Artigo: Privatizar ou não privatizar, eis a (falsa) questão

O governo federal divulgou recentemente* as primeiras informações oficiais sobre o “Programa de Investimentos em Logística”, com foco nas rodovias e ferrovias federais. Segundo o aguardado anúncio, o investimento total nestes setores será de R$ 133 bilhões de reais nos próximos 25 anos, sendo que o plano prevê que aproximadamente R$ 80 bilhões serão aplicados já nos próximos 5 anos. No momento em que escrevo, a expectativa é que o governo federal divulgue em breve mais investimentos em infraestrutura pública, agora nos setores de portos e aeroportos.

Segundo informado pelo governo, as empresas vencedoras das futuras licitações serão responsáveis por realizar e financiar os investimentos previstos e, no longo prazo, obterão o retorno sobre o investimento realizado (quer seja em função das tarifas cobradas dos usuários, quer seja em função de contraprestações pagas pelo governo federal).

As notícias são animadoras para as empresas que pretendem disputar as futuras licitações públicas e para aquelas que dependem de serviços públicos eficientes para que seus produtos e serviços sejam competitivos no mercado interno e externo. A iniciativa privada, portanto, aplaudiu os anúncios de modo bastante festivo, salvo poucas exceções, não necessariamente negativas, mas sim comedidas. O viés positivo repercutiu em diversas matérias e opiniões publicadas na imprensa escrita brasileira.

Entretanto, será que o cidadão e a sociedade civil organizada estão conscientes das implicações decorrentes das medidas anunciadas pelo governo federal? Como avaliar se estamos diante de uma boa decisão? Será que expressões como “parcerias público-privadas” (PPP), contrato de concessão, “reestruturar o modelo de investimento e exploração das ferrovias”, privatização e direito de passagem demandam a atenção da sociedade civil organizada?

O Brasil contou com a participação da iniciativa privada no provimento de serviços públicos na segunda metade do século XIX. As ferrovias e os serviços públicos urbanos, como iluminação pública, abastecimento de água e transporte de passageiros, contaram com a participação de empresas brasileiras e estrangeiras até as primeiras décadas do século XX. Entre 1930 e 1980, e peço perdão de antemão aos especialistas pelos recortes autoritários que faço na história, prevaleceu no Brasil o modelo de Estado que provê serviços públicos e interfere diretamente na economia. Petrobrás, Eletrobrás, Telebrás, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, entre outras, existiram, tiveram seu momento e algumas até mesmo sobreviveram. Entretanto, desde meados da década de 1990, a participação da iniciativa privada no provimento de infraestruturas e serviços públicos foi retomada no Brasil (por intermédio dos contratos de concessão, desenho de mercados setoriais, agências reguladoras, contratos de parceria público-privada, etc.).

O recente programa sinaliza que o governo federal pretende reduzir os investimentos diretos que vinham sendo realizados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e pela VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., entidades vinculadas ao governo federal, que, com recursos públicos, estavam a financiar relevante parcela dos investimentos em rodovias e ferrovias operadas pela União.

Trata-se de uma boa política? Pode ser que sim, pode ser que não. O certo é que há um longo caminho para que o governo federal construa sua tomada de decisão. Há diversos instrumentos ao dispor do Estado para investir em infraestrutura pública e o governo federal escolheu o seu: o contrato de longo prazo com a iniciativa privada. A depender dos contornos dos contratos e do modo como serão regulados, as concessões e as PPPs podem ser instrumentos mais eficientes quando comparados aos investimentos realizados pelo DNIT ou pela VALEC. Hoje, não há garantias de que serão, assim como não há garantias de que não serão.

O país precisa de maturidade e alteridade quando está em pauta o modo como os recursos públicos e os recursos dos usuários dos serviços públicos são utilizados para o desenvolvimento da infraestrutura nacional. Para isso, não há estratégia boa ou ruim a priori. A única certeza parece ser a seguinte: falta à sociedade civil ser mais atuante ao demandar premissas e coerência do poder público sobre priorização de investimentos e gestão dos resultados. O momento é propício para a formulação de perguntas. Alguém tem alguma dúvida?

 

 

*Artigo escrito em 22 de agosto e publicado originalmente na Revista Brasileiros, edição 62, de setembro de 2012.

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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