Artigo: PPP + 20 - um novo ciclo virtuoso lastreado em poupanças livres

No ano em que a Lei Federal das Parcerias Público-Privadas completará os seus primeiros 10 anos, vale a pena repassar (e repensar) algumas de suas mais discutidas situações.

Com efeito, estes dez anos mais recentes da evolução das atividades concessionadas em nosso país, quase sempre sublima nossa extensa experiência no tratar deste assunto ao longo do tempo: afinal, ainda mesmo enquanto colônia da metrópole portuguesa, os concessionários e das capitanias e sesmarias, pagavam ao “El Rey de Portugal” o que na linguagem de hoje se chamaria de um conjunto de outorgas diretas e indiretas.

Ou seja, diretamente, se pagava um preço a ser discutido com o Poder Concedente para, então, explorar as terras conquistadas. E além desta outorga direta, o que se chamava o “quinto”, onde se arrecadava 1/5 da produção aqui gerada, como uma outorga indireta e permanente, a partir da extração, comércio de produtos exportados ou importados, e dos serviços que aqui eram realizados.

Como nas concessões de hoje, da mesma forma, havia como que um SLA à época: só assumiam a gestão das áreas metropolitanas quem cuidasse da segurança das propriedades (notadamente quanto a outros arroubos de outros exploradores metropolitanos que exercessem politicas fiscalistas (sic) de anexação territorial, por exemplo), da colonização dos povoados e vilas, e de outros indicadores de desempenho, tal como hoje em dia por certo qualificaríamos.

Muitos anos depois, já sob a égide de um país liberto, no Segundo Império, quando se fazia necessário atrair capitais de risco e se pagar por ele acima do que pagava o fundo soberano da economia dominante de então, criou-se uma relação mais amigável entre o Poder Concedente e os novos Concessionários dos bens e serviços concedidos pela Coroa Brasileira, onde até mesmo a desapropriação de terras e de ativos podia ser exercida pelos concessionários, para permitir a melhor fruição dos projetos de investimento concessionados (como permitidos pelas Leis de Concessão das Ferrovias e dos Portos de então), ainda que se continuasse a exigir SLA de desempenho e de modicidade tarifária, assim como as taxas internas de retorno admissíveis não pudessem passar dos 12% reais ao ano, como se pode depreender dos contratos até então firmados.

Com a experiência da reconstrução das economias já na época republicana do pós-guerra, nos anos 50, com a emergência do viés que caberia aos Estados Republicanos (como coube aos Estados Metropolitanos) direta ou indiretamente alavancar e germinar as atividades produtivas se financia todo um novo ciclo de concessões no país, mediante o custeio via o crédito lastreado em poupanças fiscais e parafiscais – e que predomina até hoje – onde até mesmo a contrapartida do equity (ou da participação do risco privado nas concessões) só tem lugar se este mesmo for passível de financiamento ainda que a custos ligeiramente maiores do que os que são providos pelo coquetel de poupanças compulsórias de diferentes origens.

Esta “jabuticaba rentista e financeira” tem seus custos de manutenção quase sempre socializada pelo Tesouro Nacional pelos aportes ao capital de bancos e aos fundos fiscais e parafiscais de origem compulsória, quando (não raro) também pela inflação residual e corretiva que este sistema peculiar quase sempre tende a acarretar no médio prazo.

No momento atual, os dois atores que importam no mercado de concessões – o agente privado que toma riscos e o poder público que banca o risco – estão com suas posições ativas e passivas bastante fragilizadas.

Os primeiros, atolados em créditos e com limites operacionais tomados nos bancos públicos que são os financiadores solitários das concessões públicas existentes. E os agentes públicos, antes mesmo de chegar à metade do tempo em que ainda estão resgatando seus compromissos com a Lei de Responsabilidade Fiscal dos anos 2000, se encontram exauridos em suas poupanças primárias e estrangulados em sua capacidade de gerar contraprestações e fundos garantidores, pelo menos ao se tomar em conta os diplomas legais hoje vigentes (Lei 8.789 e Leis 11.079 e 12.766).

Várias “canetadas” podem resolver este impasse, é bem verdade (ver para isto os quadros): por exemplo, tornando os bancos sócios das SPE existentes mediante uma operação de “debt for equity”. Ou renegociando os termos das dívidas: ou outra medida heroica no contexto onde a média dos principais entes federados está com suas contas públicas com suas Receitas Correntes Líquidas (RCL) oneradas entre 35% a 65% com o total das suas Dividas Contratadas – sem contar as dividas previdenciárias com seus funcionários que em vários casos é um múltiplo da RCL – e com os 5% desta mesma RCL em montante disponível para muito pouca margem  para alavancagem de concessões via o instituto das PPP.

Nenhuma destas alternativas se faria “a frio” sem pesadas restrições por parte dos investidores e financiadores destes projetos – onde, dentre elas, estaria a sensibilização das notas de rating do país – o que cria um “seguro tácito” que o caminho mais heterodoxo seria o que menor possibilidade de sucesso apresenta.

A experiência do país em seus primórdios, assim como em boa parte do mundo onde as concessões são sempre um caminho utilizado para reciclar liquidez entre os parceiros públicos e privados, é que a alocação de recursos em projetos de investimento de longo prazo pode e deve ter uma parcela de suas necessidades de cobertura alavancada por recursos provindos dos mercados geradores de poupanças livres, a saber, via as Bolsas de Valores (pela emissão primaria de capital e pela colocação de títulos de divida lastreados em produção conversíveis ou não em cotas de capital), os Fundos de Investimento e as Bolsas de Mercadorias e Futuros (carregando contraprestações ou fluxos originários de ativos dimensionados via project finance).

Claro está que a cultura rentista e o patrimonialismo financeiro é uma barreira cultural difícil de sobrepujar mesmo em épocas onde a estabilidade de preços e a desindexação de preços já deveriam estar devidamente entronizadas após mais de vinte anos de Plano Real, embora não se contasse que fosse o próprio “juro real” a se tornar o indexador substituto das relações ativas e passivas da economia (...).

Outro ponto a superar é desvendar afinal “qual é” afinal a taxa real de retorno que pode prevalecer em uma economia capitalista sem capital (ou com a formação de capital financiada por poupanças compulsórias de base fiscal e para fiscal híbrida), para servir de base para esclarecer o custo efetivo da formação de capital no país.

Nos projetos de investimento, nenhum investidor (ou financiador) aceita alocar os seus recursos em projetos com menos de 45 a 55% de EBITDA, sobre as receitas operacionais, o que corresponde a um custo de oportunidade de aplicação de recursos próprios entre 22% a 28% para a parcela do seu “equity” mobilizável. 

Estes dados são fundamentais para parametrar os responsáveis pela alocação de poupanças livres: sejam eles os comitês de investimento de fundos de investimento (inclusive os de previdência pública ou privada); os investidores que querem e podem trazer as poupanças do que exterior, mas que não encontram mais projetos de infraestrutura de grande porte para financiar nas economias mais desenvolvidas; sejam os gestores de fundos que alocam poupanças livres de investidores que buscam mais segurança e liquidez do que a rentabilidade de curto prazo; ou os demais investidores que têm apetite para se tornarem sócios dos capitais nacionais que precisam de alavancagem primária diretamente na veia do patrimônio líquido dos capexistas nacionais.

Com a devida observância da governança entre cotistas e gestores das SPE dos Fundos, não há porque estes mecanismos ainda se encontrem à margem das soluções demandadas para alavancar recursos em projetos de concessão: até porque a constituição de fundos, com CNPJ próprio para gerar e gerir ativos sob o período das concessões de toda a ordem hoje demandados, é alternativa a que não onera os limites de endividamento e de uso da RCL para fins da contratação de projetos de concessão.

E poderiam ser capazes de carrear para este “mercado” que ainda representa pouco mais de 2% do PIB, a quantidade de recursos demandado para a realização dos investimentos que hoje conspiram para os altos custos de operação e pela baixa produtividade resultante da oneração dos custos de transação e distribuição dos produtos e serviços produzidos na economia nacional.

O contraponto a esta situação é imaginar que a economia será eternamente capaz de depender da poupança institucional, compulsória, provida por bancos públicos, sem recorrer aos recursos livres que buscam retorno em projetos que tragam retornos efetivos no longo prazo. Ou seja, a depender menos de um setor público que só precisa ser remodelado em quaisquer outros setores que não seja aquele de prover crédito público barato para formar capital privado caro (eternamente) a partir de fontes fiscais e parafiscais de origem compulsória.

 
(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).
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