Artigo: Zoológico do Rio de Janeiro - exemplo didático de como as instituições contribuem para aumentar o “custo de transação”

Antes de mais nada, cumpre-me apontar que, em que pese o título explicitado, não é pretensão deste artigo discutir se Zoológicos devem ou não existir ou, ainda, se novos Zoológicos deveriam ou não ser criados. Esse debate é importante e não pode ser abandonado. Contudo, certamente, não sou a pessoa adequada para condução dessa reflexão. Em todo caso, aos interessados, sugiro a leitura dos seguintes artigos, elaborado na defesa da existência de tais ativos no mundo: https://goo.gl/xHBFwh e https://goo.gl/JGJGnX.

O propósito desse texto, portanto, é de abordar algumas reflexões feitas por mim no contexto do meu envolvimento no projeto de Concessão do Zoológico do Rio de Janeiro e que considero relevantes para profissionais militantes no ramo das Parcerias Público-Privadas (PPPs) e Concessões no Brasil.

Importante dizer, por honestidade intelectual, que atendi a empresa vencedora da licitação e estou apoiando a empresa na regulação do contrato.

Pretendo compartilhar duas grandes reflexões, sempre e especificamente à luz do contexto do projeto do Zoológico do Rio de Janeiro. A primeira, para iniciar o texto, tratará da utilização das PPPs como ferramenta para melhoria dos serviços públicos, fundamental para a finalidade da melhoria do gasto público; a segunda, para encerrar o texto, tratará do ambiente institucional adverso para investimentos que, em minha visão, vigora no Brasil.

De maneira mais objetiva e específica, vou dedicar parte relevante do texto para compartilhar dados importantes sobre os Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs) e sua utilização no Brasil. O PMI, seja em função de ser o foco da controvérsia relacionada ao projeto em questão, seja pela sua efetiva – e, por vezes, contestada – contribuição para a implantação de projetos de infraestrutura e serviços públicos no país, merece ser debatido a fundo.

Feita essa introdução, partimos, finalmente, aos pontos sugeridos.

De maneira geral, diversos poderes públicos municipais brasileiros são, atualmente, responsáveis pela administração de Zoológicos. De acordo com os dados da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil[i], 58 (cinquenta e oito) Zoológicos no país são administrados por Prefeituras Municipais, o equivalente a 54,21% dos existentes:

Veja o gráfico aqui. (https://goo.gl/b2uTDx)

Daqueles administrados pelas Prefeituras, 81,03% não cobram entrada, o que, por óbvio, nos leva a concluir que esses Zoológicos são mantidos pelos orçamentos públicos municipais. Vou me valer, nesse contexto, da minha narrativa dos fatos acerca do contexto do Zoológico do Rio de Janeiro, um dos maiores e mais visitados do país (e que, diferente da maioria, cobra entrada), para que os demais leitores tirem suas conclusões sobre o que parece ser a administração de equipamentos dessa natureza no Brasil.

Pedindo licença para ser bastante franco e objetivo na definição, minha avaliação é de que o Zoológico do Rio de Janeiro, hoje, é uma vergonha. Há poucos meses foram incontáveis as denúncias de maus tratos e abandono apresentadas sobre o local, que foi até embargado pelo IBAMA. O equipamento, tal como hoje está, é motivo de tristeza e constrangimento para a população fluminense e para quem tem apreço pelas vidas não humanas que lá habitam.

A Prefeitura do Rio de Janeiro, diante das denúncias recebidas e pressionada a encontrar uma solução, publicou, em maio/2015, o Edital de PMI para elaboração dos estudos de viabilidade do projeto.

Para que fique claro ao leitor, mesmo que não seja participante do mercado de PPPs e Concessões: o PMI é uma chamada ao mercado privado para que eventuais interessados, sem qualquer repasse financeiro, desenvolvam os estudos de viabilidade de um determinado projeto definido como prioritário pelo ente concedente. Os estudos são, portanto, desenvolvidos por conta e risco do mercado, cabendo ao poder público avaliá-los, adequá-los e modificá-los conforme seus interesses para, ao fim e se a vontade pública ainda persistir, publicar as respectivas licitações dos projetos.

O escopo dos estudos entregues pela iniciativa privada no âmbito dos PMIs contempla, em sua maioria, a elaboração de estudos técnicos, projetos básicos, estudos econômico-financeiros e, mais do que isso, a sugestão das minutas de Edital, Contrato e demais anexos que os compõem. A iniciativa privada, no âmbito dos PMIs, sugere ao Poder Público muito mais do que somente os projetos de engenharia: são propostos, inclusive, os critérios técnicos e jurídicos, por exemplo, existentes nas cláusulas de habilitação dos respectivos editais de licitação. E, reforça-se, não há qualquer ilicitude nessa prática.

Isso porque o art. 31 da Lei Federal n.º 9.074/95[ii] – recepcionado  expressamente pelo art. 3 da Lei Federal n.º 11.079/04 –, determina, de maneira clara e inequívoca, que os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços. Mais à frente, faremos uma discussão mais qualificada sobre esse tema.

Não obstante, é importante ainda explicitar que alguns Poderes Públicos brasileiros decidiram, no âmbito das suas normas que regem o PMI (leis subnacionais, decretos, portarias, etc.) e/ou no âmbito dos respectivos Editais de PMI, proibir expressamente que o elaborador dos estudos de viabilidade dos projetos participasse, direta ou indiretamente, do certame decorrente dos estudos produzidos.

No contexto desse PMI, 3 (três) empresas apresentaram o pedido de cadastramento para o referido PMI. Como é comum em todos os PMIs conduzidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro, apenas 1 (um) grupo ou empresa é selecionado para realização dos estudos, após uma detalhada e transparente avaliação técnica dos pedidos de cadastramento elaborados. Aos interessados, a ata de avaliação das propostas foi publicada no Diário Oficial do Rio de Janeiro, e está disponível aqui: https://goo.gl/PA8STj. A empresa Cataratas do Iguaçu S/A, responsável pela administração do Parque Nacional do Iguaçu (PR), das Paineiras – Corcovado (RJ), da Ilha de Fernando de Noronha (PE), do AquaRio (RJ), do Marco das Três Fronteiras (PR), dentre outros ativos, foi o proponente mais bem qualificado na avaliação da Prefeitura.

Após um longo processo de modelagem, revisão, diálogo, consultas e audiências públicas, a licitação da concessão do Zoológico do Rio de Janeiro foi realizada ao final do mês de julho/2016. Houve dois licitantes competindo pelo contrato e a empresa Cataratas do Iguaçu S/A, que ofereceu a maior outorga na sessão de lances orais (R$ 4 milhões, 351,18% a mais do que o teto da licitação), sagrou-se vencedora do certame.

É importante que se afirme: os acontecimentos aqui descritos fazem parte do cotidiano da elaboração de projetos de infraestrutura no Brasil. Segundo dados da Radar PPP, só no ano de 2015, 161 (cento e sessenta e um) PMIs foram lançados no país. Em 2016, 93 (noventa e três) já foram publicados até a redação do presente texto. O PMI é, nesse momento, a ferramenta mais importante para estruturação de projetos de infraestrutura pública elaborados por meio das Concessões e PPPs. O gráfico do histórico de lançamento de PMIs no Brasil confirma essa leitura:

Veja o gráfico aqui. (https://goo.gl/Ns2dGi)

Para que fique ainda mais clara a importância do PMI, dos 135 contratos assinados de Concessão e PPPs monitorados pela Radar PPP, ao menos 51 (cinquenta e um) deles foram antecedidos pela publicação de um PMI, ou seja, mais de 1/3 (um terço) dos projetos implantados no Brasil foram construídos por intermédio da participação ativa da iniciativa privada nos estudos de viabilidade.

Nesse contexto, avaliando ainda mais a fundo os referidos 51 (cinquenta e um) contratos assinados cujos estudos de viabilidade foram preparados por meio de um PMI, observamos a seguinte distribuição acerca da previsão da possibilidade de os responsáveis pela elaboração dos estudos de viabilidade participarem ou não da licitação[iii]:

Veja o gráfico aqui. (https://goo.gl/mhu6Pr)

A análise dos dados nos leva a concluir que 78% (setenta e oito por cento) daquela amostra de contratos de concessão e PPPs monitorada pela Radar PPP e que foram precedidos do uso da ferramenta do PMI permitiram, em seus respectivos Editais de Licitação, que os responsáveis pelos estudos de viabilidade participassem, direta ou indiretamente, do certame.

Guarde essa informação. Então, até aqui, tudo parece bem.

O que chamou a atenção na Concessão do Zoológico, entretanto, não foi a existência do PMI ou o resultado da licitação, mas sim a decisão da desembargadora da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Márcia Cunha Silva Araújo de Carvalho, que optou por suspender, por meio de liminar, a execução do contrato sob o argumento de que a empresa Cataratas do Iguaçu S/A, por ter participado do desenvolvimento dos estudos de viabilidade do projeto, por meio de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), estaria impedida de participar da licitação do projeto.

A interpretação da desembargadora encontra amparo no art. 9º da Lei Federal n.º 8.666/93 que, em síntese, veda que o autor de projeto básico participe no certame destinado à execução da obra ou serviço[iv]. No entanto, como é lição básica dos profissionais militantes desse setor, o art. 31 da Lei Federal n.º 9.074/95 instituiu o direito de participação da concorrência ao particular que tiver colaborado com a preparação dos projetos básicos ou executivos da concessão

Tal indicador somente reforça que, sem que o Edital de PMI ou a legislação local aplicável disponham expressamente em sentido contrário[v], não há como se falar na vedação da participação na licitação das empresas envolvidas na elaboração dos estudos de viabilidade em qualquer contrato de Concessão ou PPP.

A solução jurídica apresentada no art. 31 da Lei Federal n.º 9.074/95 referente ao direito de participação se encontra expressamente prevista no Edital do PMI e está em alinhamento ao ordenamento jurídico brasileiro.

Valendo-nos ainda dos mesmos dados da Radar PPP, é possível afirmar que, se a interpretação do TJ-RJ estivesse correta, teríamos que cancelar mais de 1/3 (um terço) dos contratos de PPP e Concessão vigentes no país, vez que, dos 51 (cinquenta e um) contratos que contaram com a estruturação por PMIs, no mínimo 17 (dezessete) deles verifica-se que alguma empresa acionista da concessão (ou do seu grupo econômico) foi também responsável, em maior ou menor medida, pelos estudos de viabilidade do projeto.

Nos é possível traçar uma série de críticas em relação a esse modelo, mas, de certo, o judiciário não pode reescrever a lei[vi] (numa decisão de caráter liminar!) se a legislação os desagrada, sobretudo em um projeto desta natureza.

Há que se colocar na conta dos desembargadores do TJ-RJ o fato de que a decisão irá custar à Prefeitura do Rio de Janeiro alguns milhões de reais por ano, vez que, além da outorga fixa de R$ 4 milhões paga pela empresa, até 12% (doze por cento) de toda a receita obtida pela Concessionária privada na administração do Zoológico seria transferida para a Prefeitura a título de Outorga Variável. No cenário de crise fiscal por que passam todos os municípios brasileiros, certamente seria um dinheiro bastante bem-vindo.

E penso que desnecessário seja lembrar das dezenas de empregos que poderiam ser gerados na capital fluminense, não só para a realização das obras de melhoria do Zoológico, mas a partir da implantação de uma gestão profissional e cumpridora dos requisitos mínimos de qualidade exigidos pela Prefeitura e pelos órgãos fiscalizadores.

E do lado da Concessionária? Até aqui, em cerca de 2 (dois) meses de vigência do contrato, a Cataratas: 1) iniciou as obras de modernização do Zoológico, realizando investimentos; 2) depositou o valor de R$ 4 milhões de reais a título de Outorga Fixa; 3) contratou dezenas de profissionais para conseguir fazer frente à operação do equipamento; e 4) iniciou o atendimento às determinações do IBAMA que suspendiam o funcionamento do Zoológico, principalmente melhorando as condições de operação e de tratamento dos animais.

A pergunta que não consigo deixar de fazer nesse contexto é: quem paga pelo desconhecimento do judiciário carioca sobre a legislação e prática brasileira sobre o tema?

A resposta, em minha avaliação, pode ser dada em caráter amplo ou restrito, direto ou indireto. Explico: as primeiras partes a pagarem pelo dano são, claramente, Cataratas e a Prefeitura do Rio de Janeiro. A Cataratas, pois, além de já ter investido e iniciado a operação, agora terá que “virar a chave” para mobilizar recursos financeiros e humanos para resolver o imbróglio jurídico que se instaurou. A empresa terá que equacionar demissões de contratações que acabaram de ser feitas e rescisões contratuais de toda sorte em um cenário de incerteza. Perdem, na sequência, todas as pessoas físicas e jurídicas vinculadas. Do outro lado, perde a Prefeitura do Rio de Janeiro. Perde, pois, além de ficar cada vez mais afastada da chance de adequar a obscena situação do equipamento, terá atraso no recebimento de recursos privados e precisará, assim como a Cataratas, mobilizar recursos humanos de modo emergencial para resolver a questão.

Contudo, o maior dano, em minha avaliação, está na reputação e na credibilidade do país no que diz respeito ao funcionamento das instituições. Qual é a segurança do investidor que, após percorrer uma longa jornada na formalização de um contrato com o poder público, descobre que o judiciário pode, a qualquer tempo, colocar em xeque um dos institutos mais utilizados para viabilização de projetos de infraestrutura no país? É assim que pretendemos dar novo fôlego ao mercado de infraestrutura, reconquistando investidores nacionais e atraindo o capital estrangeiros? A meu ver, o caso do Zoológico do Rio de Janeiro mostra que estamos, exatamente, na direção oposta.

 

[i] Estudo disponível em https://goo.gl/Ycl83d. Acesso em 27/10/2016.

[ii] Art. 31. Nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou uso de bem público, os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços.

[iii] Dados do Radar de Projetos. Disponível em www.radarppp.com. Acesso em 15/10/2016.

[iv] Dois argumentos jurídicos são relevantes para a não aplicação do referido artigo nas Concessões e PPPs: 1) os estudos de viabilidade desenvolvidos no âmbito dos PMIs não necessariamente são projetos básicos, que possuem definição específica na Lei Federal n.º 8.666/93; 2) a Lei Federal n.º 8.666/93 é norma geral de licitações e contratos de obras e serviços (art. 1º), não sendo considerada norma geral das licitações referentes às Concessões e Permissões de serviços públicos (art. 31 da Lei Federal n.º 9.074/95).

[v] Não me cumpre aqui tecer considerações sobre a possibilidade jurídica de eventual vedação da participação dos elaboradores dos estudos nas respectivas licitações, apesar da existência de previsão legal da autorização (Lei 9.074/95). Não se trata de tema pacífico na Doutrina e não abordarei esse debate.

[vi] Não foi desconsiderada a competência de cada juiz para realizar o controle difuso de constitucionalidade, que o habilita a suspender a eficácia de qualquer lei no contexto do caso concreto que esteja sob sua análise. O ponto é que, na nossa avaliação, não se trata de uma questão de controle de constitucionalidade, mas de uma má aplicação do ordenamento jurídico, somada a um desconhecimento da prática pública nacional, que causa essa usurpação da função legislativa conforme a vontade e convicção pessoal do magistrado.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

Share this

Desenvolvido em Drupal por Garcia & Rodrigues