Artigo: A prorrogação de contratos e a cultura do curto prazo

A prorrogação de contratos de concessão está na pauta de mais um setor no âmbito da União. Depois da prorrogação dos contratos surgir como “solução” para as concessões cujos prazos de vigência vencem nos próximos anos no setor elétrico e portuário, agora chegou a vez de o Governo Federal suscitar a prorrogação como solução para alguns contratos de concessão de rodovias.

Em declarações recentes à imprensa, o Ministro dos Transportes, Paulo Passos, afirmou que, em função do aumento de demanda em rodovias licitadas na década de 1990, tornaram-se necessários novos investimentos para a manutenção da qualidade dos serviços prestados aos usuários em seis rodovias federais, que alcançam uma extensão de 1.482,4 km.

Disse ainda o Ministro: “Nós temos só dois caminhos: ou prorrogamos o contrato pelo tempo necessário para dar cobertura a esse investimento, ou vamos fazer como obra pública. (...) Temos obras de centenas de milhões de reais que precisam ser equacionadas. Vamos examinar prós e contras".

Manifestação similar, segundo divulgado pelo Ministério dos Transportes, foi emitida em recente audiência pública na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, em que a prorrogação dos contratos foi exposta como estratégia para evitar que os novos investimentos demandassem tarifas maiores (que seria a consequência, se os novos investimentos fossem amortizados nos atuais prazos de vigência dos contratos).

Aparentemente, o Ministro esqueceu-se de considerar outras possibilidades que, a despeito de não terem sido previstas nos contratos de concessão da 1ª Etapa, poderiam ser utilizadas desde que houvesse a concordância das concessionárias. São elas: (i) pagamento, pela União, de valor correspondente aos investimentos, custos ou despesas adicionais; e (ii) estabelecimento ou remoção de cabines de bloqueio, bem como alteração da localização de praças de pedágio.

A situação não é simples. Há diversos conflitos de escolha envolvendo a decisão de prorrogar contratos de concessão e o caso ilustra bem tais conflitos. Um deles envolve o desafio de realizar testes de mercado efetivos para o estabelecimento do retorno adequado às concessionárias que tiverem seus contratos de concessão eventualmente prorrogados em função dos novos investimentos. A realização da licitação, por outro lado, poderia incentivar o mercado provedor a competir e revelar ao poder público o prêmio adequado reclamado pelos licitantes em troca da realização dos novos investimentos necessários às rodovias federais indicadas acima.

Seria ótimo se Ministério dos Transportes fosse transparente a respeito dos conflitos de escolha que vislumbra entre licitar ou prorrogar os referidos contratos (além das outras soluções possíveis). Entretanto, a falta de planejamento deve impedir mais uma vez que a sociedade civil e os cidadãos entrem em contato com as premissas de importantes decisões que vem sendo tomadas pelo Governo Federal (como é o caso da prorrogação ou licitação dos contratos de concessão de energia elétrica).

O poder público brasileiro emprega pouca energia no planejamento e, como o mundo não espera sentado, as situações tornam-se urgentes em função da incapacidade do poder público tratar com antecedência algumas das necessidades previsíveis. Logo, esta omissão gera um ambiente favorável às decisões atropeladas e cujas premissas não são postas publicamente com a devida antecipação.

Um exemplo desta prática nacional foi detectado pelo Tribunal de Contas da União (TC 020.880/2011-1 – Plenário TCU) no processo que analisou a contratação, por dispensa de licitação, em caráter emergencial, da empresa Delta Construções S/A, para execução integral das obras e dos serviços de reforma e adequação do antigo terminal de cargas da empresa aérea VASP, no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, transformando-o em terminal remoto (fase 1).

Logicamente que as situações não são idênticas, mas há um ponto de contato entre a omissão geradora de situações de urgência para a contratação por dispensa de licitação e a apresentação da prorrogação de contratos como uma de duas soluções a serem consideradas.

O ponto de contato envolve a condição de que o poder público brasileiro é dependente de uma atitude que valoriza a gestão de curto prazo. As pautas, inclusive as mais previsíveis, tornam-se urgentes e, então, demandam uma solução rápida. Como consequência, alguns equívocos ocorrem e soluções alternativas não são levadas em consideração, mas, em função das urgências, até mesmo os órgãos de controle eventualmente recolhem-se.

O caso recente da licitação da concessão dos aeroportos de Garulhos, Viracopos e Brasília é um exemplo dessa hipótese. A percepção que fica é que o TCU não foi mais enfático na sua análise crítica do edital e da modelagem da licitação porque não quis assumir o risco de ser o “culpado” pelo atraso nas obras da Copa do Mundo de 2014.

Outra questão relevante é a seguinte: por que o modus operandi do poder público brasileiro apoia-se tanto na gestão de curto prazo? Uma hipótese razoável é que, na urgência, os atores interessados (públicos e privados) têm mais incentivos para gerar consensos e compromissos mútuos, pois, do contrário, todos perdem em alguma medida.

Por outro lado, se o poder público estabelecesse antecipadamente as premissas que vislumbra para resolver questões que ainda não são urgentes, os atores interessados (públicos e privados) teriam tempo para demandar publicamente coerência e motivação necessárias à decisão do poder público. Além disso, a motivação do setor público deve ser necessariamente mais sofisticada quando os posicionamentos contra e a favor de certa medida tornaram-se públicos.

Infelizmente, ainda não há muitos incentivos, quer sejam dos órgãos de controle, quer sejam da iniciativa privada, para que o poder público seja mais claro sobre decisões importantes envolvendo a infraestrutura do país. Eventualmente, no debate sobre a onda de prorrogações que vem sendo suscitada no Governo Federal, esse quadro possa ser alterado.   

 

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, em 14 de junho de 2012

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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