Artigo: O novo "novíssimo modelo" do setor elétrico

Rosane M. Lohbauer

Rodrigo M. Santos

 

As medidas anunciadas na semana passada pelo governo federal, relativas à prorrogação das concessões no setor elétrico, marcaram o fim do modelo setorial introduzido em 2003 (MP 144/03, convertida na Lei nº 10.848/01), também chamado de "Novíssimo Modelo".

Tal afirmação decorre do fato de a medida provisória nº 579/12 (que refletiu as medidas anunciadas) ter ignorado as próprias bases daquele modelo, ou pelo menos as afastado em grande parte de suas disposições. Senão vejamos.

O Novíssimo Modelo se sustentava nos seguintes pilares: 1) a competição na geração; 2) planejamento central e garantia da segurança do suprimento de energia elétrica; 3) a coexistência de dois ambientes de contratação de energia, um Livre (ACL) e outro Regulado (ACR); 4) a desvinculação do serviço de distribuição de qualquer outra atividade; e 5) a modicidade tarifária. Em primeira análise a quase totalidade desses pilares foram abalados pelas medidas anunciadas.

A competição na geração foi inicialmente instituída por meio da Lei 9.074/95, que criou a figura do Produtor Independente de Energia Elétrica como sendo "a pessoa jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização do poder concedente, para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco". Estas previsões, trazidas inicialmente pelo modelo de 1995, permaneceram intactas no Novíssimo Modelo, sendo que mesmos os geradores que vendiam energia por meio dos leilões se revestiam da figura de produtor independente e se submetiam à competição (bastante acirrada, por sinal) nos leilões.

Essa competição, todavia, foi simplesmente extinta para aproximadamente 20% do parque gerador nacional. Isso porque, com a prorrogação, as concessionárias entregarão a totalidade da energia gerada às distribuidoras, no ACR, sendo remuneradas por tarifa, definida pelo poder concedente. Ou seja, para esses agentes não existirá qualquer competição, nem ex ante, por meio de leilões, nem ex post, por meio de venda de energia a preços livremente pactuados e competitivos.

Por outro lado, o planejamento centralizado e a garantia do suprimento também ficarão prejudicados, uma vez que intimamente ligados à realização dos leilões de energia e, mais, a demanda das distribuidoras (que já estavam sobrecontratadas) ficará ainda mais reprimida diante da alocação de uma enorme quantidade de energia elétrica no ACR. Isto porque boa parte da energia elétrica gerada por estas usinas estava alocada no mercado livre, o que não será mais permitido segundo as novas regras. Assim, a redução da demanda das distribuidoras acarretará, automaticamente, a redução da realização dos leilões (ao menos segundo a atual lógica), prejudicando a coerência do modelo.

Já em relação à convivência dos ambientes Livre e Regulado, cabe dizer que as medidas também não seguiram a lógica do novo modelo. Ao alocar a energia gerada pelas usinas prorrogadas exclusivamente no mercado regulado, a MP 579/12, de uma só vez, diminuiu a oferta de energia elétrica no ACL e reduziu consideravelmente o custo da energia elétrica no ACR (custo este que é repassado para a tarifa). Isto, em última instância, deve gerar uma pressão para a redução dos preços no ACL, a fim de evitar a "fuga" de consumidores em direção ao ambiente regulado, e, por outro lado, um sinal econômico de aumento de preços, diante da redução da oferta. Ou seja, o ACL perdeu oferta, mas não poderá responder com aumento de preços, sob pena de sua inviabilização, diante da perda de mercado consumidor. Esta situação inusitada, em primeira análise, será um grande desafio ao desenvolvimento do mercado livre.

Ainda sobre esta convivência pacífica entre mercados livre e regulado, vale dizer que a MP também introduziu sutil alteração legal, acabando por dificultar ainda mais a manutenção do mercado consumidor no ACL. A alteração do art. 28, §5º, da Lei 9.427/96, introduziu a obrigação aos consumidores chamados de Especiais, com carga maior ou igual a 500 kW, de respeitar os prazos impostos aos Consumidores Livres no que tange a migração ao Mercado Livre e o retorno ao ACR. Assim, a decisão destes consumidores de migrar se torna mais sensível, pois eventual retorno à distribuidora deverá esperar 5 anos, a princípio.

Em relação à desvinculação da distribuição das demais atividades setoriais, esta premissa também foi afetada, ainda que indiretamente, pois, segundo as novas regras, a garantia física das usinas renovadas será alocada às distribuidoras por meio de cotas. Assim, as distribuidoras terão uma determinada quantidade de energia elétrica (Garantia Física) que, apesar de não ter sido por elas gerada, será de sua titularidade pelo prazo de 30 anos. Ainda, a MP atribui às concessionárias de distribuição a responsabilidade por gerir, inclusive, o risco hidrológico atinentes à geração, o que efetivamente as equipara, de certa forma, a um agente gerador. Assim, as novas regras instigam as distribuidoras a considerar a "venda" de energia como um negócio, quando, na verdade, o papel destas concessionárias seria somente o de distribuí-la por meio de sua rede.

Resta, somente, a modicidade tarifária, que acabou por conduzir todas estas mudanças. Efetivamente as disposições da MP 579/12 acarretaram a redução da tarifa de energia elétrica. A questão que se impõe é se, ao final, esta redução, da maneira como foi posta, não poderá carrear maior custo para o setor e, consequentemente, para a sociedade.

A resposta a essa questão, no entanto, ainda é incerta e não se pode afirmar com segurança como serão efetivamente implantadas as novas regras e de que forma o mercado irá se comportar diante do "Novo Novíssimo Modelo".

 

Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, em 17 de setembro de 2012

(Este artigo reflete as opiniões dos autores, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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