Está na pauta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um caso importante, mas que não despertou a atenção da opinião pública brasileira. Não me refiro à atuação da Corregedoria do CNJ em relação aos Tribunais de Justiça, fato que recentemente alcançou as manchetes dos principais veículos da imprensa nacional. Refiro-me a um caso menos chamativo, mas nem por isso menos importante.
Em meados de 2010, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Maranhão formulou uma consulta ao CNJ sobre a possibilidade do Poder Judiciário daquele Estado contratar parcerias público-privadas (PPPs), cujos objetos seriam a construção de novos fóruns da Justiça Estadual, a informatização de serventias extrajudiciais e a disponibilização de veículos.
A proposta preliminar da Justiça Estadual do Maranhão era celebrar contratos de longo prazo com a iniciativa privada, mediante prévia licitação. Segundo informações obtidas na página eletrônica do CNJ, os eventuais contratos de concessão administrativa teriam suas contraprestações pagas com cerca de 30% da arrecadação mensal do Fundo Especial de Modernização e Reaparelhamento do Judiciário – FERJ.
Os contratos de PPP estão previstos em lei federal, assim como em diversas leis estaduais e municipais (a lei do Maranhão é de 2006). Diversos entes da federação já celebraram contratos de PPP e estão estruturando projetos de interesse público a serem licitados com base nesta modalidade de contratação.
No Brasil, ainda não há contratos de PPPs cujo objeto envolve a melhoria da infraestrutura necessária à prestação de serviços pelo Judiciário, mas já há contratos celebrados que se relacionam com objetivos similares aos pretendidos pela Justiça Estadual do Maranhão (como a construção, operação e manutenção de ativos vinculados a hospitais, centros administrativos e presídios). Com o objetivo de satisfazer as demandas de infraestrutura do Judiciário, vários países recorrem aos contratos de PPP, como é o caso de Canadá, França, Bélgica, Estados Unidos da América, Austrália, entre outros.
Os contratos de PPP, quando bem estruturados do ponto de vista formal e material, apresentam relevante potencial para a prestação de serviços ao poder público e ao cidadão com menor gasto de recursos públicos. A eficiência deste contrato deriva, entre outros aspectos, do fato de que o concessionário vencedor da licitação será responsável por grande parte do ciclo de vida do ativo e de parte dos serviços a este vinculados. Do ponto de vista do poder público, as PPPs criam incentivos para o aprimoramento do planejamento e do controle orçamentário.
Entretanto, o recente voto do Conselheiro Carlos Ayres Britto, também Ministro do Supremo Tribunal Federal, sobre a consulta proveniente da Justiça do Estado do Maranhão, pode retirar do Judiciário brasileiro uma ferramenta que poderia lhe agregar eficiência no gasto público.
O Conselheiro Ayres Britto respondeu negativamente à referida consulta, afirmando que não é possível o uso das PPPs para o fornecimento de serviços vinculados à atividade-meio do Poder Judiciário. Seus argumentos podem e devem ser questionados.
O primeiro argumento apresentado é que a lei federal que estabeleceu o regime das PPPs permite seu uso apenas para satisfazer demandas do Poder Executivo. O Conselheiro extraiu este entendimento em função do modo como a expressão “Administração Pública direta” foi escrita na lei federal em questão, que data de 2004. Segundo seu argumento, em resumo, somente se a expressão houvesse sido escrita com letras minúsculas (“administração pública”) poderia ser interpretado que as PPPs são cabíveis não apenas para a satisfação de demandas de interesse público do Poder Executivo.
Além disso, o Conselheiro também é assertivo ao afirmar em seu voto que “o desempenho das atividades-meio do Poder Judiciário não se compatibiliza com qualquer das modalidades de PPPs (...)”. Em relação à concessão patrocinada, afirma que instituto da tarifa e o conceito de serviço público são incompatíveis com as atividades do Poder Judiciário. A princípio, o argumento faz sentido, entretanto, o Conselheiro não justifica onde reside a incompatibilidade entre o contrato de concessão administrativa (a outra modalidade de PPP) e as atividades-meio do Poder Judiciário.
É importante ressaltar que esta aparente omissão é relevante principalmente em função de que, ao que parece, a concessão administrativa é a modalidade de PPP que era objeto da consulta formulada ao CNJ e que seria aplicável às demandas de infraestrutura do Judiciário.
Por fim, o Conselheiro Ayres Britto argumenta que a composição do Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal (CGP) fere o princípio constitucional da separação dos Poderes, “que impede que atividades do Judiciário estejam submetidas a órgão instituído por ato regulamentar do Poder Executivo”. Entretanto, como contraponto a este argumento, o CGP não é instituído por ato regulamentar do Poder Executivo, pois se trata de órgão que já estava previsto em lei federal (artigo 14, § 1º, Lei Federal nº 11.079/2004).
O CGP tem, entre suas funções, avaliar a eficiência do gasto público via contratos de PPP e questões relacionadas à responsabilidade fiscal, à contabilidade pública e ao Tesouro Nacional. Ou seja, a participação do CGP no processo de tomada de decisão a respeito de PPPs propostas pela Justiça Federal seria uma cautela plenamente compatível com a gestão dos compromissos orçamentários de longo prazo da União.
Sendo assim, a análise de um projeto de PPP do Poder Judiciário demanda, sim, interações com outros Poderes, quer seja no âmbito federal ou estadual, e tal necessidade de interações não pode ser encarada como uma ofensa prévia à separação de poderes. Não é demais lembrar que tais interações já existem na tomada de decisão regular sobre questões orçamentárias do Poder Judiciário Federal e Estaduais.
Diversos Conselheiros já acompanharam o voto do Conselheiro Ayres Britto, mas o caso ainda está pendente de decisão, pois houve pedido de vista do Conselheiro Tourinho Neto e, além deste, há ainda votos pendentes de outros 3 Conselheiros.
Quem sabe, quando o caso voltar à pauta do Plenário do CNJ, a decisão do colegiado possa ganhar novos contornos, como o que foi sugerido pelo Conselheiro Paulo Tamburini, que votou pela viabilidade das PPPs no Judiciário, tendo condicionado tal viabilidade à formação de grupo de trabalho para propor ao Plenário do CNJ a regulamentação da matéria.
Do contrário, prevalecendo a posição liderada pelo Conselheiro Ayres Britto, o Poder Judiciário perderá uma relevante oportunidade de prestar serviços de modo mais eficiente ao cidadão.
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