No âmbito das ações do poder executivo, conhecidas como “pacotes para infraestrutura”, e com a recente publicação da minuta do edital de leilão e do contrato de concessão dos aeroportos internacionais Antônio Carlos Jobim (Galeão), no Rio de Janeiro, e Tancredo Neves (Confins), em Minas Gerais, ecoa a restrição imposta às empresas que detêm participação acionária nas concessionárias operadoras de aeroportos, cujos serviços foram concedidos no procedimento licitatório realizado para este fim, no primeiro semestre de 2012.
Tal restrição tem sido alvo de críticas, sobretudo, pelo caráter aparentemente limitador da competitividade, ante o argumento de que impedirá a participação de um maior número de players interessados e com real capacidade econômico-financeira para fazer frente a empreendimentos da envergadura do objeto da aludida concessão (construção e operação de infraestrutura aeroportuária).
Os principais fundamentos jurídicos suscitados por quem defende a tese da saudável e desejada competitividade têm amparo (i) no inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal, que estabelece a livre concorrência como princípio da ordem econômica nacional, e (ii) no inciso I do parágrafo 1º do artigo 3º da Lei das Licitações (Lei n. 8.666/1993), que privilegia o princípio da competitividade como valor aplicado ao procedimento de seleção do particular que contratará com o poder público.
A propósito, em sede de licitação, não é demais lembrar que o grande mérito de se fomentar a competição reside justamente em uma intuitiva – não absoluta – ideia de que o maior número de agentes econômicos interessados em determinado objeto ou bem público aumenta as chances de se selecionar, entre as propostas apresentadas, a que melhor atenda ao interesse comum. No caso em tela, a livre concorrência (irrestrita) teria aptidão para proporcionar a escolha de propostas comerciais mais vantajosas para a administração pública, especialmente as advindas de concorrentes que já detêm contratos de concessão aeroportuária, cuja vantagem estratégica certamente lhes permitiria apresentar o melhor preço para o objeto licitado.
A vantagem estratégica, in casu, atributo de quem já participa como concessionário em contrato de concessão aeroportuária, pode ser traduzida pelo ganho de escala obtido com a combinação de distintas variáveis de repercussão econômica, peculiares à atividade, a saber: aproveitamento dos estudos prévios para execução do contrato de concessão e refinamento destes estudos como resultado do início da execução do contrato de concessão (captura dos erros e acertos); compartilhamento de estruturas internas da organização, essenciais para a gestão de vários contratos, por exemplo recursos humanos, assessoramento jurídico, contábil-fiscal, entre outras.
Uma ligeira reflexão embasada nos postulados jurídicos retrocitados permite inferir que a regra restritiva entabulada no edital da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) padece de validade jurídica porque, a priori, conflita com os princípios da livre concorrência da ordem econômica e da competitividade do procedimento licitatório.
Esse entendimento, é bem verdade, pode sofrer alguma relativização quando se está diante de interesses públicos que transcendem a objetivos cerrados em determinada contratação pública. Um exemplo paradigmático que ajuda a esclarecer a ponderação principiológica se refere à contratação realizada pela Petrobras para construção de navios-sonda em estaleiros controlados por empresas de capital nacional, ainda que a opção pela incipiente indústria naval brasileira representasse um relevante aumento no custo da contratação. Por trás desta decisão política de pagar mais por um produto disponível no mercado internacional está a clara intenção do governo brasileiro de fomentar a indústria local e qualificar mão de obra necessária e essencial à exploração das reservas de petróleo na camada do pré-sal.
Retomando o edital lançado pela Anac, a restrição de participação dos atuais concessionários é, pois, uma forma de proporcionar que outras empresas nacionais também possam desenvolver expertise para executar o contrato de concessão aeroportuária, ao mesmo tempo, demonstra um claro objetivo de impedir a formação de grupos econômicos concentracionários, fenômeno de mercado vedado pela Constituição Federal, conforme disciplina o parágrafo 4º do artigo 173.
Para além desses propósitos, referido edital denota a concepção de um projeto que não apenas permite que empresas brasileiras adquiram conhecimento para operar com tais contratos, mas, também, propicia que, uma vez qualificadas, possam elas explorar essas atividades em outros países, em especial naqueles em que já atuam, como é o caso de Angola, Moçambique, Peru, Colômbia e Panamá.
A toda evidência, uma política concentracionária não se aliaria a um plano de desenvolvimento de mercado nacional com esses propósitos, daí resultando inapropriado que a atual concorrência pública para concessão de aeroportos permita a participação de empresas que já contrataram na primeira rodada de concessões aeroportuárias. A medida proposta na atual concorrência refletir-se-á, a médio e longo prazo, na capacitação de um maior número de empresas nacionais para concorrer livremente em outros mercados. Os resultados certamente traduzirão um ganho para a nação, a ponto de suplantar em dimensão inestimável os recursos que deixaram de ser captados com a simples equação da melhor proposta comercial.
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