Recentemente foi anunciado pelo Ministro da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha, numa provável tentativa de injetar ânimos ao setor produtivo ligado à infraestrutura, que o Governo Federal pretende retomar o programa de concessões aeroportuárias por meio da concessão ao setor privado dos aeroportos de Porto Alegre, Salvador e Florianópolis.
Na esteira de tal comunicado, alguns veículos de comunicações passaram a antecipar algumas das novas regras no marco regulatório das futuras concessões, merecendo destaque a posição da Infraero como detentora de 1% de participação na concessionária, ao invés dos 49% característicos dos primeiros leilões. Esta novidade denota, como será exposto nas próximas linhas, que os órgãos e agências do Governo Federal aparentam certa dificuldade em manter uma agenda comum quando o tema é projetos de infraestrutura.
Como sugerido pela imprensa, a justificativa para a mudança da participação da Infraero no capital social da Sociedade de Propósito Específico (SPE) estaria na sua incapacidade orçamentária para acompanhar os investimentos necessários naqueles contratos. Neste sentido, a fiscalização sobre a gestão da infraestrutura aeroportuária restaria assegurada por meio da titularidade pela Infraero de uma ação de classe especial ("golden share") que lhe garantisse, dentre outros poderes, o direito a uma cadeira no Conselho de Administração.
Entretanto, dois problemas exsurgem a partir de tal justificativa: um de natureza regulatória, tendo em vista o papel propugnado pela CF/88 à empresa estatal e a sua relação com o órgão regulador; e outro de ordem econômica, consequência da sinalização externada ao mercado de que seria exigido um maior aporte financeiro do setor privado nas próximas concessões aeroportuárias.
Com relação à questão de natureza regulatória, é possível observar certa falta de aderência entre a justificativa de manutenção de uma eventual "golden share" em nome da Infraero e o seu papel institucional; em outras palavras, não pode subsistir como justificativa para manutenção da Infraero como acionista da concessionária, com participação mínima de 1%, o seu dever de fiscalizar a gestão da infraestrutura aeroportuária, uma vez que este papel não lhe cabe. Tal incumbência pertence à Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, nos termos da Lei nº 11.182/95.
O que se pretende pontuar é que a Infraero – na qualidade de empresa estatal – tem como atribuição a tarefa de implantar e fomentar o desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária, que representa parte essencial da cadeia produtiva sobre determinado número de atividades econômicas à jusante (turismo, transporte de produtos, etc.). Neste sentido, sua manutenção com 1% em sociedade a ser mantida com o acionista privado parece não incorporar efetivamente àquelas tarefas que lhe foram conferidas, servindo mais a um eventual papel de fiscalização (que não lhe cabe) e menos ao papel de parceiro do setor privado sobre o custo e risco do negócio.
Já sobre o aspecto de ordem econômica, o dilema que se apresenta é que a Secretaria de Aviação ao envidar medidas que exigiam um maior aporte financeiro do particular, como está que aloca a quase totalidade dos investimentos na conta do setor privado, acaba por fazer “vista grossa” a crise de bancabilidade ("funding") do setor produtivo ligado à Infraestrutura. Como se sabe, a deflagração da operação lava jato provocou uma forte retração no crédito não apenas das empresas envolvidas diretamente no investigado esquema de corrupção na Petrobras, bem como, sobre todo um setor produtivo. Os reflexos já são evidentes com a perda de aproximadamente 300 mil postos de trabalho (fonte: Exame.com).
Não se quer aqui discutir o mérito da operação lava jato, cujas consequências colaterais podem ser interpretadas como uma necessária mudança de paradigma na relação entre particulares e setor público. O ponto que ser quer chamar atenção é para o fato de que as grandes empresas de construção vêm sistematicamente tendo dificuldade para obtenção de financiamento de longo prazo ("project finance"), ainda que nenhuma delas tenha contra si uma decisão transitada em julgado, e de que tal circunstância inviabiliza a participação daquelas empresas em qualquer programa de concessões, sejam aeroportuários, rodoviários, etc..
Se por um lado o déficit orçamentário público impõe uma menor participação financeira, como parece ser o caso nas futuras concessões dos aeroportos, por outro lado cumpre que o Governo Federal adote uma postura condizente com a realidade das coisas e adote ações efetivamente tendentes a estimular e viabilizar o investimento privado, que se vê acuado face à referida crise de bancabilidade.
Pode parecer uma obviedade, mais um caminho aqui vislumbrado estaria na formação de uma agenda comum entre órgãos reguladores promotores de programas de concessão (ANAC, ANTT, etc.) e o BNDES, cuja função esculpida no seu Estatuo é de “apoiar programas, projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do País”, uma vez que aquelas entidades da administração pública descentralizada têm idêntica pessoa política como instituidora e controladora, designadamente, a União.
Deste modo, nada mais adequado que o Governo Federal, respeitando a função institucional de cada entidade, adote postura proativa com foco em promover um maior alinhamento entre os novos programas de concessão e as diretrizes de financiamento estipuladas pelo BNDES; de maneira que possa ser transmitido ao setor privado maior segurança sobre a prestação do financiamento de longo prazo. Sem esta perspectiva o particular fica desestimulado a enfrentar os dispendiosos estudos preliminares que antecedem a participação em qualquer concorrência cujo objeto seja um contrato de concessão. Fato é que governo e o setor produtivo precisam se reinventar para que o histórico déficit de infraestrutura não permaneça estagnando o crescimento econômico do País.
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