Artigo: VALEC posta à prova

Rosane M. Lohbauer

Rodrigo Sarmento Barata

A declarada importância dada pelo governo federal ao investimento em infraestrutura e a ênfase ao setor de logística dificilmente encontram opositores, muito embora os métodos utilizados ainda gerem controvérsias. O racional é simples: investindo em infraestrutura, o Brasil acrescenta competitividade à indústria nacional, reduz os custos, pode elevar as margens das commodities e ainda deverá aumentar as poupanças internas públicas e privadas. E o melhor: tudo isso já no médio prazo.

Por óbvio, algumas condições deverão ser observadas, como o controle sobre o aumento do gasto público e, especialmente, a boa estruturação de projetos e ambiente para os investimentos. Os ganhos de produtividade e as demais benesses da infraestrutura dependem da qualidade dos serviços e das próprias instalações disponibilizadas à população.

Nesse contexto, o controverso e às vezes esquecido setor ferroviário retomou certa atenção. Além dos investimentos federais diretos na construção de novos trechos de ferrovias, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), doze novas concessões foram anunciadas em 2012. Junto com elas, também veio a alteração do modelo exploratório, migrando-se da chamada integração vertical para o open access. Naquela, o concessionário do trecho ferroviário não só administra sua malha e mantém a qualidade dos trilhos, como detém monopólio na exploração do transporte. Com isso, problemas como a priorização de certos grupos econômicos (por vezes detentores de parcela da concessionária ferroviária), a elevação das taxas de retorno, também potencializada pela falta de competição nos serviços acessórios (carga e descarga, armazenagem, etc.), e a dificuldade na fiscalização, causada pela assimetria de informações sobre a malha, são acentuados.

Soma-se a tudo isso uma decorrência do modelo de desestatização escolhido pelo governo em 1997. Fazendo-se um leilão julgado pela maior outorga sobre cada trecho concedido, o governo tirou qualquer incentivo ao concessionário no investimento em qualidade, uma vez que o caráter de monopólio natural do setor ferroviário inibe a concorrência intermodal.

A opção do governo federal, portanto, se espelhando em modelos de sucesso internacionais, foi segregar as atividades do setor, distinguindo o prestador de serviços de operação e manutenção da malha, isto é, da infraestrutura ferroviária, do prestador de serviços de transporte. Com isso, busca-se acirrar a competição entre transportadores, criar um mercado de serviços acessórios, ao mesmo tempo que cria incentivos ao investimento na qualidade dos trilhos.

Publicadas as primeiras minutas do novo modelo de desestatização do setor ferroviário – mesmo que ainda em fase de consulta pública – algumas ideias já podem ser levantadas.

O modelo de leilão desenhado pelo governo federal nos diz algo. Levando em conta o alto investimento necessário à construção de ferrovias, as incertezas das novidades implantadas e a preocupação dos empresários na inexistência de recursos suficientes para financiar todos os projetos anunciados pelo governo, tomou-se duas medidas: de um lado, o governo federal compartilhou o risco de demanda do negócio com o futuro concessionário, isto é, dividiu a receita da concessão parte em pagamento pela simples disponibilidade dos trilhos (o que será pago pela VALEC), parte no pagamento pela efetiva utilização dos trilhos (pago pelos usuários, transportadores ferroviários). Em tese, o risco do negócio diminui.

Em paralelo, o modelo também nos mostra que a VALEC poderá adiantar parcela dos pagamentos devidos pela disponibilidade da infraestrutura, ou seja, pagar adiantado pela futura disponibilização, de modo a aliviar a alavancagem do concessionário. Cenário semelhante pode ser vislumbrado com o recém-criado mecanismo de aporte de recursos nas Parcerias Público-Privadas (PPPs). Mas deixemos claro, o modelo ferroviário não é uma PPP em sentido estrito.

Agora, a VALEC começa a aparecer. Considerando que terá de fazer pagamentos adiantados, ainda sem receita decorrente da comercialização de slots nos trilhos, as primeiras perguntas são: de onde virão e o que estarão estes recursos públicos comprometendo?

Além disso, sabendo que parcela das receitas dos futuros concessionários decorrerão de contratos de subcessão de uso firmados pela VALEC com a iniciativa privada (provavelmente em novos leilões), teria a VALEC competência e a estrutura necessária para arrecadar boas outorgas, criar um mercado competitivo e, mais, estruturar leilões justos e eficientes, evitando-se conluio ou barreiras à entrada?

Outro desafio de grande complexidade será a estruturação de um método gerencial e operacional eficiente na estatal, pois além de estruturar o setor, a VALEC deverá operar com qualidade na coordenação e fiscalização dos slots. Sem contar outro fator crítico da concessão: parte da garantia concedida pela VALEC depende do próprio sucesso do modelo. Se não confiarem na existência da demanda para financiar estes pagamentos e na eficiência e transparência da VALEC, os investidores não comprarão o modelo.

Por fim, sabendo dos recentes questionamentos sofridos pela Companhia, como será visto este novo modelo pelos investidores, principalmente os estrangeiros, em face à crescente demanda internacional pela eliminação de qualquer forma de corrupção ou favorecimento estatal?

São muitos os questionamentos, mas uma coisa é certa: a iniciativa – positiva – da concessão foi tomada, contra isso não podemos nos opor.

 

(Este artigo reflete as opiniões dos autores, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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