Artigo: Governando por contratos

Tradicionalmente, a idéia que se tem da arte de governar se resume a dois assuntos com racionalidades opostas: administração pública e políticas públicas. O primeiro trata das questões imediatas com as quais os governantes se deparam – são temas como o funcionamento da máquina administrativa; a contratação de servidores; as licitações e contratos; a prestação de serviços públicos; o poder de polícia; a limitação administrativa às liberdades das pessoas privadas etc. Aqui existe a concepção estática das tarefas públicas, postas numa sequência interminável, de usual instruída por uma visão de curto prazo.

Assim, normalmente uma licitação – para compra de materiais de escritório ou para a construção de um viaduto, tanto faz – é vista como um fim em si mesma, desintegrada do funcionamento do Estado ao longo do tempo. Tanto isso é verdade que, com o passar do tempo, os materiais de escritório se esgotam e os viadutos ficam depauperados. Então, o que se dá são novas licitações e contratações, instaladas para resolver apenas aquele problema concreto (quem não se lembra da “operação tapa-buraco”, realizada pelo governo federal em 2006, a fim de tornar transitáveis algumas das principais rodovias brasileiras?). Esta atividade de administração tende a ser mais reativa e menos prospectiva, numa visão fragmentada dos temas – o que implica a multiplicação de esforços (e respectivos custos).

Já as políticas públicas relacionam-se com o planejamento das grandes questões econômicas e sociais (combate às desigualdades; implementação do desenvolvimento econômico; erradicação da pobreza; segurança pública; controle da inflação etc.).  São estabelecidas por meio de planos de governo e da fixação de metas a ser atingidas em determinado período de tempo. No Brasil, antes dizem respeito a programas político-partidários do que a políticas públicas propriamente ditas, eis que muitas vezes têm curto prazo de validade: o equivalente ao mandato do governante. Além do mais, sofrem com alguns percalços burocráticos, tais como a dificuldade de se promover licitações para projetos de envergadura (uma licitação significativa pode durar mais do que um mandato de quatro anos).

Em assim sendo, há séria falta de sincronia entre a atividade de administração pública e a de políticas públicas. Muitas vezes a política não é exitosa em vista da submissão à racionalidade fragmentada da administração. Ocorre que esta autonomia recíproca só torna as coisas mais difíceis, fazendo com que os grandes projetos de interesse público percam consistência e permaneçam no mundo das promessas não cumpridas. Só quando uma tragédia acontece que se volta a falar de políticas públicas, que com o passar do tempo são esquecidas e superadas pelas intensas e constantes tarefas administrativas.

Mas, felizmente, nem tudo são más notícias. Fato é que, a partir de meados da década de 1990, vem sendo atenuada a dificuldade de se implementar políticas públicas. Isto se deu sobretudo devido à edição de leis que permitem a sua “contratualização”. Trata-se da legislação sobre contratos de concessão de serviço público (Lei 8.987/1995 e Lei 9.074/1995) e das parcerias público-privadas (Lei 11.079/2004). Muito embora nem todos tenham se apercebido disso, as leis que tratam das concessões e parcerias são instrumentos que permitem a instalação de políticas públicas consistentes. Por meio de um projeto concessionário assegura-se a prestação de um serviço – ou a construção e manutenção de obras conjugadas com serviços – durante 15, 20 ou até 35 anos. O que pode se dar em projetos de desenvolvimento nacional, com garantia de sua estabilidade ao longo do tempo. Afinal, o contrato cria uma “blindagem” para que essa política pública seja concretizada e resista às futuras intempéries.

A depender do projeto concessionário, pode-se estabelecer um programa estatal ao longo dos anos, a conjugar políticas públicas de distribuição de riqueza com a criação de infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento econômico. Pode-se estabelecer, inclusive, um “pacote” de políticas, conjugadas em múltiplos contratos de longo prazo, inseridos em setores correlacionados (uma série de contratos que integre portos e ferrovias, p. ex.). Políticas públicas essas que, devido à sua contratualização, deverão ser respeitadas e mantidas no tempo.

Pense-se agora em concessões comuns e parcerias público-privadas para construir e manter hospitais da saúde pública, transporte rodoviário urbano ou mesmo presídios. São obras e serviços os quais podem inclusive implementar projetos de distribuição de renda. A depender do modelo adotado, os usuários mais abastados podem financiar a integralidade do empreendimento. Em outros casos, o contribuinte financiará o todo ou apenas parte do projeto. Porém, sempre haverá ganhos de eficiência decorrentes da estabilidade de projetos de interesse público respeitadores dos termos do contrato.

O que se tem, portanto, são instrumentos de política pública que podem se valer da técnica concessionária para obter resultados consistentes de longo prazo. Estão à disposição dos governantes. Basta ousar, criar projetos consistentes e aplicar as leis.

 

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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