Marcos Siqueira Moraes é o Coordenador Geral da Unidade de PPP do Estado de Minas Gerais. No cargo desde 2010, vem mantendo, em conjunto com a equipe da Unidade de PPP e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, a dinamicidade e, porque não dizer, a liderança do Estado no que diz respeito às PPPs.
Além de Coordenador Geral da Unidade de PPP, Marcos é professor da Fundação João Pinheiro.
O programa de PPP de Minas Gerais não apenas tende a servir de exemplo em função do fato de que o Estado já celebrou 4 (quatro) contratos de PPP, realizou a consulta pública de edital de PPP da COPASA no mês passado e está, atualmente, com dois editais de PPP em fase de consulta pública (entorno viário da Cidade Administrativa e resíduos sólidos da Região Metropolitana de Belo Horizonte).
O programa de PPP do Estado deve ser analisado como um modelo para outros Estados e Municípios também em função de aspectos e preocupações como: transparência, capacitação do corpo técnico da Unidade, cooperação com instituições multilaterais e coordenação com outros órgãos do Estado.
Em função desse contexto, convidamos Marcos Siqueira Moraes para uma entrevista, publicada abaixo.
PPP Brasil. Você poderia traçar um panorama sintético sobre o programa de PPP de Minas Gerais, os resultados alcançados e os desafios que o programa enfrentará no curto prazo? A ideia é que o leitor do PPP Brasil, mesmo aquele que não conhece a experiência de Minas Gerais, possa ter uma percepção sobre o cenário das PPPs no Estado.
Marcos Siqueira Moraes. Acho que o primeiro aspecto relevante sobre Minas Gerais é que, de uma forma ou de outra, o governo do Estado vem mantendo forte prioridade política ao programa de PPPs desde 2003. Isto significa disponibilidade de tempo e energia dos atores estratégicos para enfrentar os principais problemas que surgem com o desenvolvimento dos projetos e para tomar as decisões que precisam ser tomadas quando elas precisam ser tomadas.
Sem este apoio estratégico não teríamos conseguido avançar com o ritmo e velocidade que avançamos. Quero dizer que com as atenções políticas voltadas para nós, foi possível estruturar um programa de PPPs com ações direcionadas para o curto e para o longo prazo.
No curto prazo, dedicamos boa parte dos nossos esforços para estruturar projetos de PPP. Quero dizer que nos dedicamos para coordenar e elaborar os estudos econômico-financeiros, jurídicos e operacionais associados com projetos específicos.
Para garantir que o programa de PPPs de Minas tenha sucesso no longo prazo, temos dedicado grandes esforços para desenvolver uma abordagem que vai além de projetos, acumulando conhecimento, manualizando procedimentos, aprimorando instituições, capacitando servidores e desenvolvendo as diretrizes para os projetos no futuro.
Tudo isso tem dado bons frutos. Hoje, Minas Gerais conta com contratos de PPP em setores bastante diversos, além de consolidar um pipeline de projetos com editais programados para o lançamento até o primeiro semestre de 2014. Assim, esperamos criar uma expectativa do mercado em relação às iniciativas a serem lançadas e, ao mesmo tempo, incentivar que os principais atores no setor de concessões, no Brasil e no mundo, desenvolvam capacidade de receber, analisar e concorrer para os projetos em nosso Estado.
PPP Brasil. A percepção decorrente da experiência de Minas Gerais com PPPs é de que o Estado conta com uma Unidade de PPP formada por técnicos competentes, legítima aos olhos das outras Secretarias do Estado, que se preocupa em estar próxima das instituições multilaterais, que estabeleceu um diálogo institucionalizado com a inciativa privada e que, quando necessário, contrata consultores externos para colaborar com suas atividades. Quais os próximos passos no que diz respeito à melhoria da capacidade institucional da Unidade?
Marcos Siqueira Moraes. Fico feliz que vocês tenham esta percepção. Sem sombra de dúvidas a Unidade Central de PPP é a principal ferramenta para implementação da política de PPPs de Minas. Empiricamente somos nós que conduzimos todas as etapas do ciclo de desenvolvimento de projetos, garantindo certo respeito por metodologias que já demonstraram sucesso no passado. Isto não significa dizer que o conteúdo das modelagens seja produzido por nós. Todos os aspectos técnicos são liderados por secretarias responsáveis pela política pública setorial.
Desta forma, trabalhamos com a consolidação de uma rede PPP dentro do Governo de Minas, que envolve também órgãos de controle e/ou de validação dos estudos técnicos tais como a Advocacia Geral do Estado a Secretaria da Fazenda e, quando é o caso, o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente.
Ao olhar para o futuro, visualizo o desafio de escalar o nossa capacidade de desenhar novos negócios. Hoje já conseguimos preparar 4 ou 5 novas iniciativas ao mesmo tempo, o que é um enorme avanço no contexto nacional. Entretanto, para termos o impacto que pretendemos ter na modernização da infraestrutura de Minas Gerais precisamos desenvolver capacidade de estruturar 40 ou 50 projetos ao mesmo tempo.
Multiplicar nossa capacidade de estruturar negócios significa mudar drasticamente o foco da atuação da Unidade PPP. Precisamos padronizar cláusulas, construir um modelo de matriz de risco e desenvolver rotinas para documentos. Em outras palavras criar capacidade para multiplicar os contratos envolve desenvolver padrões e modelos que tornem os complexos arranjos dos contratos de PPP mais rápidos para desenhar e mais simples de serem compreendidos pela iniciativa privada.
PPP Brasil. Diversos Estados e Municípios estão iniciando suas experiências com PPPs. Você poderia fazer alguns comentários sobre questões essenciais que não devem ser deixadas de lado quando o poder público começa a cogitar a celebração de contratos de PPP?
Marcos Siqueira Moraes. Acho que o principal aprendizado da experiência mineira, até agora, é que é preciso instalar, desenvolver e reter conhecimento sobre negócios de PPP dentro dos governos. Consultores, iniciativa privada ou organismos multilaterais não podem substituir o papel de coordenação e supervisão que os órgãos governamentais precisam exercer, tanto na fase de concepção e desenvolvimentos dos projetos quanto na fase de gestão dos contratos e regulação das concessões. Não há saída mágica par ao problema: ou governos se preparam, estruturando equipe e conhecimento, ou os contratos irão falhar, seja porque os interesses privados sobressairão ao interesse público, seja porque os objetivos pretendidos pelas partes não serão alcançados.
PPP Brasil. Atualmente, hás duas consultas públicas de editais de PPP sendo realizadas no Estado. Você poderia tecer alguns comentários gerais e ressaltar aspectos inovadores sobre estes dois projetos?
Marcos Siqueira Moraes. Há dois projetos em consulta pública. O primeiro é um projeto para contratação de empresa que promoverá a destinação final adequada de resíduos sólidos na Região Metropolitana de BH. O projeto incentiva a redução do volume de resíduos aterrados o que, aliado à flexibilidade tecnológica, criará condições para inovação que, no curso do contrato de concessão, possa garantir a preservação ambiental. Há também fortes incentivos para a geração de receitas comerciais com os resíduos, o que reduzirá, ao longo do tempo, a aplicação de recursos públicos diretos no projeto.
Há aqui, portanto, condições para uma mudança de paradigma no tratamento de resíduos sólidos no Brasil na medida em que o contrato implica em uma redução permanente dos impactos ambientais do lixo, ao mesmo tempo em que se cria as condições para que o lixo torne-se efetivamente um negócio rentável, com níveis decrescentes de subsídio público ao longo do tempo.
O segundo projeto em consulta pública trata-se da implantação de uma estrutura viária metropolitana que liga a Cidade Administrativa (nova sede do governo de Minas Gerais), com a região oeste da capital. O projeto será a primeira concessão rodoviária sem cobrança de pedágio do usuário do Brasil. A receita do concessionário, depois de implantada a estrutura viária, será composta de pagamentos públicos, calculados com base na efetiva disponibilidade da infraestrutura e em indicadores de desempenho que avaliarão a qualidade dos serviços de operação e manutenção rodoviária.
O sucesso deste projeto representará uma inovação incrível na maneira com que governos implantam e mantem rodovias em todo o país. Isto porque as estimativas indicam ganhos de eficiência na ordem de 20%. Em outras palavras implementar o projeto por meio de concessão custará aos cofres públicos cerca de 20% a menos do que se o implementasse por meio de obra pública tradicional. Os ganhos de eficiência são fruto da integração das fazes de projeto de engenharia, construção e manutenção nas mãos de uma mesma empresa. Estamos convencidos de que esta integração alinha incentivos que geram considerável aumento de eficiência.
PPP Brasil. Recentemente, foi publicada a solicitação de manifestação de interesse envolvendo estudos de viabilidade para o Centro Empresarial da Gameleira. Você poderia tecer alguns comentários sobre as expectativas da Unidade de PPP com esta solicitação?
Marcos Siqueira Moraes. O projeto do Centro Empresarial da Gameleira reflete a versatilidade do mecanismo das PPPs. O projeto refere-se a necessidade de reforma do atual parque de exposições agropecuárias Bolívar de Andrade e de expansão da estrutura para feiras e eventos em Belo Horizonte.
Trata-se de um conjunto de equipamentos que tem claramente um caráter comercial, e não de implementação de políticas públicas. Por isso, optamos por conduzir um procedimento de Manifestação de Interesse, já que o mercado possui dados mais precisos para a projeção de receitas e custos operacionais necessários à estruturação do projeto.
Após as manifestações privadas o projeto será avaliado pela nossa equipe e então vamos fazer as contas necessárias à preparação do modelo de concessão.
PPP Brasil. Dados compilados pelo PPP Brasil, que serão divulgados em breve, indicam que, apenas no âmbito estadual, em 2011 e 2012, foram publicados aproximadamente 40 (quarenta) chamamentos públicos ou procedimentos de manifestação de interesse para projetos de PPP. Você poderia tecer algumas percepções gerais sobre os pontos positivos e negativos deste instrumento para a estruturação de PPPs?
Marcos Siqueira Moraes. Mobilizar recursos, público e privados, para a preparação de projetos de PPP é uma etapa fundamental para que tenhamos cada vez mais e melhores projetos. Em minha opinião, um dos grandes problemas para o desenvolvimento das PPPs no Brasil é que gastamos pouco tempo e recursos na preparação dos projetos e com isso o resultado inevitável é que nem sempre os projetos são tão bons quanto gostaríamos.
Os Chamamentos Públicos podem ser um instrumento muito importante pois ajudam a mobilizar recursos em torno da preparação adequada de projetos. Entretanto, estes chamamentos não podem ser considerados como substitutos da capacidade de governos de estruturar negócios. Quero dizer que, para que estes Chamamentos Públicos cumpram seu papel, seu resultado precisa passar por cuidadoso escrutínio das equipes governamentais. Esta análise exige que equipes tenham, elas mesmas, know how para desenvolver projetos.
Portanto, os Chamamentos Públicos tem que ser considerados como uma forma de acelerar a capacidade de estruturar negócios, mas não podem prescindir do desenvolvimento de capacidades internas de governo, ou substituir as equipes de estruturação de projetos dentro do governo. Se este cuidado não for tomado não tenho dúvidas de que, na prática, os Chamamentos Públicos serão transformados em um mecanismo de introduzir indevidamente interesses privados na agenda governamental.
PPP Brasil. O que deveria ser feito para que as PPPs fossem utilizadas com mais frequência e qualidade no Brasil? Você poderia indicar e hierarquizar os três aprimoramentos prioritários que deveriam ser buscados entre os atores do mercado de PPPs?
Marcos Siqueira Moraes. Capacitação é, na minha opinião, o primeiro “aprimoramento” prioritário. Profissionais dos dois lados da mesa precisam aprender a lidar melhor com o tema. Neste sentido, passou da hora de organizarmos uma certificação (talvez uma especialização ou aperfeiçoamento) dedicado ao assunto no Brasil.
Outro aprimoramento fundamental refere-se ao desenvolvimento, pelos órgãos de controle, de metodologias apropriadas a supervisão de contratos de PPP. Os contratos de PPP são essencialmente distintos de contratos administrativos tradicionais e enquanto os órgãos de controle permanecerem implementando controles tradicionais seremos incapazes de absorver os prometidos ganhos de eficiência que o mecanismo de PPPs pode oferecer. Há iniciativas muito importantes neste sentido, mas ainda há muito que caminhar.
Acredito que o terceiro grande aprimoramento encontra-se no campo institucional/legal e trata-se de aumentarmos a clareza nas regras sobre impactos fiscais das PPPs, o que deve vir associado a práticas de enforcement destas regras. Em primeiro lugar é urgente esclarecermos as regras referentes aos impactos no endividamento público dos contratos de PPP e desenvolvermos mecanismos que garantam seu cumprimento. Isto parece-me vital para que avancemos de forma saudável.
Em segundo lugar, e de forma ainda mais relevante, os passivos contingentes que tem sido gerados por contratos de PPP simplesmente não estão sendo registrados, ou considerados, pela maioria dos governos. No longo prazo estes passivos, fruto das regras de distribuição de riscos dos contratos, podem criar buracos imensos nos orçamentos e jogar por terra todos os esforços de aprimoramento institucional que vem sendo empreendidos em todo o país.
A esta falta de clareza sobre os efeitos fiscais dos contratos, soma-se a necessidade de maior transparência sobre as regras dos negócios firmados, que dificulta o escrutínio independente dos passivos gerados pelos contratos.