É natural que em momentos como os atuais, pautados pelo pessimismo e pela ausência de perspectivas claras sobre o futuro do Brasil, sobressaiam interpretações negativas sobre o passado recente.
No momento em que o país, em função de fatos narrados em inquéritos, ações judiciais e sentenças, depara-se com exemplos de radicalização da corrupção em uma amostra relevante de contratos públicos tradicionais e descortinam-se os atalhos que caracterizaram as trajetórias empresariais de grandes grupos nacionais, forjadas em ambiente de incentivo à ilegalidade em comunhão com alguns governos, os setores da infraestrutura e serviços públicos, onde tais práticas se instalaram, prostram-se em situação de imobilismo, quer seja no setor público, quer seja na iniciativa privada.
O que há de mais terrível na presente situação do ambiente de negócios público-privado nos vários mercados de infraestrutura e serviços públicos é o efeito “terra arrasada”, não apenas em função dos casos de corrupção, mas também por conta da percepção de enfrentamos um desarranjo global (contas públicas, legitimidade política, financiamento de projetos, inflação, juros, etc.).
Mesmo que os contratos de parceria público-privada (PPP) não tenham sido o foco das recentes investigações sobre corrupção de repercussão nacional e internacional, não é possível negar que parte relevante das empresas investigadas no âmbito do Caso Lava Jato atuaram fortemente no mercado brasileiro de PPPs nos últimos anos.
Ou seja, as PPPs estiveram imersas em um quadro cultural, político e empresarial caracterizado pela pouca transparência, arremedos de soluções, atalhos, visão de curto prazo, pouco sério e sem apreço pela técnica, fatores determinantes do contexto de onde emergiram as 93 PPPs já assinadas.
Algumas empresas, parte delas da indústria da construção, “tomaram as PPPs de assalto”, retirando de um modelo de contratação inovador, focado no longo prazo e no resultado, o seu potencial de transformação da qualidade do gasto e planejamento públicos. Os danos reputacionais gerados ao modelo das PPPs transcendem os projetos individualmente considerados, pois produzem a percepção de que o próprio modelo é ruim, do ponto de vista conceitual e prático.
O ambiente de ilegalidade público-privada que preponderou nos últimos anos pode ser sintetizado nas imagens do desastre ambiental de Mariana (MG). Predomina um mal-estar geral diante da tragédia e não existe no horizonte sinais de que, a partir de agora, haverá uma experiência mais virtuosa.
Como será possível ter uma experiência mais exitosa, no caso das PPPs, sem encarar erros cometidos em licitações e contratos recentes?
Dos 93 contratos de PPP já assinados, 23 enfrentam problemas sérios, de naturezas diversas: investimentos planejados, que ainda não foram iniciados; atrasos em obras; processos administrativos sobre possíveis intervenções e caducidades; governos despreparados para gerir os contratos; e performance inadequada da concessionária.
Os contratos que poderiam ser classificados como problemáticos são: Aterro Sanitário de Governador Valadares; Centro Administrativo do Distrito Federal; Centro de Gestão Integrada do Distrito Federal; Arena do Mineirão; Complexos Hospitalares do Estado de São Paulo; Rodovia do Paraná; Esgotamento Sanitário de Macaé; Arena Dunas; Maracanã; Hospital Metropolitano de Belo Horizonte; Hospital Regional Metropolitano do Ceará; Instituto Couto Maia (Bahia); Linha 18 do Metrô (São Paulo); Linha 6 do Metrô (São Paulo); Polo Cinematográfico e Cultural de Paulínia (SP); Ponte Estaiada sobre o Rio Cocó (Ceará); Rodovia MG-050; Esgotamento Sanitário de Rio das Ostras (RJ); Resíduos Sólidos de São Bernardo do Campo (SP); Resíduos Sólidos da Região Metropolitana de Belo Horizonte; UBS de Manaus; Serviço de atendimento ao cidadão (Ceará); e VLT de Goiás.
Cabe lembrar que 4 PPPs já foram extintas antes do encerramento dos respectivos prazos de vigência: Arena Pernambuco, Resíduos Sólidos de Belém, Iluminação pública de Urânia (SP) e Centro de Ressocialização de Pernambuco.
Este contexto está posto na antessala de um período em que as PPPs poderiam ser bastante necessárias e úteis. O tema está na agenda de dezenas de Prefeitos eleitos, a crise fiscal não será minimizada no curto prazo e há urgência por inovações em gestão pública.
É preciso indicar que há uma responsabilidade coletiva, raramente explicitada. Os estudos de viabilidade, as licitações e a gestão dos contratos não “brotam do nada”, sem intermediações de profissionais que trabalham cotidianamente com o tema. Pelo contrário: há dezenas de gestores públicos, executivos e consultores que se dedicam, ou deveriam se dedicar, para construir modelos de maior qualidade. Entretanto, aparentemente houve uma falha coletiva, geradora de diversos contratos de PPP problemáticos.
A questão é: qual é a responsabilidade individual de todos que trabalham com o tema diante do desafio de construir um mercado melhor? Teremos melhores PPPs nos próximos anos ou trata-se de um modelo fadado a contentar-se com as margens do processo decisório público e privado?
Recentemente foi publicado no portal PPP Brasil um artigo de Philippe Enaud, Presidente-fundador da Vivante, acionista de algumas PPPs. Por que não há mais profissionais com posturas similares, que compartilhem suas visões sobre erros e acertos do modelo?
É fundamental que gestores públicos, consultores e executivos se posicionem diante dos erros cometidos na concepção e gestão dos mais de 90 contratos de PPP já celebrados. O PPP Brasil está aberto para repercutir tais considerações.
Há um mal-estar silencioso sobre os resultados obtidos com as PPPs até o momento. Apatia e senso de irresponsabilidade não produzirão melhores resultados.
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).