Como se deu nos demais setores historicamente dominados pela presença do Estado (telecomunicações, ferrovias, aeroportos, água e saneamento, energia etc.), os portos brasileiros foram estruturados e sempre funcionaram em cenários não-competitivos.
Havia autoridades públicas a geri-los e, quando muito, a outorgar arrendamentos portuários (nem sempre precedidos de licitação). Como não poderia deixar se ser, há décadas os detentores de tais contratos de exclusividade comportam-se com alguns dos vícios dos monopólios: fazem o preço dentro de casa, sem se preocupar com eventual queda na demanda (que não ocorrerá). Investimentos em eficiência são abominados – sobretudo porque desnecessários. Igualmente, fortes são os esforços – e os argumentos - para impedir o ingresso de novos agentes: desde a questão relativa à “soberania” nacional até a interpretação restritiva da norma constitucional que autoriza a instalação de atividades portuárias em imóveis privados passando pela quase-mágica expressão “serviço público”.
Por isso mesmo, os antigos operadores – e todos os agentes econômicos que dependem organicamente da manutenção do sistema (dentre eles, os trabalhadores e corporações que gozam de vantagens extraordinárias) – resistem bravamente aos novos tempos. Assim, não é devido a um acaso que tanta grita se fez a propósito do projeto de modernização dos portos recentemente divulgado pelo governo federal. Mas fato é que tal programa procura sanar alguns dos vícios que, conforme provado pela História, não são resolvidos naturalmente pelo setor brasileiro de atividades portuárias. O tempo passou – mais de um século, por sinal – e o cachimbo consolidou a boca torta: hoje, só com forte intervenção do Estado se pode tentar a alteração das máximas do setor.
Ora, como se sabe, os portos ocupam um setor sensível da infraestrutura brasileira, responsável pela efetividade do nosso comércio exterior. As importações e exportações brasileiras dependem de portos eficientes – que nem sempre são encontrados em território nacional. Logo, é de interesse público o estabelecimento de políticas positivas a propósito da necessária melhoria das instalações e incremento da eficiência na prestação dos serviços (mais rápidos, melhores e mais baratos). Mas como o Estado pode fazer isso sem imobilizar ainda mais o setor? Como o Estado pode promover tal evolução sem o gasto de verbas públicas monumentais?
A resposta está na MP 595/2012, conjugada com a Lei 11.079/2004. Tal como autorizado pela Constituição aos setores de telecomunicações e energia (e já consolidado na prática desses setores), a atividade portuária pode ser desenvolvida por meio de autorizações – autoriza-se o ingresso no setor, de modo isonômico, a todos aqueles que preencham os requisitos legais e que se disponham a fazer os investimentos necessários à instalação da infraestrutura portuária. Isso pode ser feito em terrenos de domínio privado – logo, sem licitação (que somente é exigida, na Constituição e nas leis, gerais e especiais, para contratos de concessão e de permissão). Os antigos detentores de contratos vencidos devem se submeter a novas licitações (a chamada concorrência ex ante – anterior ao contrato). Demais disso, está mais do que na hora de serem implementadas parcerias público-privadas em tais setores de relevante interesse social. Mais ainda: agora, com certeza absoluta, nem sequer se põe a discussão a propósito da necessidade de comprovação de “carga própria” em terminais privados de uso misto (o que estrangularia a iniciativa privada e impedira a instalação de efetiva competição).
Tais novas medidas são indispensáveis para o desenvolvimento de mercados fechados da envergadura do portuário – onde, paradoxalmente, a concorrência precisa ser criada pelo Estado, a golpes de regulação. Caso exista a competição, os operadores históricos ver-se-ão constrangidos a aprimorar a sua atividade e, mais do que isso, a compartilhar os seus ganhos de eficiência com os usuários. A competição trará melhores serviços, a preço mais baixo. Ou seja: ao contrário do que os operadores históricos vem divulgando, o maior inimigo do setor portuário brasileiro não é o recente pacote de modernização. É a falta de competição.
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