Artigo: O que deixamos de aprender com as concessões

Quem desconhece a história brasileira, pode achar natural que o governo hesite tanto em definir os modelos de negócios para destravar o atrofiamento da infraestrutura social e econômica do país.

No entanto, temos mais de 160 anos de economia concessionada, com o Estado regulando atividades; e o setor privado estrangeiro e nacional acostumado com sua errática trajetória.

Há muito que apreender com um track record de 160 anos: por exemplo, todas as primeiras concessões introduziram inovações que impactaram a economia imperial.

Antes das concessões das ferrovias e dos portos, em 1852 e 1876, o custo dos fretes representava entre 120% a 150% do preço dos produtos transportados nos lombos de mulas, onerando a cadeia da produção-distribuição-consumo: as ferrovias baixaram esses custos para 35% a 45%. Na iluminação pública da época, ao se passar do óleo de baleia para o gás hidrogênio carbonado novas mudanças ocorreram.  Ainda não era a LED de então (que viria a ser a energia elétrica, 25 anos após o término de uma das várias concessões do Barão de Mauá). Mas, para a época, representou um salto tecnológico que impactou hábitos de consumo e de produção: gerou-se um sem número de atividades intermediárias (a iluminação requereu 20 km de dutos de ferro, incentivando fundições e o uso qualificado da mão de obra) além de prover mais segurança para a população beneficiada.

Outro ponto a destacar era o financiamento. Na época, tesouro britânico pagava em libra esterlina (ouro) entre 2,4% a 3,4% ao ano a quem investisse em seus bonds soberanos: o Tesouro Imperial pagava entre 7% a 12% ao ano a quem investisse capital próprio nas concessões. Não havia risco imperial, eis que a inflação brasileira era de 1,2% ao ano, existia superávit fiscal efetivo (sem mandracarias) e superávit cambial proporcionado por um PIBÃO (para a época) na casa dos 3% ao ano (ou quase 3 vezes mais do que atualmente).

Quem quisesse investir, fazia investimentos diretos para distribuir dividendos entre 8% a 12% ao ano, uma exigência para que se pagassem os juros sobre os capitais investidos: ou seja, o primeiro SLA (Service Level Agreement) requerido do investidor era a fruição do negócio. Aliás, não se investiam em “projetos”; se investiam em “negócios” que poderiam durar até 99 anos.

E se captava dinheiro nas Bolsas de Valores nacionais – que datam de 1820 em sua origem informal –, e que alavancavam os negócios concessionados com “capital de risco” e não com a geração de “dívidas”: os empreendedores arcavam com o risco dos negócios e não exigiam aportes do governo imperial nem mesmo para garantir demanda. Ora, se inexistia demanda, era melhor transferir renda direta a contra garantir perdas que não iriam gerar retorno para ressarcir investimentos de qualquer origem (nacional, estrangeiro ou estatal).

O governo imperial criou um modelo de concessão que hoje chamaríamos de concessão patrocinada.

As flutuações das exportações e a substituição de importações criaram novas demandas por infraestrutura no país, redefinindo as necessidades da matriz de logística de transportes.

A desorganização das finanças públicas após o Império e a inflação resultante da monetização requerida pelo uso do trabalho livre num momento onde sumiram os superávits fiscais e cambiais do país, devido a crises internas e externas, criaram uma nova realidade: não se podiam remarcar os preços das concessões para assegurar investimentos de qualidade.

A desorganização monetária e fiscal redundou na estatização progressiva das concessões. Em um ciclo que levou à criação de uma série de fundos de base fiscal, nacionais e regionais para alavancar investimentos.

Os fundos fiscais se tornaram tão grandes que se criaram bancos públicos para administrá-los.

À banca privada coube participar do esforço de investimentos com empréstimos ponte enquanto se passam até 18 meses de analise de riscos nos bancos públicos que operam recursos de base fiscal (FGTS, PIS PASEP, FAT, FNMM, FUMPRESP, PAC e outros).

Uma sugestão: criar governança efetiva a esses fundos dotadores de poupanças de base fiscal.

Assim, ao invés de seus fluxos serem repassados pelos bancos públicos (exigindo seguidos aportes do Tesouro Nacional) os Fundos repassariam seus recursos aos bancos estatais mas, também, aos privados ou estrangeiros que lhes apresentassem os Negócios de Concessão com maior retorno no tempo.

Aprovado o aporte, os recursos seriam desdobrados em “dívida” e “equity” de forma a garantir a maximização dos retornos. Com isso de uma só vez, se acabariam com o custo dos empréstimos ponte (que são precificados nos preços das concessões) e os spreads e as taxas de risco cobradas pelo passeio (sic) dos recursos pelos bancos públicos.

Com isso, de pronto, se desoneraria o custo final do capital emprestado (pela extirpação dos custos de repasse e de intermediação dos bancos públicos), que é precificado no custo das obras e da operação e é pago no final da linha pelos Tesouros Públicos nas contraprestações das PPP.

Em tempo: os Fundos (os de base fiscal e os fundos de investimento públicos e privados), só deveriam financiar “negócios” e não “projetos” e apenas concessões que trouxessem inovação, atendendo a queda de custos e despesas do usuário final, tal como há 160 anos.

Afinal, se for para fazer mais do mesmo, é só uma questão de tempo para se retomarem as concessões privadas, como nas décadas de 40 e 50 do século passado.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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