático sobre o instrumento e sobre como implementá-lo; iii) mantos ideológicos, que intencionalmente criam confusões e oposição, e que bloqueiam ações nesta área e iv) rigidez fiscal, disciplinada pelas normas que regem as PPPs no Brasil, e que impedem que entes subnacionais de menor porte tenham condições de implementar contratos de PPP e que estados e municípios de médio e maior porte tenham que arbitrar o tamanho de seus projetos em função dos limites fiscais impostos.
Apesar da pouca atividade ao longo dos últimos anos, aos poucos os governos foram percebendo que, senão uma ferramenta universal, as PPPs podem sim resolver parte importante da lacuna de investimentos públicos. Não é à toa que o movimento, que começou tímido, hoje já conta com algumas dezenas de contratos assinados e outros muitos em pleno desenvolvimento. O movimento de consolidação de PPPs no Brasil, que é função de um mercado privado líquido e pujante, mas também de uma indústria de desenvolvimento de bons projetos, claramente se beneficiou com a participação de órgãos multilaterais, bancos de desenvolvimento, empresas de projeto e com o deslanchar do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), que transfere parte dos riscos de execução de projetos para o empreendedor. Não só isso, vale dizer também que a PPP tem sido, em grande parte, a solução encontrada por Estados e seus governantes para resolver os investimentos prioritários da Copa do Mundo e Olimpíadas. Atualmente, o Brasil já possui um histórico considerável de projetos de PPP no setor rodoviário, de saneamento, metro-ferroviário, portuário, de irrigação, de infraestrutura esportiva e outros costumeiramente categorizados como de infraestrutura econômica.
Mais recentemente, alguns entes subnacionais desenvolveram projetos em áreas que fogem à lógica do core infrastructure, apostando em Projetos de PPP em áreas sociais. As primeiras experiências no país, apoiadas na ampla experiência inglesa, nasceram na área de PPP em presídios (em Minas Gerais), transferindo não somente a responsabilidade pela construção, mas também a gestão dos serviços de apoio que não as funções indelegáveis de Estado. O Estado da Bahia foi pioneiro em PPP em Saúde do país, com a licitação do Hospital do Subúrbio, que é o primeiro hospital público de emergência de “porta-aberta” em Salvador em 20 anos, em que o parceiro privado realizou investimentos em equipamentos clínicos e não clínicos e executa a gestão integral da unidade (serviços clínicos e não clínicos). Outras experiências inovadoras em participação privada em Saúde Pública têm sido desenvolvidas pelos Municípios de Belo Horizonte, São Paulo, e Rio de Janeiro. Vislumbra-se também o avanço de projetos de PPP na área de Educação, como é o caso da PPP de Escolas desenvolvida pelo Município de Belo Horizonte, em que se transferiu a construção e os serviços não-pedagógicos a um parceiro privado; de forma semelhante, o Município de São Paulo lançou recentemente uma PMI para o desenvolvimento de uma PPP na área de Educação e tecnologia pedagógica para toda a sua rede.
Se, por um lado, as PPPs têm ganhado espaço no campo da core infrastructure, o que se deve esperar deste movimento de participação privada em infraestrutura social, agora que o instrumento parece finalmente estar em ampla replicação no país? Apesar de uma correlação simplória, a resposta é mais facilmente explicada a partir da resposta à seguinte indagação: o que se esperar de um país que tem um baixo investimento público, como proporção do PIB, em Saúde e Educação? O investimento público em Educação é da ordem de 5% do PIB (dados do Inep, em 2010), ao passo em que o padrão dos países da OCDE é de 7% do PIB (dados do IPEA, 2012), fato que deixa o país defasado em 20 anos vis-à-vis o padrão de investimento público internacional. Em artigo recente no Estado de São Paulo, o economista André Medici cita dados da Organização Mundial de Saúde de 2008, que mostram que o Brasil é o 10º país em termos de gastos per capita com Saúde em geral dentre os países da América Latina e Caribe, sendo um dos países latino-americanos que menos investe em saúde pública (ao lado do Chile, e à frente de Perú, Equador, El Salvador, Guiana e Honduras).
A resposta à indagação é simples. Do ponto de vista de desenvolvimento e das lacunas deixadas ao longo do tempo, vis-à-vis o padrão internacional, faz todo o sentido acelerar a utilização do instrumento de participação privada nestes setores, ainda mais reconhecendo que grande parte dos problemas está calcada na falta de bons projetos e na impossibilidade de execução orçamentária à velocidade necessária para entregar os investimentos sem pressão de demanda. Do ponto de vista dos outros riscos associados à operação destes equipamentos “sociais” pelo empreendedor privado, há que se mencionar que são riscos crescentemente percebidos como administráveis, especialmente em um mercado cada vez mais maduro e experimentado como o brasileiro. São riscos que se reconhecidos e bem alocados, podem ser administrados pelas partes – seja em contratos mais ambiciosos, em que se decide pela transferência de serviços clínicos, por exemplo, transferindo parcela do risco de sobre-demanda ao ente subnacional e isentando o parceiro privado, quando necessário, dos riscos de uma catástrofe epidemiológica ou até mesmo em contratos mais conservadores, por assim dizer, em que se transfere tão somente a gestão de serviços de apoio, sem a responsabilização pela gestão e operação de serviços finalísticos (como os serviços clínicos ou pedagógicos). Do ponto de vista de viabilidade econômico-financeira, e sabendo que as fontes de recursos são finitas e que os projetos competem por recursos financeiros, técnicos e gerenciais, vale assinalar que as novas condições macroeconômicas do país, cristalizadas pela redução das taxas de juros e do custo de oportunidade do capital, também colocam o investimento em infraestrutura social em um novo patamar de atração.
Vale saber agora se os projetos desta área resistirão ao manto ideológico contrário que ainda persiste em perambular sobre questões eminentemente técnicas de eficiência, orçamento e viabilização econômico-jurídica. A depender de alguns governantes e de empresas que apostam neste mercado, estas experiências bem exitosas continuarão a florescer e a colocar o país na vanguarda dos investimentos públicos de qualidade.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).