Artigo: Investimento coletivo como alternativa para o financiamento da infraestrutura de pequeno porte

Rafael Garofano
Julio Viana

A urbanização desordenada na grande maioria das cidades brasileiras tem aumentado os problemas relacionados à infraestrutura. A escassez orçamentária e o aumento da demanda pelo acesso a bens e serviços públicos de qualidade proporcionam um desafio à gestão pública municipal no que diz respeito às estratégias inovadoras para o financiamento das infraestruturas municipais. É nesse contexto que o “crowdfunding”, combinado com modalidades de financiamento convencionais, aparece como alternativa para o financiamento de infraestruturas nas cidades.

Sabe-se que atualmente a absoluta maioria dos Municípios brasileiros não possui recursos fiscais para implantação de novos projetos de infraestrutura. Em que pese a iniciativa e a demonstrada boa vontade do Governo Federal na perspectiva de incentivo à implementação de programas federais de financiamento em grande escala, esses programas em geral não abrangem financiamento de infraestrutura para pequenos Municípios.

Assim, com recursos financeiros limitados, há necessidade de fontes alternativas e inovadoras para o financiamento de novos projetos municipais, especialmente aqueles que podem ser considerados como autossuficientes. Exatamente por isso e em vista de experiências mais recentes de outros países – especialmente Estados Unidos –, surge como alternativa a utilização de plataformas crowdfunding para garantir recursos para a implantação de pequenos empreendimentos, oferecendo assim novas oportunidades para captação de recursos necessários para infraestrutura em uma menor escala.

A concepção e efetiva implementação de parcerias com o setor privado, incluindo as Parcerias Públicas Privadas (PPP) e a expansão das parcerias no nível municipal, passa necessariamente pela existência de fundos para viabilizar os projetos de infraestrutura nas cidades.

Como método de financiamento mais adequado, a utilização de “project finance” tem a capacidade de transferir riscos para fora dos governos municipais, que são vulneráveis às flutuações de arrecadação de impostos e da disponibilidade de financiamento estadual ou federal. Quando a responsabilidade e o risco dos projetos são transferidos para o setor privado é mais fácil implementar estratégias que proporcionem custo mais eficiente para o projeto. Assim, a utilização do “project finance” permite o uso de capital intensivo, altamente alavancado, com retorno de longo prazo, além de permitir a alocação adequada dos riscos do empreendimento e garantias vinculadas à fonte de receitas.

Sabe-se, porém, que atualmente a utilização do “project finance” é reservada para projetos que demandam grandes investimentos de capital, tendo em vista que os custos de transação subsequentes podem ser facilmente absorvidos pelos custos totais do projeto. Em contraste, a margem de custo necessária para financiar projetos de infraestrutura menores é muito menor (diminuindo a relação custo-benefício dos custos de transação). Por consequência, os custos de transação para os projetos de infraestrutura menores não podem ser facilmente absorvidos pelos custos totais do projeto. Além disso, as atuais condições financeiras e políticas criaram um ambiente de nicho para aprovação do financiamento em infraestrutura, dificultando a viabilidade de projetos de menor escala em nível local.

De modo bastante geral, estas são razões para a necessidade atual de fontes alternativas de financiamento de infraestrutura nas cidades.

Uma alternativa complementar com grande potencial para auxiliar a viabilização de projetos de pequeno porte é o chamado financiamento coletivo ou “crowdfunding”, como um método inovador para reduzir os gargalos de financiamento de ações e projetos em diversas áreas, inclusive em infraestrutura. Embora não inicialmente criado para este perfil de financiamento, os modelos de crowdfunding variam muito e oferecem diferentes oportunidades para projetos específicos.

Enquanto plataformas como Kickstarter e Indiegogo (EUA) atendem a uma ampla gama de projetos de crowdfunding, a nova fase de plataformas crowdfunding foca estritamente no financiamento coletivo de interesse público. Essas plataformas (ioby, Citizinvestor, Spacehive, neighbor.ly) concentram-se em iniciativas de crowdfunding que propiciem projetos de interesse público.

Em geral, os modelos de crowdfunding abrangem uma gama diversificada de técnicas de financiamento, podendo ser por patrocínio de doações, recompensa com base em doações, pré-vendas, empréstimos tradicionais, empréstimos sociais (empréstimos sem juros), peer-to-peer (empréstimos com taxas menores que os bancos) e equity crowdfunding (investimento coletivo em empresas).

O equity crowdfunding, especificamente, modelo baseado em investimento em participação nas empresas investidas, surgiu como uma ramificação do crowdfunding popularizado por plataformas como Catarse, no Brasil, e Kickstarter, nos Estados Unidos.

O financiamento coletivo tornou-se, assim, uma solução importante para a captação de recursos para diversos projetos. O equity crowdfunding surgiu como um meio de viabilizar a captação de recursos financeiros para empresas utilizando a oferta pública de valores mobiliários como um instrumento de investimento e fonte de retorno para captação. Um exemplo no Brasil é a plataforma denominada “Broota”, onde os investidores podem comprar participação em empresas nascentes (“startups”) desembolsando um valor bem menor do que o normal.

Embora popularizado após a internet e redes sociais, que geraram uma velocidade de compartilhamento de informações nunca antes vista, é bem verdade que alguns projetos no passado já captaram quantias representativas de recursos utilizando uma tática similar ao atual crowdfunding.

Em 1606, a companhia holandesa das Indias orientais utilizou o poder da “crowd” para angariar fundos com o objetivo de conduzir negócios entre a Europa e Asia. O jornalista Joseph Pullitzer utilizou o financiamento coletivo através do seu jornal The New York World para arrecadar $100.000 em todo os Estados Unidos para viabilizar a instalação da Estátua da Liberdade.

A Embraer, uma das mais bem reconhecidas empresas de alta tecnologia do Brasil, teve como base um programa estabelecido em 1969 onde qualquer pessoa jurídica que investisse na Embraer através da compra de suas ações preferenciais, conseguiria um rebate de 1% no IRPJ. Após 20 anos, a Embraer possuía mais de 200 mil empresas investidoras e U$ 350 milhões arrecadados, facilitando o seu desenvolvimento.

Esse tipo de lógica se propagou para a internet e o crowdfunding decolou como uma alternativa importante de captação de recursos para PMEs (Pequenas e Médias Empresas), projetos imobiliários, projetos de infraestrutura e serviços públicos e outras empresas que possuam dificuldade de angariar capital.

O fato inegável é que o crowdfunding tem enorme potencial para ser usado para projetos de infraestrutura, notadamente os de pequeno porte.

Nos EUA, por exemplo, o mercado de crowdfunding não para de crescer, atingindo a marca de USD 2,1 bilhões em transações por meio de ofertas públicas de equity crowdfunding no ano de 2015. Existem por lá vários projetos de interesse público que merecem destaque por utilizaram, de forma êxitosa, as melhores práticas de crowdfunding. Esses projetos incluem o Hampline em Memphis, o Arapahoe Protected Bike Lanes em Denver, e a iniciativa do Mini Bond também em Denver.

No caso do Hampline, a campanha de crowdfunding foi implementada como o passo final para atingir a meta de financiamento alvo. Esta estratégia de financiamento de “última milha” é mais bem-sucedida para ajudar iniciativas maduras a alcançar a fase de implementação. O Hampline foi elogiado por seu sucesso no engajamento cívico em uma área particularmente afetada, resultando na construção da primeira pista de bicicleta do país financiada por crowdfunding.

Outros casos têm utilizado crowdfunding para satisfazer os requisitos de subvenção pública. Por exemplo, o projeto Arapahoe Bike Lane, em Denver, utilizou do crowdfunding para possibilitar que os fundos de contrapartida para concessão municipal pudessem ser garantidos sem a necessidade de subvenção pública ao projeto. A coletividade tornou-se um corpo de investidores e correspondeu à contribuição da Cidade de Denver para o projeto.

Um terceiro tipo de financiamento estratégico envolve uma forma de financiamento inicial para o desenvolvimento de infraestrutura. Por exemplo, o programa de Mini Bonds em Denver (uma iniciativa de investimento coletivo) forneceu o financiamento inicial para um projeto de infraestrutura, criando impulso para que os fundos restantes fossem garantidos por investidores privados . Este tipo de investimento inicial é especialmente estratégico porque oferece uma oportunidade de testar o sucesso de um projeto antes da implementação completa do mesmo, reduzindo a barreira à entrada para investidores avessos ao risco.

No artigo escrito por Schwienbacker e Larralde, denominado de “Alternative Types of Entrepreneurial Finance”, os autores discutem o aumento da utilização do crowdfunding justamente como solução para a falta de recurso e da não aderência dos riscos pelos setores bancários para pequenos projetos. Como o setor bancário tornou-se mais avesso aos riscos que envolvem o financiamento tradicional, pequenas e médias empresas têm se tornado plataformas de crowdfunding como fontes de financiamento para projetos de infraestrutura de menor porte, notadamente na área de energia renovável e saneamento ambiental.

As campanhas de investimentos via crowdfunding promovidas pela plataforma Infrashares , por exemplo, funcionam de modo muito similar ao modelo utilizado por sites de investimentos via crowdfunding do setor imobiliário, como o Fundrise, Realtyshares e RealtyMogul. Informações sobre o projeto de PPP são postadas no site que pode ser visualizado por potenciais investidores, o que inclui condições comerciais, modelos padrão de financiamento e uma completa descrição do projeto. O portfólio de projestos inclui empreendimentos públicos de infraestrutura nos setores de energia renovável, rodovidas, pontes, transporte de massa, entre outros, todos desenvolvidos através de Contratos de Parcerias Público-Privadas firmados entre órgãos públicos e parceiros privados responsáveis pela implantação e operação da infraestrutura. A plataforma foi criada em 2015 depois de uma experiência bem-sucedida dos seus fundadores no modelo de crowdfunding para o mercado imobiliário.

Do ponto de vista regulatório, o “Jobs Act” nos EUA permite que os indivíduos participem em parcerias de capital com pequenos empreendimentos financeiros, principalmente aqueles por meio de plataformas de crowdfunding, permitindo investimentos de “equity” e “debt” em novos projetos. Tais investimentos via crowdfunding permitem a empreendedores de infraestrutura aumentar participação de investidores individuais locais, com benefícios para a PPP em muitas frentes.

Como uma indicação do potencial para investimentos via crowdfunding para PPPs, o Virginia DOT’s Office de PPPs recentemente incluiu crowd-financing em seu 2015 PPP Project Pipeline Report, destacando que para o modelo de PPP essa nova forma de investir “pode prover outro nível de competição para aqueles que pretendam investir em projetos de PPP na forma de equity, abrindo a porta para o envolvimento do público, especialmente de comunidades locais como um sócio de participação no modelo de PPP, e criando oportunidades para compartilhamento de risco, troca de ideais, transparência adicional e destacado engajamento público”.

Particularmente no setor de infraestrutura, embora o uso do crowdfunding para o financiamento de projetos ainda seja bastante tímido, há cada vez maior necessidade de atrair e viabilizar fontes alternativas de financiamento para projetos de pequeno, médio e mesmo de grande porte, a partir do maior envolvimento de pequenos investidores no financiamento de empreendimentos em diversos segmentos.

Tal necessidade ficou bastante clara quando em janeiro de 2015, por exemplo, o então presidente Barack Obama apresentou uma proposta de US $ 302 bilhões para aumentar os investimentos em infraestrutura em pelo menos 35%. Esta proposta, conhecida como a “Grow America Act”, tem a mesma iniciativa da lei proposta em julho de 2014 conhecida como “Build America Investment”.

A proposta “Grow America Act” tem o escopo de auxiliar as agências federais a encontrar novas formas de investir em infraestrutura. Assim, para expandir as atuais estratégias de investimento em infraestrutura, a proposta “Grow America Act” menciona os Bens de Infraestrutura Públicos Qualificados (“Qualified Public Infrastructure Bonds – QPIBs”).

Influenciados justamente pelo envolvimento crescente dos microfinanciadores, os QPIBs podem ser usados para ativos de propriedade do governo com arrendamentos / concessões de longo prazo com partes privadas. Esses títulos podem ser considerados como uma mistura entre títulos governamentais tradicionais e títulos de atividade privada “Private-Activity Bonds” (PABs), que foram implementados para estimular o investimento privado em infraestrutura. Entre as várias condições que os tornam mais atraentes do que PABs, destaca-se: (i) ausência de data de vencimento; (ii) ausência de limite de emissão (PABs são limitados a US $ 15 bilhões); (iii) ausência de imposto mínimo alternativo.

Embora os PAB tenham sido bem-sucedidos no financiamento de mais de US $ 10 bilhões em construção de estradas, túneis e pontes, a verdade é que os QPIBs podem ser direcionados para uma ampla gama de projetos de infraestrutura, incluindo energia renovável, transporte público, resíduos sólidos, água e esgoto etc. No Brasil, há também clara disposição de incentivar a introdução de fontes alternativas de financiamento para projetos de infraestrutura (ainda muito dependentes de Bancos públicos, notadamente o BNDES).

Exemplo disso são as debêntures incentivadas, reguladas pela Lei nº 12.431/2011, que são títulos emitidos por companhias que possuem projetos de investimentos em áreas de infraestrutura consideradas prioritárias (logística, transporte, aviação civil, mobilidade urbana, minas, energia, saneamento básico etc). Segundo dados oficiais, no período de 2012 até novembro de 2016 foram 68 (sessenta e oito) emissões de debêntures de infraestrutura no Brasil, totalizando um volume de R$ 18,3 bilhões, vinculados a mais de 177 projetos.

De acordo com a regulação atual, as ofertas públicas de debêntures de infraestrutura podem ser realizadas com esforços amplos de distribuição ou esforços restritos. As primeiras são regidas pela Instrução 400 da CVM, estão restritas às companhias de capital aberto, e podem ser destinadas aos investidores de varejo, com necessidade de registro prévio da oferta e cumprimento de uma série de requisitos. As ofertas com esforços restritos são regidas pela Instrução 476 da CVM, a qual dispensa seu registro prévio na CVM, porém o título pode ser apresentado a, no máximo, cinquenta investidores qualificados, sendo possível a emissão por empresas de capital fechado.

Ainda no setor de infraestrutura, outras iniciativas passam pelo estímulo ao financiamento privado por Bancos comerciais ou por fundos de pensão, de previdência, ou ainda por seguradoras ou fundações; mecanismos de proteção à varial cambial para investidores estrangeiros; ou ainda a constituição e capitalização de Fundos Garantidores; além de medidas para promover a adoção de modalidade de financiamento project finance non recourse, entre outras.

Na área social, por sua vez, outra tentativa de atrair fontes alternativas de financiamento que está em fase de desenvolvimento nos Estados de São Paulo e do Ceará, com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Instituto Social Finance, são os chamados Títulos de Impacto Social (“Social Impact Bonds – SIBs”), que consistem em um novo arranjo jurídico cujo objetivo é propiciar a captação de recursos privados para o financiamento de políticas públicas. Em São Paulo, analisa-se a aplicação dos SIB's como instrumento para a melhoria das taxas de desempenho no ensino médio das escolas públicas. No Ceará, o projeto visa aumentar o número de atendimento domiciliar no sistema de saúde do Estado.

No entanto, enquanto as debêntures são voltadas para o mercado de capitais e por isso são sujeitas a uma forte regulação pela Comissão de Valores Mobiliários, sendo adquiridas geralmente por investidores qualificados, os Títulos de Impacto Social estão sendo formatados exclusivamente para financiar serviços de natureza social e estão baseados no conceito de remuneração atrelada ao resultado ou impacto social obtido, conforme métricas de avaliação previamente determinadas.

Diferentemente dessas duas modalidades de financiamento, o “investment-based crowdfunding” para o mercado de infraestrutura pode ser considerado uma modalidade alternativa ou adicional em relação a todas as outras existentes, baseada no conceito de transações digitais via plataforma tecnológica responsável por promover a campanha de investimentos e também pela negociação direta dos títulos de participação ou empréstimo entre os investidores de varejo e os empreendedores responsáveis pela implantação e gestão da infraestrutura de interesse público.

Arrisca-se dizer que mesmo as formas mais tradicionais de investimentos não necessariamente excluem a utilização da plataforma de crowdfunding como instrumento para veiculação e efetivação das transações. Poderia cogitar-se, por exemplo, da emissão e negociação de títulos de impacto social ou mesmo de debêntures incentivadas de infraestrutura por meio de plataformas de crowdfunding voltadas ao mercado de infraestrutura e serviços públicos, embora isto demandasse ainda maior rigor regulatório para sua implementação.

Por isso a importância de criação de um arcabouço regulatório próprio e adequado às características dessa modalidade de investimento e de negociação de participação em empreendimentos de infraestrutura, de modo a permitir a operação das plataformas e ao mesmo tempo assegurar o bom funcionamento do mercado regulado, com atenção para as especificidades inerentes aos projetos de infraestrutura de interesse público e seus respectivos riscos (implantação, disponibilidade, desempenho etc).

Nesse sentido, desde que bem regulados os seus limites e as suas responsabilidades perante investidores, empreendedores e poder público titular do serviço, o investment-based crowdfunding via plataformas eletrônicas pode servir como veículo de captação de investimentos para projetos de infraestrutura de interesse público de menor envergadura.

Na medida em ele corresponde a uma modalidade diferente de financiamento de projetos, não excludente das demais alternativas, o investimento coletivo em projetos de infraestrutura via plataformas de crowdfunding merece uma regulação própria e adequada pelo sistema jurídico, com mecanismos eficientes de alocação de riscos e limites de transação condizentes com esses riscos, alinhando-se as expectativas de captação dos empreendedores com as expectativas de retorno financeiro dos investidores.

Além disso, vários pontos podem ser elencados como benéficos para os investidores, empreendedores, plataformas, e economia brasileira como um todo. Primeiro, é uma fonte de recursos capaz de viabilizar pequenas soluções de infraestrutura, com impacto direto para a população local, em um cenário de juros altos e retração de crédito. Segundo, promove a democratização do acesso a investimentos em projetos antes apenas acessíveis para investidores qualificados.

Terceiro, devido à limitação de acesso ao mercado de capitais brasileiro, o equity crowdfunding pode permitir que haja uma inclusão financeira de investidores de varejo que atuam em um mercado onde os investimentos são completamente bancarizados. Quarto, a competição gerada por uma alternativa a mais no mercado de investimento em empresas e empreendimentos gera uma maior eficiência do setor como um todo, reduzindo custos para os investidores de varejo. Por último, e mais importante, o equity crowdfunding tem o potencial de incentivar e viabilizar novos projetos de menor vulto ao redor do Brasil, permitindo que mais empresas e empreendedores tenham acesso a recursos da poupança popular além dos grupos financeiros bancários.

Ou seja, o crowdfunding é também uma alternativa para a circulação da poupança popular local para projetos específicos, sem que a alocação de recursos passe necessariamente pela escolha de uma instituição financeira para decidir qual empreendimento é mais importante ou relevante para aquela parcela da sociedade atingida. Considerando o cenário atual, aliás, caso a taxa de juros desça para patamares menores que 8% ao ano a partir de 2018, o crowdfunding de projetos de infraestrutura passa a se tornar uma alternativa com taxas de retorno mais competitivas.

Em particular, o financiamento de projetos de interesse público é uma opção viável quando há um fluxo de receita consistente e específico do projeto. Dependendo da estrutura legal e da parceria do negócio de financiamento do projeto, é possível que por meio de financiamento coletivo se complemente as taxas de usuários ou pagamentos de disponibilidade, por meio de modelo de investimento “equity” ou empréstimo “peer-to-peer lending”.

Neste caso, a população de maneira geral pode tornar-se um conglomerado de investidores e pode colher os benefícios de ser um parceiro de capital próprio ou de dívida durante a implementação do projeto.

É importante notar que as características do projeto e o perfil da comunidade evideciarão qual estratégia é mais apropriada. Além disso, com o risco de demanda se tornando mais proeminente entre Parcerias Público-Privadas (PPPs) e outras modalidades de parceria, o crowdfunding tem o potencial de confirmar projeções de demanda e reduzir os riscos correspondentes.

É certo que cada projeto deve ser executado de forma única e o processo de crowdfunding deve ser personalizado para cada empreendimento. Porém, o crowdfunding tem o potencial de aumentar a vontade política e apoiar o desenvolvimento de projetos de infraestrutura e os subsequentes “project finance”. Ele tem um alcance extenso porque é dependente da participação da comunidade durante todas as fases de desenvolvimento de infraestrutura. Quando muitos indivíduos são capazes de apoiar o projeto investindo seu próprio dinheiro, os gestores públicos de modo geral acabam ficando predispostos a apoiar projetos semelhantes.

Ademais, indivíduos que oferecem financiamento inicial possuem, de certa forma, as mesmas finalidades dos consumidores que apoiam o produto ou serviço, tendo em vista que o individuo interessado no projeto de infraestrutura está investindo seu dinheiro na solução. Imagine-se, por exemplo, uma pequena solução local para o tratamento de esgoto de determinado bairro de uma Cidade. A população diretamente beneficiada com o projeto de infraestrutura (construção e operação de uma Estação de Tratamento, p. ex.), certamente terá muito mais interesse em participar ativamente da realização do empreendimento.

O apoio pode significar, inclusive, a depender das possibilidades de cada interessado, suporte financeiro direto ao projeto em forma de investimento, pois, além de viabilizar a prestação de serviços em seu próprio benefício, ainda poderá reverter em seu favor parcela do resultado financeiro caso o projeto seja exitoso para a empresa responsável por sua gestão e exploração.

Isso se dá basicamente porque, ao contrário do financiamento tradicional de projetos, o crowdfunding tem um foco maior no apoio financeiro localizado, uma vez que a maioria dos financiadores reside ou se localiza na vizinhança ou em vizinhança próxima ao projeto, possuindo interesse verdadeiro na concretização do empreendimento público de infraestrutura, o que é bastante promissor para setores como saneamento básico, energia limpa, infraestrutura de escolas e postos de saúde, entre outros.

Uma vez que os indivíduos se configuram como investidores financeiros há uma maior probabilidade de que eles exigirão mais responsabilidade pelos serviços ofertados pelo poder público através de parceiros da iniciativa privada. Por isso, envolver a base de usuários em todo o processo de desenvolvimento de projetos de infraestrutura por meio de crowdsourcing e crowdfunding fornece poder adicional para manter os Governos (especialmente Municípios) e outros proprietários de infraestrutura responsáveis pela sua manutenção contínua.

Enfim, a variedade de modelos de crowdfunding é capaz de acomodar vários tipos de necessidades próprias de projetos de infraestrutura de interesse público. Com a introdução do financiamento de projetos, com foco no projeto e construção integrados, o crowdfunding poderia ser usado como um mecanismo de financiamento suplementar durante qualquer fase (dependendo das contingências e requisitos de crowdfunding).

Há ainda, contudo, especialmente no Brasil, inúmeros desafios para o desenvolvimento do mercado de investment-based crowdfunding voltado a empreendimentos de infraestrutura, a começar pela inexistência do arcabouço jurídico adequado para a captação de recursos por meio de plataformas de crowdfunding, somado a uma complea omissão regulatória – até mesmo em nível de discussão – sobre o potencial de utilização do crowdfunding para esta finalidade específica.

Embora já existam algumas plataformas operando no Brasil e gerando recursos para o desenvolvimento de novas empresas (limitadas ao mercado de startups), ainda há um vácuo regulatório no país que gera incerteza jurídica e impede o desenvolvimento desse mercado de uma forma mais ampla, o que é particularmente grave em alguns setores dependentes de novas alternativas como imobiliário, energia renovável, infraestrutura, empresas de cunho social e ético, como já vem sendo realizado em outros países.

É verdade que a CVM se propôs a endereçar este vazio por meio da emissão de uma regulação para o investment-based crowdfunding no Brasil, por meio da Instrução CVM nº 588, de 13 de julho 2017, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, alterando dispositivos da Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, da Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, da Instrução CVM nº 510, de 5 de dezembro de 2011, e da Instrução CVM nº 541, de 20 de dezembro de 2013.

Entretanto, embora permita que empresas com receita anual de até R$ 10 milhões de reais realizem ofertas por meio de financiamento coletivo na internet com dispensa automática de registro de oferta e de emissor na CVM, a nova regulamentação se deu em um contexto de ausência de estudos sistemáticos sobre o tema, faltando uma compreensão empírica do potencial e desafios desse mercado no Brasil, especialmente para o setor de infraestrutura de interesse social.

A Instrução CVM nº 588 está nitidamente restrita ao mercado de empreendedorismo (startups), sem maior preocupação com as especificidades de outros setores como o imobiliário e o mercado de infraestrutura que poderiam se beneficiar de uma regulação mais abrangente. A verdade é que, para esses mercados, a nova regulamentação afigura-se inadequada ou até mesmo prejudicial ao desenvolvimento do investment-based crowdfunding, produzindo-se o que se costuma denominar “externalidade negativa” da ação regulatória, uma verdadeira “falha de regulação” que, na definição de Cass Sustein (em sua obra “after the rights revolution”), configura-se a partir de um desvio que compromete a racionalidade do regulador, com prejuízo ao equilíbrio dos interesses e consequências sistêmicas indesejadas.

Exemplos dessa inadequação para outros setores são a limitação de investimento em empresas com receita bruta anual abaixo de 10 (dez) milhões de reais; o limite anual de captação de 5 (cinco) milhões de reais e o limite de investimento anual limitado a até 10 (dez) mil reais para investidores de varejo, todas medidas que não fazem o mesmo sentido para outros mercados potenciais como o de infraestrutura pública, por exemplo, mesmo a de pequeno porte.

Por isso tanto para o regulador brasileiro, quanto para os formadores de políticas, e ainda para os investidores e empreendedores em geral, é importante entender quais são os mercados que já foram desenvolvidos fora do Brasil, seu potencial de tradução para a realidade nacional, assim como ter a clareza de seus benefícios, riscos e potencialidades. Sem uma avaliação mais abrangente e sistêmica, perde-se uma grande oportunidade.

Embora o crowdfunding seja um instrumento de financiamento novo, o mercado de equity crowdfunding no Brasil já demonstra sinais de vitalidade, com benefícios reais para a economia brasileira. Em 2015 foram feitas 43 ofertas públicas de equity crowdfunding no Brasil, totalizando R$ 22,5 milhões. Esse número ainda é ínfimo quando comparado a mercados maduros como o dos Estados Unidos que transacionou USD 2,1 bilhões. No Reino Unido, onde o mercado se desenvolveu bastante, foram investidos GBP 332 milhões em plataformas de equity crowdfunding em 2015.

Mas o fato é que há enorme oportunidade de expandir o crowdfunding além do seu estado nascente – restrito como veículo financeiro baseado em doações ou voltado quase exclusivamente para o empreendedorismo e inovação –, para uma ferramenta de investimento da sociedade em projetos que proporcionem melhoria da qualidade de vida por meio do acesso e do aumento da qualidade dos serviços públicos ofertados aos cidadãos.

No setor de infraestrutura de interesse público, a utilização do crowdfunding pode proporcionar maior transparência relacionada aos riscos de investimentos em PPPs, por meio de documentos abertos que poderiam ser acessíveis publicamente na plataforma de crowdfunding para investidores interessados. Depois que o investimento é realizado, atualizados os documentos, auditadas as demonstrações financeiras, relatórios de progresso parciais ou qualquer outra documentação relevante pode também ser provida aos investidores para que eles tenham as informações necessárias para avaliar a performance de seus investimentos.

Mais importante ainda, investimentos via crowdfunding para o financiamento de empreendimentos de PPP podem ajudar a viabilizar projetos sustentáveis de infraestrutura, na medida em que, se os responsáveis pelo projeto demonstram um retorno social associado com a sustentabilidade do seu projeto, investidores talvez aceitem um retorno do financiamento mais baixo, portanto diminuindo o custo do capital, e incrementando a viabilidade econômica do projeto.

A despeito de todas as dificuldades inerentes aos riscos dessa modalidade de investimento e aos empreendimentos em si – a demandar um cuidadoso exame e alguma sofisticação dos mecanismos de proteção ao investimento – a verdade é que, com a enorme carência de infraestrutura pública e com a demanda social crescente de investimentos em serviços públicos de qualidade, somada à evidente escassez de fontes mais tradicionais de recursos, o Brasil não pode simplesmente negligenciar a introdução de alternativas de financiamento de infraestruturas de relevante interesse social, tornando-se por isso imperativa a necessidade de se considerar como estratégia de financiamento inovadora a alternativa do investment-based crowdfunding para a viabilização de pequenos projetos de infraestrutura, o que somente será possível por meio do seu adequado tratamento jurídico e regulatório, ainda ausente entre nós.

Nota dos autores: este artigo foi inspirado e reproduz em parte o texto intitulado “Funding Municipal Infrastructure: Integrating Project Finance and Crowdfunding” (Gasparro, Kate. Stanford University. Global Project Center. National Science Foundation, 2015), com adaptações para a realidade brasileira, nova abordagem e opiniões. Tradução livre.

(Este artigo reflete as opiniões dos autores, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações)

Share this

Desenvolvido em Drupal por Garcia & Rodrigues