Praticamente todos os setores de atividade que hoje estão sendo concessionados pelo Governo Federal tiveram sua origem ainda na época do Segundo Império.
Com efeito, as concessões de ferrovias e de portos, por exemplo; ou as operações de comunicação e telefonia (a partir da colocação de cabos submarinos interligando o Brasil aos países europeus e aos Estados Unidos para envio de voz e dados (mensagens telegráficas) ao exterior); ou as concessões de iluminação pública, de geração de energia elétrica; ou as de águas e esgoto; ou as concessões de transporte e mobilidade urbana e regional dos ônibus e da navegação de cabotagem --, quase todas elas, surgiram na segunda metade dos 49 anos de gestão do Imperador Dom Pedro II, antes mesmo, pois, da Proclamação da República, em 1889. (Parte dessas atribuições passou a estados e municípios, com o advento da República).
A malha ferroviária ao final do Segundo Império já atingia quase 10 mil quilômetros (algo como 1/3 da rede atual). E até o final dos anos 30, do século passado, já atingia mais de 34 mil quilômetros.
Hoje há 29 mil km de malha ferroviária, atendendo por volta de 20% da demanda por transporte: e o governo espera em seus esforços para expandir a infraestrutura nacional e minimizar o “Custo Brasil”, expandir a rede atual – para atingir os 52 mil km de malha – e fazer este modal responder por algo como 35% em participação no volume de carga transportado no país.
O estoque de capital em infraestrutura formado no país, portanto, tem raízes muito mais antigas do que se supõe: é, assim, uma experiência muito mais rica e com um notável “track records” e que transcende, em muito, o que supõem os neo iluministas ou os neo sabastianistas nos últimos 18 anos, para quem o Brasil, o mundo... quiçá o universo... foi, assim, por eles criado, “mui” recentemente...
Conhecemos muito o “marco regulatório” criado a partir da Lei das Concessões, em 1.995, com a Lei Federal 8.987, aduzida com a Lei Federal das Concessões Administrativas e Patrocinadas, de 2004, através das PPP, a Lei Federal 11.079, (turbinada em 2012 com as alterações da, então, MP 575, na Lei Federal 12.766).
E temos debatido os Modelos de Negócio das concessões necessárias para alavancar os investimentos em infraestrutura, ou as taxas de retorno e os mecanismos para financiar os ativos a serem formados, com capitais do país e do exterior, entre outras discussões não menos importantes.
Do Segundo Império aos dias atuais, afinal o que mudou? Ou o que aconteceu que ainda não sabemos? Por que as concessões originais – com raríssimas exceções – não chegaram ao fim dos períodos concessionados? Nossos “modelos atuais” são, afinal, muito diferentes dos “modelos originais”? Sabemos mais, hoje, sobre esse “mercado de concessões” do que sabíamos quando ele se formou?
Afinal, este “mercado” tem mais de 160 anos!
Isto mesmo: 160 anos, a considerar como marco histórico, o Decreto Lei Imperial 641 de junho de 1852, que lançava o ordenamento conceitual e legal para a implantação dos “caminhos de ferro”, a exemplo do que já (então) ocorria nos demais impérios (ainda) existentes (na Alemanha, Rússia, França e Inglaterra), via o modelo das PPP (ou das EFI) que os países dominantes usavam em parcerias com o setor privado para modernizar os portos da época –, de fundamental importância para sustentar o volume de comércio dos Estados Nacionais de então –, ou do saneamento básico, através da construção e manutenção da rede de água e esgoto, vital para a salubridade e sobrevivência das populações dizimadas por pestes e endemias que (malthusianamente...) assustavam o mundo, mas que não eram o foco das políticas expansionistas dos Estados Nacionais, preocupados em anexar riquezas e territórios, no que se poderia chamar de “busca de superávit fiscal por vias explícitas”... e isto num contexto de alta geração de excedentes por meio de impostos, foros e laudêmios que tanto oprimia a geração de riquezas internas dos Estados Nacionais.
No Brasil de então, na verdade o DLI de 1.852 na verdade buscava normatizar uma série de atividades de concessão que já existiam de forma desconexa nas províncias do país.
Mas é interessante notar que o Poder Concedente era o Império (ou o Poder do Imperador): antes, como agora, só podia “conceder” quem tivesse a posse e o domínio “do quê” conceder. As terras por onde passariam as ferrovias ou eram do Governo ou dos antigos herdeiros das terras sob as sesmarias ou as capitanias. Da mesma forma, como os portos que se desejavam modernizar eram do Império. Para não dizer dos “Direitos de Exploração” das capatazias e serviços de armazenagem. Ou quem fixava os preços (ou a tarifas) da prestação desses serviços que se cobravam dos usuários desses serviços providos pelo Poder Imperial, registrados pelos tabeliães da época.
E esse Poder Concedente – eleito por direito divino e que exercia o seu poder monárquico –, discutia os Decretos Leis Imperiais em uma Câmara Legislativa composta, ao longo dos 49 anos de gestão, por pessoal crescentemente simpático aos ideais republicanos que iam mudando a feição política que ia dominando os demais Estados Nacionais!
Ou seja, o risco político – para usar uma terminologia muito cara aos avaliadores de risco, de viés fundamentalista de hoje – seria (potencialmente) explosivo!
Todavia, apesar de todo o poder inerente e imanente, o Imperador era um empreendedor inovador (schumpeteriano); responsável por trazer ao país as inovações da telefonia, da geração de eletricidade, da comunicação de dados e de voz entre tantas outras inovações mundanas não menos importantes para a geração de conhecimentos como a fotografia, a botânica, entre tantas outras.
E, como a história registra dono de um temperamento justo e conciliador: basta ver, que no texto de DLI 641, explicitava o respeito aos contratos que tratavam da exploração de ferrovias existentes antes do marco regulatório que ele então instituía; nominando e estabelecendo no referido diploma, o empreendedor que devia ser ressarcido e o valor que a ele devia a ser indenizado como compensação aos investimentos que fizera. Ou seja, o respeito aos contratos e a busca de uma indenização justa, já faziam parte do ambiente econômico e regulatório então emergente.
Da mesma forma como afloravam nos instrumentos de suporte aos empreendimentos ferroviários e portuários, a exigência a respeito a alguns valores caros à época – como a proibição de se usar trabalho apenas de homens livres e a se garantir aos que trabalhassem na implantação dos projetos de concessão, a dispensa dos serviços obrigatórios para servir à Guarda Nacional (as forças armadas de então).
Por outro lado, o Imperador (e os participantes da Câmara Legislativa que aprovavam as concessões da época, assim como as deviam acompanhar e gerir tais contratos como deveriam fazer os atuais “Comitês Gestores de Concessões e PPP”) –, reconheciam que as plantas dos empreendimentos a serem implementados, assim como os seus projetos básicos e executivos, seriam de responsabilidade dos proponentes concessionários (o que ainda hoje em dia causa arrepios aos órgãos de controle externo) – eis que, ademais, eram eles que efetivamente conheciam os negócios a serem concessionados.
Empoderava os concessionários, também, para que exercessem o nome do Poder Concedente para fazer desapropriações de terras e atividades necessárias aos empreendimentos sob concessão, exigindo deles a indenização justa, mas deixando claro a eles que ao final dos prazos das concessões – que iam até 25 anos para a iluminação pública e iam até 90 anos para as ferrovias e para os portos –, os investimentos em capital (CAPEX) deveriam ser constantemente atualizados para a devida reversão à propriedade imperial, assim como os serviços concessionados que deveriam ser prestados (OPEX), deveriam atender ao interesse dos usuários finais, a preços razoáveis e com qualidade eles demandados pelo poder imperial concedente (numa proxy dos atuais SLA).
E quem eram os concessionários?
A maior parte das primeiras concessões foi bancada pela iniciativa privada de capital estrangeiro: o “negócio” ferrovias – que se alastrava no mundo como fator de integração e redução dos custos de transação de mercadorias entre as fontes produtoras e consumidoras de produtos de exportação e de importação nos Estados Nacionais –, atraía os investidores privados que sabiam construir e manter as estradas, assim como aqueles que sabiam construir e operar as máquinas locomotivas dos “caminhos de ferro” (que a princípio eram a vapor, queimando lenha e carvão de pedra).
Note-se que no resto do mundo, os investimentos nas ferrovias guardavam estreito relacionamento com os investimentos nos portos – no que hoje chamaríamos de logística integrada – uma vez que os grandes fornecedores de capital eram em boa parte os comerciantes de produtos exportados e importados, que tinham interesse nas ferrovias e nos portos para assegurar a colocação de seus produtos nos prazos de entrega pactuados em suas transações, em condições de maior segurança e integridade na colocação dos produtos junto às redes de distribuição que os mesmos tinham nos países produtores e consumidores de seus produtos (rede própria ou consorciada de comercialização).
E os grandes bancos financiadores por certo securitizavam os créditos concedidos no lastro dos contratos de comercialização de bens e de fretamentos de produtos.
De qualquer forma, os capitais que entravam para as concessões, entravam sob a forma de Investimentos Diretos: até porque a “métrica” de avaliação dos investimentos pelo governo imperial – para posterior validação para o acesso às contrapartidas oferecidas aos concessionários – exigia que os concessionários fizessem os investimentos “na frente”.
Ou seja, mesmo após a “fruição” para usufruto das concessões, o Poder Imperial só concedia – por exemplo, o ressarcimento de 5% (depois, até 12%) do custo do capital próprio e de terceiros investido nos projetos de ferrovias, quando o empreendimento concessionado alcançasse “dividendos mínimos” arbitrados pelo Poder Imperial Concedente (entre de 6% a 8%, nas primeiras concessões).
Isto equivale a dizer que o “primeiro SLA” que o Poder Imperial Concedente colocava para o concessionário era o da sua eficiência enquanto empreendedor – na medida em que só gerava contrapartidas após a empresa estar em fase plenamente operacional.
Ou seja, após o concessionário colocar o investimento “de pé” e fazê-lo render igual ao o que seria o “BETA ALAVANCADO” da época, pelo menos uma proxy da Taxa Interna de Retorno (TIR) do Concessionário: isto é, gerar dividendos com o negócio fomentado, da ordem de pelo menos 8% ao ano.
A partir desse perfil ainda que muito geral – exposto nos quadros em anexo – se pode verificar grandes diferenças entre os dois momentos (o inicial e o atual) na questão das concessões.
Algumas das diferenças mais marcantes são:
01. A existência de um Estado forte que acumulava reservas mercê dos ganhos de comércio exterior (básico para que a acumulação de superávits fiscais e de reservas se fizesse com poupança primária bruta de superávits ficais e de saldos comerciais positivos, ainda que com os incentivos à industrialização nos setores têxtil e de manufaturas leves, desde 1846): de 1860 até ao final da Monarquia, em 1889 – ou seja, por quase 40 anos – o Estado Nacional tinha superávit fiscal e acesso irrestrito ao mercado de capitais da época.
02. Os concessionários privados nacionais e estrangeiros aportavam capital direto em seus projetos; e o que financiavam com capitais de terceiros tinha origem no crédito privado dos bancos estrangeiros do exterior e dos que estavam representados no país. Note-se que não só no resto do mundo como até mesmo no Brasil, os chamados recursos de terceiros eram captados via as Bolsas de Valores da época. Ou seja, não existiam, no país ou no exterior, “beenedeesses” ou bancos com capitais de governos como o BIRD e BID. {Aliás, a nossa primeira crise de bolsa foi a Crise do Encilhamento e não a crise de 1.971, como muitos pensam}. Ou seja, o financiamento se fazia via o “mercado de equity” e apenas subsidiariamente via o “mercado de dívidas”.
03. O setor concessionário privado tinha um leque bastante grande de incentivos para o aporte de capitais privados, sendo até mesmo empoderado pelo Estado Nacional, para desapropriar terras e atividades em nome dele, de forma a não se criarem obstáculos para a expansão dos investimentos na infraestrutura básica de então.
04. Os preços das tarifas eram considerados remuneratórios até pelos incentivos para a importação dos itens de custos que compunham o CAPEX e o OPEX das operações concessionadas, não havendo registros que tais preços não remuneravam os investimentos realizados: pelo contrário, havia reclamações dos usuários dos serviços portuários, por exemplo, de que o preço das tarifas nos portos brasileiros eram mais caros do que aqueles registrados para as mesmas cargas nos portos europeus.
05. A desorganização dos preços relativos começa após a maior necessidade de monetização da economia, com a expansão da massa de salários depois de 1888 (com a liberação progressiva do contingente escravizado até a época da libertação definitiva dos escravos e o maior número de assalariados na economia com a expansão da base econômica proporcionada pelo efeito renda dos investimentos em infraestrutura e a substituição das importações de vários gêneros do que se poderia chama r de bens de salário à época). Ainda assim, ao final da monarquia, a inflação anual no Brasil no passava de pouco mais de 1% ao ano (a média do período de 1822 a 1889 foi de 1,2% ao ano). Isto mesmo: pouco mais de 1% ao ano! E o PIB seria um PIBÃO hoje: desde 1862 as taxas de crescimento do PIB oscilavam entre 3,0 % ao ano a 3,8% ao ano. (CONTADOR e HADDAD consideram uma média de 2,68% ao ano entre 1862 e 1889).
Note-se, também, que só se está a falar de concessões (ontem como hoje) para se mitigar o chamado custo Brasil de infraestrutura econômica.
A infraestrutura de base social e urbana, representada por projetos nas áreas de saúde e educação, saneamento e meio ambiente, mobilidade urbana e regional via a matriz de transporte “nas cidades” e “entre cidades”, ressocialização de presos, criação de infraestrutura de atendimento a menores transgressores e a pessoas em situação de insuficiência de inserção social, moradia básica, produção e logística de medicamentos e outras tantas outras necessidades que são igualmente importantes para o alcance de níveis mais elevados de integração social e humana e que igualmente requerem a parceria e o concurso do parceiro privado, não são sequer exercitadas (ontem como hoje) nos exercícios de articulação entre capitais e ações de gestão entre os parceiros públicos e privados.
Mas, já nesse primeiro corte, percebe-se que:
A. O agravamento da situação fiscal do Estado passa a conspirar contra os resultados esperados pelas concessões. Isto é crítico a partir da chamada Primeira República (até 1930) e se torna endêmico após a esta data e até o final da Era Vargas (em meados da década de 50).
B. A aceleração a inflação que passa a conspirar silenciosamente contra os arranjos tarifários que sustentam as concessões e que levam o Estado a impedir a correção das tarifas para preservar ilusoriamente o poder de compra dos usuários dos investimentos concessionados. Somados com as dificuldades fiscais do Estado, cria-se um mecanismo perverso que concorre tanto para compressão dos ganhos reais das concessões quanto para a crescente incapacidade do Estado em manter a política de garantir juros sobre o capital e outros incentivos concedidos.
C. O resultado é a falta de investimentos pelos concessionários, como forma de compensar a desvalia dos preços cobrados pelos serviços concessionados. E o aumento das dividas do setor público face às obrigações contraídas junto aos investidores nas concessões.
D. A falta de investimentos obsoleta os serviços e cria um “animus” contrário ás concessões (e ao capital estrangeiro que em sua maior parte respondia pelos investimentos), criando caldo de cultura política explosiva que rugia pelo fim da exploração dos monopólios estrangeiros e clamava para que o Estado assumisse as concessões existentes e/ou criasse condições para sustentar os capitais privados nacionais para que estes assumissem os investimentos em infraestrutura até então dominadas (sic) pelos capitais e pelos interesses estrangeiros.
Ora, ontem como hoje, insuficiência fiscal, retomada da inflação, indefinição de marcos regulatórios, disputa política atávica que passa a impressão que os interesses do país são secundários e subalternos aos interesses de grupos dominantes, não são com certeza bons ingredientes para quem precisa conviver pelos longos anos intrinsecamente embutidos nas concessões e nas concessões via as PPP.
E, acima de tudo, resgatar noções elementares de aritmética: afinal, se com o que se espera com as ferrovias é que elas respondam por 35 % da carga transportada país, isto quer dizer que todos os outros modais respondam por 65%, por óbvio, via as concessões de hidrovias, cabotagem, portos, aviões, e através das concessões das estradas.
Haverá acréscimo da produção e das transações internas e nas relações de compra e venda do exterior para sustentar a capacidade que se deseja formar na área de infraestrutura de transportes para resgatar os investimentos que se estão prevendo e demandando?
A maturação da logística de transporte cria uma Bolsa de Fretes que negocia despachos como se negociam títulos nas mesas de operação dos bancos. É certo que há tipos de carga que respondem pela configuração dos modais que utilizam. Mesmo assim há efeitos de substituição entre modais de transporte que não podem ser subestimados entre tipos de cargas afins.
As contas fecham, neste sentido, por parte de quem quer fomentar a criação da malha de transporte e quem quer investir e operar através delas, já que o quantum a ser transportado possui estreita relação com o crescimento do PIB e da economia pelo horizonte de tempo implícito nas diferentes formas e modelos de concessão?
A reflexão sobre a experiência de mais de 160 anos de uma economia com alto grau de atividades concessionadas (de licenças de táxis às diferentes formas de organização de atividades como o espectro dos sinais das telecomunicações e a oferta da energia e a produção do subsolo) parece que ainda precisa ser feita de forma mais adequada.
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