Artigo: O fim da era da timidez e do improviso - percepções iniciais sobre o PPI

Na entrevista veiculada no dia 15 de maio, concedida para o programa “Fantástico” da Rede Globo, o Presidente Interino Michel Temer falou sobre exemplos de “instrumentos que simbolicamente produziram efeitos” implantados em sua trajetória de gestor público, especialmente quando foi Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Ele afirmou, em tom de conclusão, que “há coisas simbólicas que não demandam orçamento, não demandam dinheiro, e produzem efeito”.

Ao reler a Medida Provisória nº 727/2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI, e ao contextualizá-la com as recentes declarações de Ministros nomeados pelo Presidente Interino sobre infraestrutura e concessões, percebe-se uma eventual conexão entre as colocações do Presidente e o tema do PPI.

A intensidade com que o tema das concessões e PPPs vem sendo tratado nos discursos das recentemente empossadas autoridades federais, somada à publicação das normas do PPI e à nomeação de Moreira Franco como Secretário Executivo do PPI (de algum modo tardia, publicada no Diário Oficial de 30 de maio), definem fundamentalmente os contornos ainda intangíveis que sinalizam algumas das prioridades para a gestão de Michel Temer no campo da infraestrutura.

Até o momento, o PPI é uma medida que dialoga intensamente com o campo do simbólico, tangenciando de modo incipiente o campo da efetividade, como é natural em função do pouco tempo transcorrido desde a sua publicação. Entretanto, há potencial para que o PPI alcance a efetividade que promete.

Esse artigo reflete percepções iniciais sobre PPI, assim como contextualiza uma aparente nova era que se inicia, caracterizada pelo fim da timidez com que o governo federal encarou o tema das PPPs e concessões nos últimos anos.

 

A era da timidez com as concessões e PPPs

Durante os debates eleitorais que pautaram a eleição presidencial de 2010, os cidadãos escolheram, consciente ou inconscientemente, destinar seus votos majoritariamente para a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, que defendeu o fortalecimento das empresas públicas no contexto de um discurso que, na essência, parecia ser contrário a qualquer modalidade de contratação que implicasse uma relação orgânica e de longo prazo com a iniciativa privada (“Essa é a grande diferença entre nosso projeto de governo e o projeto da turma do contra. Nós acreditamos que o fortalecimento das nossas empresas é bom para todo o povo brasileiro. Eles só pensam em vender o patrimônio público”[1]).

Nada na campanha eleitoral de Dilma Rousseff de 2010 sinalizava que lançaria um plano de concessões ou PPPs. Entretanto, em 2012, em função dos desafios gerenciais do DNIT, VALEC e INFRAERO, foi divulgado o Programa de Investimentos em Logística (PIL), em 15 de agosto, com foco em rodovias e ferrovias (ao longo de 2012, foram divulgados os projetos para os segmentos de aeroportos e portos).

No discurso de agosto de 2012, a Presidente disse: “As parcerias que estamos propondo em rodovias, concessões, e ferrovias, PPP, são muito atraentes em termos de rentabilidade, de risco e de financiamento. Meu governo reconhece as parcerias com o setor privado como essenciais à continuidade e aceleração do crescimento”[2].

Naquela ocasião a iniciativa privada viu o movimento com bastante entusiasmo[3], a despeito de não haver indícios de que a política pública de concessões e PPPs era orgânica. O otimismo sombreou o receio: como que o governo decorrente de uma campanha eleitoral sem compromisso em separar privatização de concessão ou PPP, sem defender a participação da iniciativa privada no financiamento da infraestrutura, poderia abraçar com gosto a pauta das concessões e PPPs?

De fato, essa incoerência entre a campanha de 2010 e o lançamento do PIL explicitou-se nas eleições de 2014, momento em que a campanha de Dilma Rousseff não repetiu a mesma estratégia de 2010. Já durante o ano de 2013 o Partido dos Trabalhadores passou a publicar conteúdos explicando as diferenças entre privatização e concessão[4].

A partir do momento que o governo Dilma Rousseff, em agosto de 2012, canalizou alguma força para desenhar políticas públicas focadas em concessões, abriu-se espaço para algum avanço civilizatório no debate público, pois, a partir daquele momento, o governo federal e o Partido dos Trabalhadores deveria explicitar as diferenças entre privatização e concessões.

O entusiasmo com o lançamento do PIL foi gradativamente perdendo força. Quer seja por fatores circunstanciais (perda da credibilidade macroeconômica, fiscal e regulatória), quer seja por problemas específicos de cada projeto (concessões com institutos mal desenhados, desafios para o financiamento, modelos econômico-financeiros otimistas, investimentos estimados subvalorizados e desequilíbrio entre risco e retorno para o investidor).

A perda de credibilidade do PIL decorreu de um “pecado original” associado ao programa: o governo de Dilma Rousseff não tinha essa política como prioritária. Em não havendo convicção pela política, ela dificilmente é implantada com qualidade. Logo, o PIL essencialmente inaugurou uma era da timidez nas concessões: foram planejadas concessões, mas não foram fortalecidas as agências reguladoras; foram licitadas concessões, mas não houve ações reais para engajar a participação dos bancos privados; foram promovidas as concessões, com roadshows pouco efetivos na atração de investidores estrangeiros, literalmente para “inglês ver”; foram feitas concorrências, mas as pessoas que tomavam as decisões tinham preconceitos fundamentalmente contrários à essência do modelo.

De algum modo, as fotos dos lançamentos do PIL (agosto de 2012) e da segunda etapa do PIL (junho de 2015) captam essa perda de legitimidade: no primeiro caso, apenas o Ministro dos Transportes e os respectivos Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados acompanharam Dilma Rousseff no palco da cerimônia de lançamento[5]; no último, diversos Ministros e Governadores acompanharam a Presidente no palco da cerimônia de lançamento[6]. A segunda etapa do PIL foi mais um ato político, de tentativa de integração das forças políticas e da iniciativa privada em torno do tema da infraestrutura, do que o lançamento da segunda etapa de um programa de infraestrutura desejado pelo governo.

Essas breves notas servem apenas para apresentar uma hipótese provocativa: as concessões de infraestrutura do governo Dilma Rousseff não eram políticas públicas desejadas e apenas vieram à tona em função de inabilidades gerenciais de estatais e autarquias.  A despeito do esforço de alguns gestores públicos, técnicos abnegados, a luta diária para tentar implantar o PIL foi cedendo aos preconceitos das autoridades públicas que se filiavam às concepções da candidatura de Dilma Rousseff nas eleições de 2010, resumida na frase “Nós acreditamos que o fortalecimento das nossas empresas [estatais] é bom para todo o povo brasileiro”.

Na prática, INFRAERO, DNIT e VALEC perderam espaço no primeiro governo Dilma e as concessões foram encaradas como circunstância indesejada, mas única solução observável, e não como política pública estável ou como estratégia sólida para o provimento de infraestrutura e serviços públicos de qualidade.

Em 2015, com a segunda etapa do PIL, assim como no caso do ensaio com o “PPP Mais”, tentou-se usar o “desfibrilador” para reanimar a economia, mas os corações da economia, do governo e da iniciativa privada já batiam fracos demais.

O ciclo, então, pode ser resumido em: (i) ausência de honestidade intelectual no tratamento das privatizações e concessões no debate político eleitoral de 2010; (ii) ausência de honestidade intelectual e puro pragmatismo na tentativa de criar políticas públicas para as concessões e PPPs a partir de 2012; e (iii) descrença de que a pauta das concessões e PPPs deve ser tratada como política pública, não ato esporádico e ilhado.

Em função da publicação da Medida Provisória nº 727/2016, espera-se que a era da timidez com que as concessões e PPPs foram tratadas em âmbito federal seja encerrada. Esse tema precisa ser gerido por quem acredita no modelo, não por quem trabalha diariamente para desnaturá-lo e transformá-lo em algo que não é.

O momento não é dos mais fáceis, pelo contrário. O desafio é similar ao de construir um edifício em terreno recentemente impactado por terremotos, sendo que os terremotos podem voltar a qualquer momento.

 

Os desafios para que o PPI seja efetivo no curto prazo e sólido no médio prazo

Em um ambiente institucional pálido, a publicação de um conjunto normativo como a Medida Provisória do PPI já é motivo para alguma excitação.

No curto prazo, o PPI parece ser uma tentativa real de consolidar a experiência com concessões e PPPs nos últimos anos, inclusive em âmbito subnacional. Entretanto, para que isso seja uma realidade, muitos desafios deverão ser superados.

O PPI não nasce apenas em ambiente político, econômico e fiscal extremamente complexo. O PPI nasce sem que tenha sido antecedido de debate público de qualidade sobre os desafios do Estado brasileiro no contexto da infraestrutura, dos serviços públicos e dos papéis do Estado e da iniciativa privada. Logo, até mesmo a narrativa do PPI da porta para fora do governo, no formato de campanha de comunicação, que normalmente poderia ter antecedido seu lançamento ou ser prontamente iniciada posteriormente, é um pilar sobre o qual não se tem notícias.

As análises recentemente publicadas a respeito do PPI têm um caráter de síntese dos seus dispositivos[7]. Essa não será a pretensão dos próximos parágrafos. A partir de agora selecionei alguns poucos itens do PPI que, ao meu ver, demandam tratamento explícito do governo para “separar o joio do trigo” dos anúncios governamentais aos quais o país ficou acostumado nos últimos anos no campo da infraestrutura. Os pontos são os seguintes:

  • Criação do Conselho do PPI: a promessa associada ao Conselho é a possibilidade de tratar as diferentes modalidades de contrato de longo prazo de modo mais racional e menos aleatório. Os projetos priorizados no âmbito do PPI serão definidos via decreto e há um trabalho intenso a ser feito pela Secretaria Executiva do PPI para que a qualidade da deliberação pública seja maior do que a dos últimos anos;

  • Colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios: a experiência com PPPs é fundamentalmente subnacional. A União, a despeito de movimentos esporádicos, ficou distante do tema das PPPs. No âmbito do PPI, essa circunstância pode e deve ser alterada;

  • Secretaria Executiva efetiva no Conselho: sem uma Secretaria Executiva ativa, o Conselho será meramente formal, como foi o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal - CGP. Nos últimos anos, o CGP mal se reunia. As competências, composição e funcionamento da Secretaria Executiva do PPI serão estabelecidas via decreto, que será uma peça fundamental para a credibilidade do PPI, assim como os nomes que comporão as três Secretarias e o Gabinete, previstos no organograma da Secretaria Executiva do PPI;

  • Interações com mercado na fase de planejamento e estruturação dos projetos: esse foi um dos temas principais tratados pela Medida Provisória. Foi conceituada a figura do procedimento preliminar, em que não há a possibilidade de ressarcimento ao autor de projetos, levantamentos, investigações ou estudos sobre características básicas de um projeto. Foi criado o Procedimento de Autorização dos Estudos (PAE), instituto associada ao tradicional Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), respaldado pelo artigo 21 da Lei Federal nº 8.987/95, com foco em estruturação integrada ou no estudo de matérias específicas. E, por fim, foi autorizada a criação, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias. Quanto ao PAE, ele poderá ser exclusivo e com neutralidade do interessado na futura licitação quando o poder público quiser apoio até a celebração do contrato (“estruturação integrada ou de liberação”). Ou seja, quando os estudos forem de matérias específicas, faria menos sentido que fosse exclusivo. O ponto fundamental é que vários países estruturam suas concorrências prevendo fases de interações com o mercado interessado em etapas que antecedem a apresentação da proposta que define o licitante vencedor. Os novos conceitos previstos na Medida Provisória parecem não sinalizar uma ruptura nesse campo, mas sim parecem estabelecer um maior leque de possibilidades para uma tomada de decisão consciente na fase de selecionar a melhor estratégia para a obtenção dos estudos de viabilidade e para a definição sobre as interações com o mercado que antecedem a concorrência.

 

A Medida Provisória foi percebida como algo positivo, sendo que cabe agora ao governo federal a tarefa mais difícil: tomar medidas de regulamentação e implantação da arquitetura institucional do PPI, sob pena de que, superada a era da timidez, permaneça a era do improviso.

 

Considerações finais: o fim da era do improviso?

A Medida Provisória foi um passo adequado, mas, diante do quadro de preocupações existentes, gerou apenas um otimismo contido e de curtíssimo prazo. O PPI remonta a algumas das ideias do “PPP Mais”, imaginado durante a gestão de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, principalmente no que diz respeito a agilidade na tramitação dos projetos e inovações institucionais para o desenvolvimento dos estudos de viabilidade.

A publicação do(s) decreto(s) que regulamentam a Secretaria Executiva é decisiva, pois é o primeiro passo em que o PPI poderá mostrar a que veio. É fundamental que seja feito um esforço de disseminação de cultura sobre PPPs e concessões, assim como a construção de um legado institucional no tema, para que um pipeline seja priorizado e licitado, com racionalidade e engajamento do mercado interessado.

A implantação do Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias, pelo BNDES, assim como o início de alguns novos estudos de viabilidade, são ações que consomem alguns meses para serem implementadas. Como já vem sendo publicado na imprensa, o esforço inicial do PPI é de retomar a carteira de projetos que vinha sendo conduzida pelo governo de Dilma Rousseff. Sem dúvida que é uma medida prática e necessária, mas que não pode consumir todos os recursos e reputação associada ao PPI.

Não é possível esquecer que na primeira reunião ministerial do segundo mandato de Dilma Rousseff, a Presidente disse: “Já iniciamos também a definição de uma nova carteira de investimentos em infraestrutura. Nós vamos ampliar tanto as concessões como as autorizações de infraestrutura ao setor privado”[8].

O que se espera é que não tenhamos mais carteiras de projetos justificadas com pouca racionalidade e revisitadas com descontinuidade de tempos em tempos. O destino do PPI é criar e consolidar mecanismos de gestão perenes, para que, a cada terremoto, não seja necessário levantar novos edifícios do zero.

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

 

[1] Vídeo da campanha, “É justo privatizar a Petrobras e o pré-sal?”. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=qPP4WviuNuI

[2] http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-...

[3] Outra sinalização normativa da época foi a autorização normativa, prevista em Medida Provisória, depois convertida em lei, da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A. – ABGF.

[4] Um exemplo de peça de comunicação pode ser visto aqui: http://causameespecie.blogspot.com.br/2013_11_01_archive.html

[5] http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-...

[6] http://www.planejamento.gov.br/assuntos/programa-de-investimento-em-logistica-pil/noticias/governo-lanca-segunda-etapa-do-programa-de-investimento-em-logistica e http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-presidenta/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-durante-cerimonia-de-anuncio-da-nova-etapa-do-programa-de-investimento-em-logistica-brasilia-df

[7] Ver artigo de Carlos Ari Sundfeld, “Desafios do Governo Temer para Recuperar a Regulação e as Parcerias: as respostas da MP 727”. Fonte: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/carlos-ari-sundfeld/desafios-do-governo-temer-para-recuperar-a-regulacao-e-as-parcerias-as-respostas-da-mp-727

[8] http://blog.planalto.gov.br/direitos-trabalhistas-sao-intocaveis-e-ajuste-fiscal-sera-feito-sem-revoga-los-afirma-presidenta-dilma/

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