Editorial: Uma pauta para o debate público sobre as PPPs

Um dos motivos que tornam o debate público brasileiro sobre as parcerias público-privadas (PPPs) pouco desenvolvido deriva da circunstância de que, em regra, as instituições públicas e privadas interessadas no tema limitam-se a indicar a necessidade de aprimoramentos no marco regulatório como a principal solução para os desafios que envolvem esta modalidade de contratação. Esta postura não incentiva que o debate público também verse sobre algumas medidas que independem de alteração do marco regulatório e que, se fossem implementadas, melhorariam o ambiente de negócios em igual ou maior medida. Passemos a alguns exemplos.

Recentemente, a BRAIN (Brasil, Investimentos & Negócios) publicou o relatório “Atratividade do Brasil como polo internacional de investimentos e negócios”. No que diz respeito ao desenvolvimento da infraestrutura física nacional, o relatório aponta que “falta um marco regulatório mais robusto e claro para as parcerias público-privadas (PPPs)”.

No mesmo sentido, a AMCHAM Brasil, com o apoio da IBOPE Inteligência, fez uma pesquisa com mais de 200 executivos e, no que diz respeito às PPPs, 54% dos entrevistados responderam que consideram o atual modelo brasileiro de PPPs (“marco regulatório”) totalmente inadequado, sinalizando que um dos principais obstáculos é a falta de clareza na regulamentação.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, realizou um seminário meses atrás com o objetivo de debater e apresentar propostas para “destravar” as PPPs e as concessões. A GO Associados, de Gesner Oliveira, professor da FGV, preparou estudo para subsidiar os debates e surgiram propostas com maior nível de concretude (o estudo foi elaborado a pedido da BM&FBovespa). Entretanto, a energia decorrente deste esforço foi totalmente canalizada para um projeto de lei que agora tramita na Câmara dos Deputados (de autoria do Deputado Federal Arnaldo Jardim).

Partindo da premissa de que marco regulatório significa o conjunto de normas legais e infralegais sobre as PPPs, colocamo-nos em posição de desacordo perante a opinião de que o principal gargalo para o desenvolvimento das PPPs no Brasil demanda a promulgação de leis e a publicação de decretos. Por mais que ainda haja espaço para aprimoramentos normativos, questionamos a opinião de que o principal gargalo é de natureza normativa.

Muitas vezes, quando se enfrenta um problema de ordem pública no Brasil, uma das primeiras ideias suscitadas envolve a necessidade de criação ou alteração da legislação. Talvez, essa postura seja recorrente no debate sobre PPPs em função do papel preponderante que o bacharelismo ocupa no mercado de ideias sobre contratações públicas.

Em função desse cenário, apresentamos algumas sugestões que são tão prioritárias para a evolução das PPPs no Brasil quanto novas leis ou decretos e que independem de alterações normativas para serem implementadas. Vamos a elas.

 

· Certificação nacional de especialista em participação privada no provimento de infraestruturas e serviços públicos: permitiria que os servidores públicos pudessem ser certificados quanto aos conhecimentos, habilidades e atitudes relevantes para o relacionamento público-privado inerente às PPPs, com viés prático. Tal iniciativa poderia ser desenvolvida por uma instituição de ensino e pesquisa, com o apoio da iniciativa privada (a maior interessada em encontrar um poder público mais capacitado para planejar, tomar decisões de investimento e estruturar projetos de infraestrutura);

· Métricas que auxiliem o processo de tomada de decisão do poder público sobre as PPPs: permitiria que o poder público pudesse motivar e justificar sua tomada de decisão (PPPs vs. modalidades de contratação tradicional) com base em parâmetros previamente estabelecidos, tornando o mercado de PPPs mais seguro e estável. Uma das maiores percepções de insegurança da iniciativa privada relaciona-se com um risco que deve ser gerenciado pelo poder público (a saber, gerir sua tomada de decisão de modo coerente e minimamente previsível). Os tribunais de contas e a academia poderiam colaborar com esta iniciativa;

· Políticas de descentralização de recursos vinculadas à celebração de contratos de PPPs: a União poderia estabelecer programas de repasse de recursos para Estados (em setores como saneamento básico, presídios, entre outros) que fossem vinculados ao compromisso de usar as PPPs como veículo para a realização dos investimentos. Seria um modelo alternativo aos atuais convênios de repasse de recursos. Esta prática seria um incentivo para que fosse desenvolvido um banco nacional de projetos de infraestrutura, que competiriam pelos recursos federais. Os Estados poderiam desenvolver políticas semelhantes em relação aos Municípios com maior capacidade institucional;

· Desenvolvimento de modelos de arranjos e cláusulas contratuais para PPPs: a academia, as instituições financeiras e as associações empresariais, em colaboração com o poder público, poderiam publicar sugestões de arranjos contratuais para as PPPs, sinalizando concretamente modelos de cláusulas contratuais que aprimorassem aspectos ainda não tão desenvolvidos nos contratos de PPP já celebrados. Tais modelos não seriam necessariamente impositivos, mas o poder público que não os adotasse teria o ônus de justificar a não adoção dos modelos (ao cidadão, à imprensa e à iniciativa privada, aos órgãos de controle). Os modelos poderiam ser aprimorados de tempos e tempos. Como exemplos de regras inovadoras, poderiam ser mencionadas cláusulas de saída (“exit/bail-out options”, fórmula matemática para determinar eventuais compensações recíprocas entre as partes quando do término antecipado do contrato) e verba de pleito de reequilíbrio (a ser paga pela concessionária ao poder concedente quando do protocolo de pleitos de reequilíbrio, com a dupla finalidade de adiantar custos em que o poder concedente incorrerá para analisar o referido pleito e desestimular eventuais condutas oportunistas da concessionária);

· Aprimoramentos dos aspectos contábeis das PPPs: a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) precisa desenvolver mecanismos que permitam aos Estados e aos Municípios serem precisos no que diz respeito ao tratamento contábil dos contratos de PPP, garantindo que haja informações de qualidade para o próprio STN, para o investidor e para o cidadão interessado. A STN deveria ampliar sua preocupação para as concessões comuns que preveem como possível instrumento de reequilíbrio econômico-financeiro a indenização à concessionária, com base em recursos orçamentários;

· Consolidação de técnicas de gestão de contratos de PPP: é necessário que sejam desenvolvidas e consolidadas técnicas de gestão tendo como foco os contratos de PPP. Por mais que a percepção sobre o maior desafio ainda envolva a fase de estruturação, já há dezenas de contatos celebrados e o sucesso na gestão dos projetos já contratados será essencial para a percepção de sucesso ou insucesso desta modalidade de contratação. Os tribunais de contas e a academia também poderiam colaborar com esta iniciativa;

· Linhas de pesquisa acadêmicas e aplicadas sobre relações público-privadas de longo prazo: o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Fundo de Estruturação de Projetos do BNDES (FEP - categoria prospecção), assim como as fundações estaduais que têm como objetivo o desenvolvimento de técnicas de gestão pública e as universidades, poderiam desenvolver linhas de pesquisa sobre as PPPs com o objetivo de contribuir com a análise sobre a sua utilização eficiente;

· Transparência radical sobre informações decorrentes dos contratos de PPP: relatórios de fiscalização, aferição de indicadores de desempenho, valores das contraprestações, evolução da etapa de construção, análises sobre os valores dos ativos no tempo, todas essas informações deveriam ser disponibilizadas ao público em páginas eletrônicas criadas pelo poder concedente. Eventualmente, o poder concedente poderia até mesmo avaliar se não faria sentido transferir essa obrigação aos concessionários, que teriam, então, a obrigação contratual de criar e alimentar uma página eletrônica contendo todos os documentos públicos vinculados ao projeto de PPP.

Tais medidas não demandam alterações legislativas e contribuiriam para um mercado mais saudável para as PPPs. Não se nega que algumas das sugestões demandam maior esforço para serem implementadas, mas há entre as medidas aquelas de implementação imediata, como maior transparência e consolidação de técnicas de gestão dos contratos.

Estas propostas não são novas, elas apenas sistematizam algumas percepções já disseminadas no mercado de ideias sobre PPPs. Em resumo: o enfrentamento dos desafios relacionados às PPPs depende menos de projetos de leis ou de novos decretos, mas sim de maior cooperação entre os atores envolvidos (setor público, iniciativa privada, sociedade civil e academia).

 

Clique aqui e opine sobre estas propostas.

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