Artigo: O ressarcimento de investimentos em projetos de PPP

Alguns contratos de PPP no país têm utilizado a figura de ressarcimento de investimentos como forma de aumentar a viabilidade econômico-financeira de projetos que, de outra forma, talvez não tivessem a atratividade necessária. Como exemplo de tal prática, pode-se mencionar os contratos do Datacenter do Banco do Brasil, a arena multiuso da Copa em Pernambuco, dentre outros. A crescente utilização deste mecanismo tem ocorrido especialmente em projetos que possuem um importante componente de obras civis, seguido, obviamente, da prestação de serviços sobre o escopo de obras.

A utilização desta estratégia gera um conjunto de benefícios para o projeto, e para as partes contratuais, dentre os quais podemos mencionar:

1.    Redução da necessidade de financiamento de investimentos (“capex exposto”) do projeto (seja com recursos próprios ou de terceiros) – trata-se de uma opção que diminui as necessidades de capital para os investimentos planejados pelo projeto, o que contribui, portanto, em última instância, para redução da contraprestação, visto que as amortizações e o serviço da dívida, quando há financiamento de terceiros, tendem a ser menores; isso tende a ser um benefício da utilização deste mecanismo, ainda que possa existir um descasamento temporal e financeiro entre os gastos com as obras e o compromisso de pagamento pelo governo a título de ressarcimento das mesmas, o que gera necessidades de capital de giro momentâneas e a utilização de recursos próprios ou de terceiros até que o ressarcimento se faça presente;

2.    Diminuição das necessidades de garantia pública – a redução de contraprestação pública em razão de uma diminuição do capex exposto contribui para uma menor necessidade de garantias públicas (sejam as vinculadas ao fluxo de pagamentos do governo ou aquelas que dão lastro aos prejuízos, pelos gastos em capex, de uma eventual rescisão contratual unilateral do Poder Público); isso, por sua vez, permite uma alocação menos concentrada e, potencialmente, uma utilização mais eficiente das garantias públicas existentes por outros projetos que, por ventura, o ente federativo possua em carteira;

3.    Melhor utilização do espaço fiscal para PPPs – a legislação atual de PPPs permite que os entes federativos comprometam somente até 3% de suas receitas correntes líquidas com projetos de PPP (*), sem que sofram as sanções previstas em lei; desta forma, a redução de contraprestação engendrada pelo mecanismo de ressarcimento de investimentos termina por contribuir e alavancar mais projetos dentro do espaço fiscal atualmente permitido;

4.    Canal para utilização de recursos com destinação específica (“carimbados”) – os entes federativos encontram neste mecanismo de ressarcimento de investimentos o canal ideal e um instrumento eficaz de execução orçamentária para recursos obtidos em programas de financiamento de investimentos junto a União e/ou outros entes;

 

Embora haja um conjunto de razões para se adotar este mecanismo na estrutura dos contratos de PPP, é importante alertar que o desenho não é de todo universal; há vozes técnicas dissonantes que alegam que a PPP serve exatamente para financiar o investimento, ao longo de um prazo mais longo, e que o ressarcimento de investimentos tenderia exatamente a reduzir este benefício, ao incentivar uma menor necessidade de amortização dos investimentos.

Apesar do contraditório das teses, os benefícios deste mecanismo para a viabilidade de um projeto são inequívocos, já que do ponto de vista financeiro contribui para a redução do payback. É verdade, entretanto, que a sua utilização só é possível quando o ente contratante possui estes recursos previamente em caixa - seja porque dispõe de orçamento excedente, seja porque obteve recursos via outros mecanismos de financiamento. Vale lembrar que o financiamento, que não a custo perdido, pode significar um aumento do endividamento, o que leva à necessidade de espaço para endividamento pelo ente federativo, sem que fique exposto às penalidades pelo não cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A grande desvantagem que ainda persiste sobre o mecanismo é a sua pretensa oneração tributária (*). Vale assinalar que as obras civis de responsabilidade da Sociedade de Propósito Específico (SPE), ente jurídico obrigatório do rito das PPPs, devem ser realizadas por uma construtora ou empresa que tenha objeto social e as qualificações técnicas para tal. A SPE, ainda que possa ter uma construtora como principal acionista, deverá manter com a primeira uma relação de contratação, tal qual a relação que se estabelece com as suas demais partes relacionadas. Assim sendo, a SPE, na ausência de uma regulamentação tributária específica, tende a ser duplamente onerada: paga os tributos (mormente PIS e COFINS) incidentes sobre o custo da obra e paga novamente os mesmos tributos, e o resultado disso em termos dos tributos sobre a renda (Imposto de renda (IR) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL)), quando os recursos do ressarcimento circulam como receita operacional dentro do demonstrativo de resultados da SPE. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma ineficiência tributária que surge da incidência de bitributação de um mesmo bem e serviço. O regime de contratação tradicional possui, neste ponto, a vantagem de não ser onerado pela bitributação, já que o ente público pode contratar diretamente as obras por meio de licitação, sem a necessidade de recorrer a uma SPE.

Essa bitributação é tema controverso em matéria tributária. Já que a regra é prevalente neste caso, fato é que tende, como está, a onerar o modelo de PPP vis-à-vis o modelo tradicional de obras. Além disso, a regra está incompatível com uma política de incentivos mais ativa que estabeleça diretrizes de isenção e privilegie, por premissa, setores e mercados estratégicos de maior valor à sociedade. Se infraestrutura é prioritária, já que possui um multiplicador que surte efeitos positivos diferenciados em outros elos da cadeia produtiva, especialmente em termos de competitividade e bem-estar, por que não privilegiar os investimentos em infraestrutura por meio de um mecanismo de desoneração tributária, ainda que isso signifique maior esforço momentâneo de arrecadação e/ou recomposição dos gastos em outros setores, de forma a manter as metas de superávit fiscal?

Uma política de incentivos mais ativa, que dê um impulso ao desenvolvimento do setor, parece ser o que o Governo Federal teve em mente ao anunciar algumas medidas na semana passada. O anúncio da reunião de governadores parece vir no sentido de desonerar o ressarcimento de investimentos das PPPs, além de aumentar o limite de 3% da Receita Corrente Líquida. Ainda pendente de regulamentação, é importante ressaltar que as medidas anunciadas são bastante salutares e seguem na esteira de que os policymakers devem de fato intervir se querem fazer deslanchar ainda mais o programa de investimentos em infraestrutura e PPPs.

 

(*) As medidas anunciadas pelo Governo Federal na última semana parecem rever esta posição.

(**) O autor agradece as discussões sobre o tema feitas com Bruno Ramos Pereira e Frederico Araújo Turolla.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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