Artigo: Contribuições ao estudo sobre estruturação de concessões e PPPs elaborado pelo BNDES e IFC*

  1. Introdução

Recentemente foi publicado o estudo “Estruturação de Projetos de PPP e Concessão no Brasil: Diagnóstico do modelo brasileiro e propostas de aperfeiçoamento” (referido daqui em diante como “Estudo”), financiado pelo Programa de Fomento à Participação Privada (“PFPP”), que é uma parceria entre o International Finance Corporation - IFC, o BNDESPAR e o BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. O Estudo está disponível para download no seguinte link.

O Estudo tem por objetivo “propor recomendações para a melhoria dos mecanismos atualmente existentes para a preparação de concessões comuns e parcerias público-privadas/PPPs[1], a partir da análise de um conjunto de projetos estruturados nos últimos anos por meio de Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs). Em conclusão, o Estudo propõe medidas de regulação assimétrica que fortalecem o papel do que denomina “estruturadoras independentes”, a partir de uma série de apontamentos críticos às PMIs conduzidas por agentes interessados em participar da licitação da respectiva concessão ou PPP, em especial relativos à presença de problemas de agência, assimetria informacional[2] e conflitos de interesse[3].

O Estudo merece elogios por trazer à tona tema da mais alta relevância e buscar inspiração nas experiências internacionais para debatê-lo e por reunido especialistas respeitáveis para fazer isso. Ele acerta ao apontar a falta de planejamento público no fluxo de projetos e a baixa capacitação dos gestores como problemas latentes na organização da infraestrutura no país e ao discutir a necessidade de avanços regulatórios que possam melhorar o ambiente institucional das PMIs. Contudo, falha ao não revelar os interesses subjacentes ao comissionamento do Estudo e às propostas apresentadas, ao se satisfazer com o uso de dados insuficientes e com a realização de omissões relevantes para a discussão imparcial do tema, deixando de discutir questões de suma importância, como o conceito de independência das “estruturadoras independentes”.

O presente artigo pretende acrescentar ao debate sobre o tema jogando luz nas questões apontadas acima. Como tive relacionamento profissional com diversas das instituições e empresas citadas no Estudo e sobre as quais comentarei no presente artigo, acho importante informar ao leitor do presente artigo sobre essas relações. Sou advogado na área de infraestrutura, e fui responsável pela estruturação jurídica de diversos projetos de infraestrutura no âmbito de PMIs, nos últimos anos, na grande maioria deles como consultor contratado por empresas interessadas em participar da respectiva licitação. Em relação à EBP – Estruturadora Brasileira de Projetos – empresa controlada pelo BNDES e outros bancos para desenvolvimento de estudos no setor de infraestrutura e que é várias vezes mencionada no Estudo – estive envolvido nas discussões da ideia de criação de uma empresa similar à EBP, quando Demian Fiocca era Presidente do BNDES em 2006/7, e participei também das discussões para a definição dos contornos práticos da EBP e dos primeiros passos para a sua criação que ocorreram em 2007-8, já na gestão de Luciano Coutinho, como Presidente do BNDES. Fui membro do Conselho de Administração da EBP, até 2008, quando estavam em curso ainda os esforços para torna-la operacional. Posteriormente, em 2012 e 2013 fui contratado pela EBP como consultor e prestei alguns serviços de natureza jurídica para ela. Em relação ao IFC e a PFPP (parceria entre IFC, BNDES e BID, que financiou o Estudo junto com o BNDES) fui funcionário do IFC de 2008 a 2011 responsável pela consultoria a Governos no Brasil para a estruturação de concessões e PPPs. Durante o período que fui funcionário do IFC, fui responsável pela gestão do PFPP.
 

  1. A omissão sobre os interesses subjacentes às propostas de regulação assimétrica

Um estudo que se propõe a discutir seriamente o tema da estruturação de projetos, comissionado com recursos de contribuintes, precisa necessariamente deixar claro o contexto no qual se insere e os interesses subjacentes ao comissionamento (pagamento pela sua elaboração) e às suas conclusões. Se assim não o fizer, coloca em cheque suas propostas, ainda que meritórias.

Primeiro, seria fundamental que o leitor soubesse que o BNDES, que é um banco público e patrocinador do Estudo, é, na prática, controlador junto com outros bancos (sendo o acionista com a maior participação no capital, mas detendo menos do que 50% das ações ordinárias) da Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP, a “estruturadora independente” que tem papel de destaque no Estudo. Essa informação é importante para contextualizar a defesa que o Estudo faz de propostas legislativas que beneficiam diretamente a EBP, defesa essa por vezes baseada em dados distorcidos, que omitem informações relevantes sobre o desempenho dos projetos modelados pela EBP, como será discutido adiante. O BNDES é também quotista do PFPP, que foi utilizado várias vezes para subsidiar o custo de estudos para estruturação de concessões e PPPs realizados pelo IFC em conjunto com o BNDES.

Segundo, o leitor deveria também saber que, além de controlador da EBP, o BNDES é o principal financiador de projetos de infraestrutura no Brasil hoje, até porque as taxas de juros por ele praticadas, substancialmente subsidiadas, não permitem concorrência com outros bancos ou outros instrumentos de mercado para financiamento de projetos de infraestrutura. Ou seja, o principal financiador de projetos é também o principal acionista da “estruturadora independente” que recebe esse enquadramento pelo fato de não haver interesse direto dela, EBP, na participação em projetos de infraestrutura, na qualidade de licitante. E os interesses dos acionistas, são irrelevantes? Será que o BNDES conta com práticas de governança que operam uma “muralha chinesa” para evitar conflitos de interesse entre a estruturação e o financiamento dos projetos? Independentemente da minha opinião a respeito desses temas, acho que essas são informações relevantes e que deveriam ter sido esclarecidas pelo Estudo.[4]

Terceiro, em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a rescisão de convênio firmado entre o BNDES e a EBP, sob o argumento de que o convênio beneficia indevidamente a EBP, que tem acesso à expertise e à interlocução do BNDES junto a órgãos públicos, e o mesmo tratamento não é dispensado a outras empresas que atuam com a estruturação de projetos.[5]

Fica a impressão do leitor mais familiarizado com o tema de que as propostas de regulação assimétrica feitas no bojo do Estudo comissionado pelo BNDES buscam fortalecer a EBP também por conta desse cenário no qual a empresa foi enfraquecida pelo posicionamento do TCU. Novamente, era imprescindível que essas informações constassem de forma transparente no Estudo (pelo menos da sua introdução), quando o propósito é um debate sério sobre os rumos da estruturação de projetos no Brasil.

Em suma, todos os elementos suscitados acima deveriam ter sido revelados de forma clara como ponto de partida para discussão responsável do tema.

Como o Estudo foi escrito por diversos especialistas e as informações apontadas dizem respeito às instituições que comissionaram o Estudo e o contexto geral do setor de infraestrutura no Brasil, acho que o mais adequado seria essas informações constarem em uma “Introdução” ao Estudo.

Espero que, com essas contribuições, o debate ganhe mais nuances e possa ser realizado de forma mais transparente.

 

  1. O problema no tratamento dos dados relativos ao sucesso dos PMIs no Brasil

O Estudo reconhece as dificuldades na obtenção e tratamento das informações relativas aos PMIs no Brasil. Isso, contudo, não deveria autorizar o desenho de conclusões cuja validade depende da análise desses dados, sob pena não apenas de serem conclusões incompletas, mas também equivocadas, posto que não calcadas nas melhores práticas da estatística.

A título exemplificativo, citemos a conclusão acerca da atratividade dos projetos estruturados pela EBP. Na página 162, a tabela 7 apresenta o número de licitantes interessados nos principais projetos estruturados pela EBP e IFC, para corroborar a afirmação de que os projetos estruturados pela EBP recebem em média o interesse de 5 licitantes, o que estaria acima da média de licitantes atraídos pelos projetos estruturados por agentes interessados na sua adjudicação.

Embora certamente eu não detenha mais dados acerca dos projetos que o BNDES, IFC ou os especialistas que assinam o Estudo, esses dados me causaram certa perplexidade. É notório que projetos estruturados pela EBP resultaram em licitações desertas (isto é, com nenhum licitante interessado), tais como a concessão da BR 262 ES/MG, a concessão de estacionamentos subterrâneos em Belo Horizonte/MG, e o projeto do Novo Terminal Rodoviário de Belo Horizonte/MG (neste último caso, a tabela considera apenas a segunda licitação do projeto, ignorando o fracasso da primeira). Por que esses dados foram omitidos do cálculo estatístico? Não são relevantes para avaliar a taxa de sucesso da EBP? Ou houve uma atribuição seletiva e não explícita da culpa pelos insucessos nessas licitações aos respectivos Governos?[6]

Mais importante e tirando o foco da EBP, não seria importante que o Estudo investigasse como o número de licitações desertas de projetos modelados por “estruturadoras independentes” se compara ao número de licitações desertas de projetos modelados por agentes interessados na operação do projeto? Eu não consegui encontrar nenhum projeto estruturado por agente interessado na sua operação, cujo resultado da respectiva licitação tenha sido vazio.[7]

Intuitivamente, pode-se argumentar que o fato do estruturador ser um agente interessado no projeto implica um compromisso irredutível com a sua viabilidade econômica e financeira, inclusive na disponibilidade de se investir com amplitude nos estudos para alcançá-la. A viabilidade é condição sine qua non para entrega dos estudos de modelagem conduzidos pelos agentes interessados na licitação do projeto. Se não há viabilidade, esses PMIs se encerrarão antes de qualquer tentativa licitatória.

Diferentemente, a “estruturadora independente”, ainda que sua remuneração esteja 100% atrelada ao sucesso da licitação, evidentemente não compartilha dos mesmos incentivos que orientam o agente interessado na licitação. Em outras palavras, a “estruturadora independente” pode sucumbir mais facilmente a exigências do gestor público ou do agente político que inviabilizarão o projeto e, mais importante, tem restrições óbvias para dispêndios com os estudos de viabilidade, consubstanciadas nos limites de ressarcimento estipulado pelo termo de autorização. Será que isso poderia explicar, em alguma medida, o porquê de licitações desertas de projetos modelados por “estruturadoras independentes”?

Essa nos parece uma questão fundamental a ser analisada por um estudo que pretenda discutir taxa de sucesso dos projetos estruturados por cada modelo. E somente a partir desse conhecimento é que faz sentido propor alterações regulatórias que incentivem os modelos mais eficientes. Eventualmente, até, alterações que fortaleçam o papel dos agentes interessados na licitação do projeto, como o Swiss Challenge e o Bonus System.

Ainda sobre o tratamento de dados acerca dos insucessos, é preciso estudar mais a fundo a que se deve a baixa conversão de PMIs em projetos. A avaliação de alto custo transacional faz sentido em alguns casos, mas não resta efetivamente demonstrada para ser invocada como diagnóstico definitivo.

É importante observar que muitos PMIs são iniciados sem qualquer reflexão do ente público interessado no projeto acerca da existência de recursos orçamentários para implantação da PPP. Pelo contrário, existe em muitos casos a equivocada visão de que as PPPs são projetos de infraestrutura feitos com dinheiro privado e que não há uma conta pública a ser paga. Muitas vezes não há recursos públicos nem espaço fiscal para contratação do projeto. Muito menos para estruturação de uma garantia pública que seja minimamente satisfatória para o concessionário.

Não obstante a dura realidade, muitos entes públicos autorizaram PMIs nesse contexto. Para ficar apenas no Estado do Rio de Janeiro, vale citar o projeto de PPP da Linha 3 do Metro e a PPP de Hospitais, ambos projetos extensamente estudados por agentes privados interessados nas respectivas licitações, mas que nunca contaram com disponibilidade de recursos públicos para sua execução (apesar do anúncio frequente pelo Governo Estadual da disponibilidade de recursos para o projeto cujo valor, para os que estudaram o projeto na iniciativa privada, parecia claramente insuficiente).

Diante desse cenário, não seria fundamental para compreensão do insucesso dos PMIs saber quantas autorizações foram concedidas por entes que jamais teriam condições orçamentárias e fiscais de contratar e garantir qualquer PPP?

Outro problema que identifiquei no tratamento dos dados refere-se à questão da exclusividade das empresas na estruturação de projetos. Subjacente às propostas de regulação assimétrica que buscam fortalecer o papel da “estruturadora independente” estão mecanismos que buscam devolver à EBP a posição de vantagem que gozava antes da decisão do TCU que determinou o fim do convênio com o BNDES. Para isso, o Estudo defende a possibilidade de outorga de autorizações exclusivas desde que o autorizado abdique de participar da licitação projeto.

A questão da exclusividade me parece um avanço institucional relevante, embora não deva, na minha avaliação, estar adstrita aos agentes não interessados na licitação do projeto. Contudo, é preciso inserir a discussão sobre a exclusividade no contexto da realidade dos projetos no Brasil. Muito se discute sobre o tema – o que é salutar – mas a verdade é que a prática mostra que muitos (talvez a maioria) dos projetos de infraestrutura modelados por PMI que realmente geraram licitações com sucesso o tenham sido em caráter exclusivo, embora os termos de autorizações sempre previssem a possibilidade teórica da autorização ser outorgada a outros.

Aliás, a própria EBP realizou boa parte de seus estudos como único agente autorizado: pelo menos todos os estudos para concessões de rodovias federais da 3a Etapa e dos terminais portuários foram realizados exclusivamente pela EBP e o mesmo aconteceu em diversos projetos estaduais e municipais. [8] A exclusividade também foi uma realidade em vários PMIs estaduais e municipais conduzidos por agentes interessados na operação dos projetos como, para citar apenas alguns exemplos, a concessão do VLT do Rio de Janeiro e a PPP do Arco Metropolitano de Belo Horizonte/MG.

Se, por um lado, a discussão sobre a exclusividade é importante e deve avançar, por outro, na prática, muitos projetos foram e têm sido estudados por agente único, de modo que a ausência de previsão expressa da possibilidade de outorga exclusiva de autorização não parece ter sido, até hoje, óbice para que a Administração Pública assim o fizesse.

O que o Estudo propõe, em verdade, é que não haja competição entre as “estruturadoras independentes” e outros agentes interessados em ganhar a licitação da concessão ou PPP do projeto (que, geralmente, tem mais fôlego para investir nos estudos), criando mecanismos que desincentivem a participação de tais agentes em PMIs e estabeleçam uma reserva de mercado para as “estruturadoras independentes”.

A razão justificadora desse tratamento desigual seria a existência de assimetria de informações entre o ente público contratante do projeto e o agente privado responsável pela modelagem e interessado na licitação do referido projeto. Tal assimetria levaria o particular a obter ganhos adicionais sobre o público.

Não há dúvida sobre a existência de assimetrias informacionais no processo de estruturação de um projeto de infraestrutura, seja ele modelado por um agente interessado ou uma “estruturadora independente”. A tarefa é complexa e simplesmente não é razoável supor que o gestor público e sua equipe deterão a expertise necessária para avaliar detalhadamente os estudos de viabilidade que lhe forem apresentados, nem no sentido de identificar otimizações estratégicas não explicitadas, nem no sentido de apontar eventuais deficiências decorrentes, por exemplo, da superficialidade dos estudos confeccionados.

Acredito, contudo, que a principal forma de mitigar tal assimetria é na definição de regras adequadas de participação na licitação, que não criem barreiras desnecessárias à competição (o que não significa, evidentemente, eliminar todas as exigências técnicas e financeiras, como tem acontecido com algumas licitações recentes, posto que isso cria outros problemas ainda mais sérios[9], mas que não são objeto do presente artigo) e que ofereçam um bom prazo para que outros interessados possam ter condições de estudar efetivamente o projeto. Havendo ampla competição na licitação, eventuais assimetrias informacionais seriam por ela dirimidas. Isso porque um bom projeto para o ente privado responsável pela sua estruturação tende a ser atrativo também para outros particulares, de modo a reduzir eventuais ganhos adicionais decorrentes do PMI modelado por agente interessado no projeto.

Nem sempre é simples para o gestor público ter clareza sobre quais seriam as exigências adequadas à participação em determinada licitação. Nesses casos, e naqueles em que a sofisticação tecnológica e a maturidade do setor exigirem, faz sentido que a administração pública, mesmo em casos em que realize os estudos sob a forma de PMI, conte com uma consultoria especializada que possa oferecer as orientações técnicas pertinentes.

 

  1. O que define uma estruturadora como independente? A necessidade de transparência no trato da questão

Por último, o estudo deixa de explorar um tema bastante relevante: ao propor regras que fortalecem as “estruturadoras independentes”, é preciso deixar claro o que está compreendido nesse conceito de independência. Isto é, quem poderia se enquadrar como “estruturadora independente” e gozar das vantagens conferidas pela regulação assimétrica?

O Estudo sugere que bastaria não haver interesse direito da estruturadora na operação do projeto. Mas não seria isso mera formalidade facilmente contornável pela constituição de uma pessoa jurídica distinta daquela efetivamente interessada na licitação? Retomando apontamento do início do artigo, como lidar com outros interesses em jogo, como o de potenciais financiadores que participam da estruturação? Como saber que a estruturadora não é influenciada por outros agentes na confecção dos estudos? Afinal, o que caracterizaria a independência de uma estruturadora?

O Decreto Federal n. 8.428/2015, que regulamenta atualmente as PMIs federais, e que é o objeto das sugestões de alteração do Estudo estabelece a seguinte regra sobre esse assunto, com grifos que realizei:

Art. 18. Os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos, levantamentos, investigações e estudos apresentados nos termos deste Decreto poderão participar direta ou indiretamente da licitação ou da execução de obras ou serviços, exceto se houver disposição em contrário no edital de abertura do chamamento público do PMI.

§ 1º Considera-se economicamente responsável a pessoa física ou jurídica de direito privado que tenha contribuído financeiramente, por qualquer meio e montante, para custeio da elaboração de projetos, levantamentos, investigações ou estudos a serem utilizados em licitação para contratação do empreendimento a que se refere o art. 1º.

§ 2º Equiparam-se aos autores do projeto as empresas integrantes do mesmo grupo econômico do autorizado.

 

Na minha opinião, a abrangência dessa regra é indevida. Cria presunção de proibição de participação na licitação pelo ente que realizou os estudos e pelos entes a ele relacionados, quando a essência do próprio PMI, nos termos do artigo 31, da Lei n. 9.074/1995, é a participação no desenvolvimento dos estudos das empresas interessadas em participar da licitação. Para mostrar, por absurdo como essa regra é inadequada, basta dizer que, se ela for tomada como proibição de participação em licitação por empresas relacionadas à empresa que estruturar os estudos, e aplicada literalmente, empresas, por exemplo, investidas do BNDESPAR poderiam ser impedidas de participar das licitações de projetos estruturados pela EBP simplesmente porque o BNDESPAR é acionista também da EBP. Isso seria evidentemente um contrassenso. Mas acho que levantar essa questão deixa claro como esse conceito de independência da “estruturadora independente” precisa ser melhor discutido.

Enfim, o tema é árduo e merece reflexão. É preciso trazer à discussão também o contexto da realidade brasileira, no qual há a atuação de fundações que realizam estudos de modelagem de projetos de infraestrutura, a exemplo da FGV Projetos e da PUC-RJ. Essas fundações, assim como o próprio IFC (órgão multilateral) - todos aparentemente enquadráveis no conceito de “estruturadora independente” trazido pelo Estudo -, em regra, estabelecem parcerias com a Administração Pública por meio de convênios, ou são contratados diretamente, por dispensa ou inexigibilidade de licitação. Aliás, a própria EBP, apesar de constituída sob a forma de sociedade empresária, já firmou convênio com a Administração Pública para a estruturação do projeto de concessão do Hospital Metropolitano de Belo Horizonte/MG.

Quais seriam os prós e contras desses modelos de vínculos jurídicos entre a Administração Pública e essas entidades? Em termos de sucesso, como essas alternativas se comparam aos PMIs? Por que não usar – e legitimar institucionalmente - o instrumento do convênio ou a contratação direta para as “estruturadoras independentes” e os PMIs para os agentes interessados na licitação do projeto? Seria importante que o Estudo contemplasse também essas avaliações.

Outra questão que merece ser discutida é a relativa à subcontratação de consultores pelas “estruturadoras independentes”. Sabe-se, embora isso não tenha sido objeto de reflexão no Estudo, que as “estruturadoras independentes” têm estruturas internas enxutas e, na prática, subcontratam parte significativa da confecção dos estudos de viabilidade para os quais são contratadas. Estudos de engenharia são em regra contratados separadamente, assim como os de demanda, ambientais, jurídicos e outros. Como é natural num mercado especializado, esses subcontratados estão trabalhando para a estruturadoras um dia e para os interessados na operação dos projetos no outro.

Como então assegurar a independência e preservação de interesses nessa dinâmica? A própria EBP já divulgou (dirigiu ao ente público contratante com cópia para todos os seus acionistas), em passado recente, carta desautorizando e repudiando consultor que supostamente trabalhou para EBP na modelagem de um projeto de concessão, e, posteriormente, trabalhou para participante da licitação da concessão. Exigir, talvez, que as “estruturadoras independentes” tenham equipe própria mínima, ou limitar a subcontratação? O que não se pode é supor que uma independência meramente formal assegurará a inexistência dos problemas de agência que se verificam quando o estruturador do projeto é um sujeito interessado na sua operação.

 

  1. Conclusão

À guisa de conclusão, espera-se que as provocações suscitadas neste artigo sirvam para enriquecer o debate sobre o tema da estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e contribuir para avanços institucionais que atendam de forma imparcial os anseios de um ambiente mais propício para o desenvolvimento da infraestrutura no País.

Em vista das enormes demandas do Brasil por infraestrutura de boa qualidade e das dificuldades institucionais e burocráticas para estruturar e contratar a implantação e operação dessas infraestruturas entendemos que, tanto quanto possível, devem ser preservados os instrumentos para estruturação de concessões e PPPs que funcionaram nos últimos anos.

Nesse sentido, nos parece igualmente condenáveis tanto a decisão do TCU que enfraqueceu a EBP, quanto a tentativa de inviabilizar as PMIs com participação de empresas interessadas na licitação do respectivo projeto, particularmente quando, para isso, são adotadas posturas formalistas na interpretação do direito (como aquela que levou a invalidação do convênio entre BNDES e EBP), ou não são reveladas ao público informações importantes para o entendimento de todo o contexto em que se trava a discussão dos temas tratados no Estudo.

O interesse público em resolver os gargalos de infraestrutura do país deve ser o norte de qualquer discussão sobre esses temas. Ele deve se impor sobre qualquer esforço de ocupação de espaço por entes públicos e privados no mundo de infraestrutura.

 

*Nota do autor: eu gostaria de agradecer a Gabriela Engler pela discussão do tema do artigo e pelas diversas provações, que me ajudaram na sua elaboração. Queria agradecer também a Marcelo Lennertz por comentários pertinentes em diversos aspectos desse artigo, que contribuíram para o seu aperfeiçoamento. Eventuais erros e omissões são exclusivamente de minha responsabilidade.

[1] Cf.: pp. 14, do Estudo.

[2] Cf.: entre outras, pp. 160, do Estudo.

[3] Cf.: entre outras, pp. 19, do Estudo.

[4] Por outro lado, já aconteceu do departamento de consultoria do BNDES estruturar a garantia de pagamento público de projeto de PPP com base em recursos oriundos do FPE – Fundo de Participação dos Estados e, posteriormente, a área de financiamento do BNDES entender que não era possível o BNDES financiar o projeto com base nessa garantia. Em outras palavras, a área de estruturação de projetos do BNDES ou cometeu um erro (estruturou garantia que não podia ser usada em financiamento do BNDES), ou houve um problema grave de coordenação entre as duas áreas, o que sinaliza, de certa maneira, que talvez exista, de fato, alguma separação institucional entre as áreas. Isso aconteceu no caso do Hospital do Subúrbio do Estado da Bahia. Como o BNDES se negou a financiar o projeto recebendo em garantia apenas o fluxo de pagamento do FPE, a Concessionária teve que se financiar junto ao Banco do Nordeste e do Desenbahia (Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia). Nesse caso, o BNDES juntamente com o IFC liderou a estruturação do projeto.

[5] Acórdão 1602/2015 – Plenário. Acho importante assinalar que, na minha opinião, o TCU cometeu um erro relevante ao criar empecilhos ao funcionamento da EBP. Eu já critiquei várias vezes publicamente a qualidade de estudos feitos pela EBP para estruturação de projetos do Governo Federal, particularmente os erros que, na minha opinião, foram cometidos nos recentes projetos de rodovias e aeroportos federais. Não obstante isso, acredito que a EBP é e foi um instrumento importante nos últimos anos na estruturação de projetos de infraestrutura, várias vezes com sucesso em obter a implantação ou a melhoria de infraestrutura, apesar dos erros de modelagem. Nesse contexto, a interpretação formalista que levou o TCU a invalidar o convênio entre BNDES e EBP é lastimável, pois cria mais um obstáculo para resolvermos os problemas de qualidade e de estoque de infraestruturas do país. Sobre esse assunto, vale a leitura do artigo de Bruno Pereira, intitulado A decisão do TCU sobre o convênio entre BNDES e EBP, publicado no website PPP Brasil, no seguinte linkhttp://www.pppbrasil.com.br/portal/content/artigo-decis%C3%A3o-do-tcu-sobre-o-conv%C3%AAnio-entre-bndes-e-ebp-0 .

[6] Houve também insucesso em diferentes momentos dos seguintes projetos que foram desenvolvidos pelo BNDES em consórcio com o IFC: o projeto da PPP da Rede de Atenção Básica de Belo Horizonte e a PPP do Projeto Pontal de Irrigação. O único participante da licitação do Projeto Pontal decidiu não assinar o contrato. O projeto de PPP da Rede de Atenção Básica de BH teve uma licitação vazia, mas foi, posteriormente, reestruturado e licitado com sucesso. Na condição de funcionário do IFC, participei da equipe que modelou a fase final da PPP do Projeto Pontal e dos primeiros meses da estruturação do projeto de PPP da Rede de Atenção Básica a Saúde de BH.

[7] Isso não significa, evidentemente, que tais exemplos não existam. No caso da Linha 6 do Metro de São Paulo, por exemplo, a licitação do projeto deu vazia no primeiro leilão realizado em 30.07.2013. Embora o projeto da Linha 6 tenha sido estruturado por meio de PMI conduzido por agentes interessados na operação do projeto, ao receber os estudos confeccionados pela inciativa privada, o Governo do Estado de São Paulo fez uma combinação atécnica das informações recebidas, o que culminou num projeto fortemente criticado pela inciativa privada e rejeitado no leilão. Foram necessários diversos ajustes na modelagem do projeto para que fosse posteriormente licitado, com sucesso, em  06.11.2013.

[8] Aliás, no caso do desenvolvimento dos estudos para a concessão dos aeroportos do Galeão e de Confins, a empesa IQS Engenharia Ltda. foi autorizada juntamente com EBP para fazer os estudos dos referidos aeroportos. Posteriormente a IQS realizou representação junto ao TCU alegando favorecimento do Governo Federal à EBP (TC 015.245/2013-6). Entre outros, menciona-se nesse processo o fato de a EBP ter solicitado a autorização para realização dos estudos dos referidos aeroportos e obtido seu deferimento antes da edição do Decreto 7.896/2013, que incluiu os referidos aeroportos no Programa Nacional de Desestatização - PND, o que supostamente demonstraria assimetria de informações, com benefício da EBP em relação a outras possíveis sociedades interessadas em também obter a autorização. Menciona-se, ainda, naquele processo a desigualdade de condições oferecidas às eventuais participantes para elaboração dos estudos, uma vez que a EBP dispôs do prazo de 78 dias para a realização de seus estudos, contados a partir da edição da Portaria SAC/PR 9/2013, e a empresa IQS Engenharia Ltda. de apenas 49 dias, contados a partir da edição da Portaria SAC/PR 31/2013. Independentemente de as acusações de favorecimento mencionadas serem procedentes, é fato incontroverso que a EBP geralmente envolvia-se somente em PMIs iniciadas com a finalidade de legitimar o relacionamento entre a EBP e o órgão estatal que iniciou a PMI. Isso porque, em virtude da participação do BNDES no bloco de controle da EBP e do convênio de assistência técnica do BNDES à EBP, a EBP sempre foi tratada no âmbito das entidades governamentais como uma empresa paraestatal, como um braço operacional do BNDES para desenvolvimento de estudos para a estruturação de concessões e PPPs. Nesse contexto, as PMIs funcionaram para a EBP como um instrumento de contratação sem competição (mas formalmente competitivo) em substituição à dispensa ou inexigibilidade de licitação. O argumento para viabilizar essa forma a contratação da EBP, via PMI, era que a EBP corria o risco de reembolso dos estudos. Na grande maioria das PMIs que ocorreram no país, os participantes são reembolsados dos custos com os estudos, por meio da apresentação das notas fiscais representativas desses custos. Dessa forma, os participantes dessas PMIs podem ser reembolsados apenas pelos custos “out of pocket”, mas não dos seus custos internos, de pessoal, administrativo etc. para desenvolvimento dos projetos. Até onde consegui apurar, no caso da EBP, a regra não era o reembolso de custos com base na apresentação de notas comprobatórias desses custos. A EBP beneficiava-se, em regra, de um regime em que o preço do reembolso era pré-fixado, sendo desnecessária a apresentação de notas comprobatórias do seu custo com consultores, o que também sinaliza a utilização de um regime diferenciado para a EBP do que o que é aplicável às empresas em geral quando participam de PMIs. Na minha opinião, um estudo sobre estruturação de projetos nos setores de infraestrutura custeado com dinheiro dos contribuintes e que defende uma proposta de regulação do tema que beneficia a EBP deveria evidenciar esse tipo de peculiaridade da forma mais transparente possível de modo a dar ao leitor instrumentos para julgar a pertinência do modelo defendido para desenvolvimento e estruturação de projetos de infraestrutura.

[9] Vide o artigo de minha autoria sobre o falso cumprimento dos contratos, que é um dos problemas cuja chance de ocorrência pode ser reduzida com a estipulação no edital de licitação de exigências adequadas de participação na licitação. Cf.: Ribeiro, Mauricio Portugal, Concessões e PPPs: o que temos a aprender com o falso cumprimento dos contratos, publicado em 19/04/2013, e disponível no seguinte link: http://pt.slideshare.net/portugalribeiro/o-que-temos-a-aprender-com-o-falso-cumprimento-dos-contratos-de-concesso-e-ppp .

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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