Artigo: Mudanças societárias, estratégia de saída, custos de transação e a situação das concessões de aeroportos

Notícias publicadas no jornal O Estado de São Paulo (“Para fazer caixa, construtoras põem ativos à venda”) e no Valor Econômico (“Em crise, Engevix estuda venda de aeroportos, hidrelétricas e estaleiro”), ambas de 7 de janeiro, revelaram que grupos econômicos com origem e presença na indústria da construção e que foram mencionados nas investigações da “Operação Lava Jato”, a saber OAS, Engevix e UTC, poderão avaliar a venda de alguns de seus ativos para mitigar desafios financeiros de curto prazo.

As matérias indicam que poderão ser vendidas as participações acionárias dos grupos econômicos vinculadas respectivamente às concessões dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos. As construtoras mencionadas acima, segundo os jornais, teriam apetites diferentes para vender suas participações em tais concessões federais.

Essa situação expõe uma temática relevante quando estamos a falar sobre estratégias de investimento em concessões e parcerias público-privadas (PPPs): as normas dos contratos de concessão que regulamentam a venda da participação acionária nas concessionárias (as sociedades de propósito específico - SPEs) podem gerar maiores ou menores custos de transação no momento do eventual exercício da saída do investidor.

No modelo de concessão de aeroportos do governo federal é importante lembrar que a concessionária é composta pela Infraero (49%) e pelo acionista privado (consórcio que apresentou a melhor proposta na licitação, com 51%). O contrato de concessão estabelece que:

(i) “durante todo o prazo da concessão, a concessionária e o acionista privado não poderão realizar qualquer modificação direta ou indireta nos respectivos controles societários ou transferir a concessão sem a prévia e expressa anuência da ANAC, sob pena de caducidade”; e

(ii) “nos 5 (cinco) primeiros anos do prazo da concessão, contados da data de eficácia, serão observadas as seguintes regras: o acionista privado deverá manter, no mínimo, 51% das ações com direito a voto da concessionária, não sendo permitida a alienação de ações a terceiros ou a realização de oferta pública; e a mudança de composição acionária do acionista privado que não implique mudança de controle societário somente poderá ser efetuada mediante prévia e expressa anuência da ANAC”.

Ou seja, o contrato estabelece limitações à liberdade do acionista privado, assim como competências da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que condicionam a eventual estratégia de saída ou venda de controle por parte do investidor (acionista privado).

No caso da concessão do aeroporto de Guarulhos, a eventual venda da participação da OAS não seria limitada pelas regras indicadas acima, pois, neste contrato, o acionista privado é formado por Invepar (90%) e ACSA (10%). A OAS Investimentos S.A. é sócia da Invepar, logo, neste caso, a venda da participação da OAS na Invepar (24,4%), ao que parece, não demandaria controles regulatórios por parte da ANAC.

Entretanto, o cenário já não é tão simples no caso da concessão do aeroporto de Campinas. Neste caso, o acionista privado é formado por UTC Participações S.A. (45%), TPI - Triunfo Participações e Investimentos S.A. (45%) e Egis Airport Operation (10%). Há, portanto, no mínimo algum espaço para análises adicionais sobre a seguinte questão: a venda da participação da UTC implica em uma alteração direta ou indireta no controle do acionista privado?

Além dessa questão, a eventual venda da participação da UTC, mesmo se ela não implicar na mudança de controle societário do acionista privado, depende de prévia e expressa anuência da ANAC nos primeiros cinco anos do prazo da concessão. O mesmo ocorre no caso do aeroporto de Brasília, onde o acionista privado é formado pelo Grupo Engevix (50%) e pela Corporación América (50%).

Em resumo, investidores que têm interesse em disputar licitações de projetos de concessão e parceria público-privada (PPP) devem pensar antecipadamente nas estratégias e arranjos societários que mitiguem custos de transação na eventualidade de se optar pela venda de sua participação na concessão. A estratégia de saída deve estar alinhada, portanto, com uma estratégia societária e uma rigorosa análise das regras do contrato de concessão.

No caso dos três aeroportos, a OAS, ao que parece, é a que terá menos constrangimentos regulatórios para vender sua participação indireta na concessão, enquanto sócia da Invepar.

As notícias sobre as eventuais vendas de participações das construtoras em aeroportos federais também podem revelar algo interessante: a precificação dos ativos, passados poucos anos da licitação, será um teste sobre a qualidade das propostas econômicas apresentadas pelos licitantes vencedores, que foram aqueles que ofereceram os maiores valores de outorga para a União, assim como sobre a qualidade das decisões de investimento já implementadas pelas concessionárias.

Teremos, portanto, um novo teste de mercado, que também será público na medida em que a ANAC deverá previa e expressamente anuir com as operações societárias. Haverá subsídios para que possamos perceber se os preços das participações a serem eventualmente vendidas refletirão uma percepção de credulidade ou incredulidade dos eventuais compradores em relação às propostas econômicas ofertadas no começo de 2012.

A venda de participações acionárias em sociedades de propósito específico (SPE) é um novo teste de mercado sobre a robustez do projeto, do modelo de negócio e das tomadas de decisões já realizadas pela concessionária.

Nota do autor e informações complementares: artigo escrito em 8 de janeiro. Recentemente a OAS Investimentos S.A. transferiu suas ações na Invepar para a OAS Infraestruturas S.A. com o objetivo de reestruturar as participações societárias do Grupo OAS na Invepar (http://ri.invepar.com.br/invepar/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&tipo=43909...). A OAS participa do bloco de controle da Invepar. Na página eletrônica da ANAC não foi possível confirmar se a UTC é o grupo controlador do acionista privado na concessão de Campinas, assim como não foi possível confirmar se a Engevix é o grupo controlador do acionista privado no caso da concessão de Brasília. No site da ANAC, não foram disponibilizados as cópias assinadas do Anexo 1 dos respectivos contratos de concessão dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Viracopos (Termo de compromisso sobre as obrigações do grupo controlador), documento que revelaria o nome do controlador do acionista privado. A visita à página eletrônica da ANAC foi realizada em 7 de janeiro de 2015. A cópia digitalizada do Anexo 1 assinado está faltando nos três contratos de concessão: http://www2.anac.gov.br/Concessoes/concessoes_vigentes/gru/contrato_e_an..., http://www2.anac.gov.br/Concessoes/concessoes_vigentes/vcp/contrato_e_an..., http://www2.anac.gov.br/Concessoes/concessoes_vigentes/bsb/outros_docume....

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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