Artigo: O nó górdio das concessões ferroviárias

Recente relatório divulgado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), sobre as concessões federais licitadas em 2013, indica que o Governo Federal segue implementando o Plano de Investimento em Logística, tendo concluído o ano de 2013 com a entrega da concessão de cinco trechos rodoviários e de dois terminais aeroportuários (Confins e Galeão), contratos que em conjunto garantem investimentos na ordem de R$ 35,7 bilhões. Sem considerar as concessões realizadas no mesmo período nos setores portuários e de energia.

Ainda que não seja o objeto desta reflexão, há que se por ressalvas no êxito aclamando pelo Planalto com relação ao referido programa de concessões; e isto se deve em boa parte à prorrogação do leilão para o Trem de Alta Velocidade (TAV), fato que frustrou principalmente as empresas estrangeiras que vinham desenvolvendo estudos para este projeto, e ao descompasso entre o cronograma do programa de concessões ferroviárias e a sua concreta implantação. Efetivos indícios apontam que o Governo deve voltar atenção para este último segmento, entretanto, nada mais se falou com relação ao audacioso projeto do TAV, que deverá entrar em pauta apenas no próximo mandado presidencial.

Os efetivos indícios acima apontados dizem respeito à tentativa do Governo Federal para ultrapassar aquilo que tem sido considerado o “nó górdio” para implantação do programa de concessões ferroviárias: a chamada garantia VALEC. Entre as medidas tomadas pela União se pode citar o art. 2º, da Lei 12.872/2013, resultado da conversão da MP n° 618, que autoriza o aumento do capital social da VALEC no montante de até R$ 15 bilhões de reais, para fins especifico de viabilizar a garantia em favor das concessionárias.

Cabe uma breve nota para lembrar o formato desenhado para o programa das concessões ferroviárias. Na linha do que já havia sido anunciada pelo governo, a opção adotada pela ANTT foi a concessão comum, regida pela Lei 8987/95, na qual a concessionária assume a responsabilidade pela construção e operação da infraestrutura ferroviária. A remuneração da concessionária será fundamentalmente, mas não exclusivamente, composta pela cessão onerosa da integralidade da capacidade operacional da malha à VALEC, que, por meio de ofertas públicas, disporá desta capacidade às empresas com atuação em logística. O objetivo deste modelo era eliminar o risco de demanda, tido como intransponível pelo setor privado.

Ocorre que ao eliminar o risco de demanda, o setor privado, interessado em investir no setor, vê-se agora diante de outro risco: o risco de inadimplência da VALEC; uma vez que os editais e contratos (e seus anexos) já disponibilizados não indicam qual será a garantia oferecida pela VALEC à concessionária, como meio de minimizar eventuais frustrações no pagamento devido pela cessão da capacidade operacional da malha. Tal risco se avulta quando se leva em consideração que parte daquela remuneração será antecipada para reduzir o custo de capital da concessionária na fase de construção.

Foi no sentido de estruturar uma garantia à concessionária que a UNIÃO editou a norma acima mencionada, cujo objetivo foi, basicamente, (i) segregar recursos na ordem de R$ 15 bilhões para fazer frente aos compromissos com as concessionárias e (ii) qualificar estes recursos como títulos da dívida pública. O problema é que a Lei nº 12.872/2013 ainda deixa em aberto uma série de questões relacionadas à efetiva liquidez dos títulos públicos e os caminhos para que a concessionária possa proceder a sua execução na hipótese de inadimplemento da VALEC; questões que ficaram a ser regulamentadas por ato do Ministério da Fazenda.

Até a conclusão do presente estudo, ainda não havia qualquer manifestação formal do Ministério da Fazenda no sentido de regulamentar o modelo da “garantia VALEC”, resolvendo, assim, aquelas questões que permanecem pouco claras.

Sem uma definição objetiva deste ponto, vislumbra-se que haverá certa dificuldade para viabilização do financiamento sob o formato project finance; uma vez que a principal característica deste mecanismo de funding é a firmeza da garantia que será oferecida pela concessionária; em outras palavras, a segurança de que o fluxo de caixa do empreendimento não sofrerá oscilações em decorrência de eventual inadimplemento da VALEC. Deste modo, o conforto exigido pelo financiador reside, em última instância, na solidez da garantia que será ofertada pela VALEC em favor da concessionária.

Em que pese a manifesta intenção do governo em viabilizar um modelo de concessão atrativo para o investidor privado, fato que deve ser reconhecido, é possível observar certo acanhamento na proposição de estruturas de garantias mais arrojadas e menos dependentes de expedientes e/ou instituições de direito público, suscetíveis de influência e ações oportunísticas por parte dos agentes políticos (risco Brasil).

Neste cenário, trazer uma solução não compatibilizada com os anseios do investidor representa um efetivo risco de frustração do programa de concessões ferroviárias por ausência de interessados, pois, enquanto não desatado este nó da garantia VALEC, acredita-se que o setor privado avaliará com conservadorismo a decisão de ingressar neste empreendimento tão necessário para o país.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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