Vera Monteiro é advogada, professora, Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). As parcerias público-privadas (PPPs) estão entre os temas de maior destaque em sua prática profissional e acadêmica.
O título de sua tese, defendida na USP, é “A caracterização do contrato de concessão após a edição da Lei nº 11.079/2004”, o que desde logo indica o interesse do PPP Brasil em entrar em contato com Vera para realizar uma rápida entrevista por escrito. Seu trabalho foi publicado pela Malheiros Editores, em 2010, com o título “Concessão”.
No campo do ensino jurídico, Vera é coordenadora do curso de Direito Administrativo do GVlaw, programa de especialização da Direito GV. No primeiro semestre de 2012, o módulo do curso, denominado Direito Administrativo Contratual, abordará, entre outros temas, aspectos atuais das PPPs.
Transcrevemos abaixo o inteiro teor da entrevista realizada com Vera Monteiro sobre o cenário das PPPs no Brasil e sobre os temas que serão abordados no módulo “Direito Administrativo Contratual”.
PPP Brasil. Qual o seu balanço a respeito do desenho dos contratos de PPP (concessão administrativa e patrocinada) já celebrados no Brasil até o momento? Você considera que há diferenças muito grandes se forem analisados os contratos celebrados em âmbito estadual em comparação com os contratos celebrados em âmbito municipal?
Vera Monteiro. Um bom contrato de concessão depende do trabalho intenso de uma equipe altamente qualificada e multidisciplinar, capaz de identificar os reais problemas técnicos, financeiros, jurídicos e de desenhar as melhores soluções para o caso. Em matéria de concessão não há contrato de prateleira, pois não há solução intercambiável, mesmo que dentro de um mesmo setor. Elaborar um bom contrato impõe conhecer a cultura do órgão licitante, o perfil do futuro gestor do contrato, o histórico de contratações do ente, as condicionantes tecnológicas e financeiras e, porque não dizer, o ambiente jurídico-institucional no qual ele está inserido. Não conheço um caso que tenha sido replicado sem completa revisão das premissas fáticas, técnicas e jurídicas. Cada caso é um caso, razão pela qual não é possível dizer que contratos estaduais são melhores que os municipais ou federais; ou vice-versa. Há contratos bons e contratos ruins. Há equipes públicas e consultores mais preparados e mais experientes do que outros.
O pequeno número de contratos de PPP celebrados até o momento, em número muito inferior ao anunciado pela euforia inicial, quando da aprovação da lei federal em 2004, deve-se, em boa parcela, a aquilo que acabo de apontar: a dificuldade de composição de uma boa equipe estruturadora do projeto. Mas este fator não é o único. Estruturar um projeto demanda tempo, pois envolve amadurecimento e intenso processo de negociação com os agentes públicos envolvidos. Além disso, vale lembrar a enorme dificuldade pública de contratação de consultores externos para composição do grupo de trabalho. Apesar de a legislação autorizar a sua contratação por inexigibilidade de licitação, esta possibilidade tem sido objeto de muitas críticas pelos órgãos de controle, inviabilizando, por vezes, a escolha dos melhores profissionais.
PPP Brasil. Não é raro entrar em contato com opiniões que sugerem a necessidade de que sejam implementadas alterações normativas legais e infralegais para que o uso das PPPs seja mais frequente no Brasil. Entretanto, a tendência de suscitar prioridades envolvendo alterações normativas pode desestimular outras soluções, talvez até mais simples quando comparadas com alterações na legislação (no caso das PPPs, por exemplo, um aprimoramento que independe de alteração normativa seria a decisão do poder público de investir em sua capacitação para estruturar projetos a serem contratados como PPPs e para gerir os respectivos contratos). Você considera que há alterações normativas prioritárias a serem realizadas para que a experiência brasileira com PPPs seja mais intensa? Quais seriam essas alterações?
Vera Monteiro. Eu acho que a legislação sobre PPP e concessões no Brasil é suficientemente aberta para permitir um grande número de soluções contratuais. Muitas delas inéditas, o que acaba gerando desconfiança por parte daqueles que gostariam de autorização legislativa expressa para cada nova solução desenhada. Minha experiência revela que o maior entrave às inovações ainda é o apego a uma visão legalista em matéria contratual. É, em grande medida, uma questão cultural que precisa ser superada. Mas nem todas as situações se enquadram em tal categoria. Os casos concretos já revelaram alguma necessidade de ajuste na norma. Para mencionar uma alteração que tem sido debatida, lembro do art. 7º da lei 11.079/04. Muitos atores têm argumentado a ineficiência da norma que proíbe o contratante de pagar o contratado antes da disponibilização do serviço. Haveria uma ineficiência econômica na regra que encareceria o negócio, onerando desnecessariamente os cofres públicos.
PPP Brasil. Você considera que há alguma demanda de interesse público no Brasil, quer seja em infraestrutura social ou econômica, em relação a qual às PPPs poderiam ser consideradas como modalidade de contratação mais adequada ao dispor do poder público?
Vera Monteiro. Só é possível fazer qualquer conjectura séria sobre potenciais setores para contratualização via PPP se se conhecer o setor a fundo. Muitas vezes, aliás, a equipe começa a estudar a viabilidade de um projeto, supondo o cabimento de certa espécie de concessão, e termina concluindo pelo cabimento de outra. Um ponto interessante, aliás, é o fato de a expressão PPP, no jargão dos gestores públicos, ter servido para quaisquer parcerias entre o público e o privado. Mas, pela lei federal nº 11.079/04, seu sentido serve para designar apenas duas espécies de contrato de concessão, as chamadas concessões patrocinadas e administrativas. Serão os estudos econômico-financeiros que direcionarão a modelagem contratual.
PPP Brasil. Você é professora de direito e coordena o curso de Direito Administrativo do GVlaw. Na sua opinião, qual é a visão que o setor público e o setor privado fazem do advogado que atua com infraestrutura e regulação: trata-se de um profissional que é visto como obstáculo ou como solução para os desafios de estruturação e gestão de contratos de PPP?
Vera Monteiro. Acho que a visão que o setor público tem do advogado que atua com infraestrutura e regulação é positiva. Como o assunto é novo para todos, o que prevalece é a colaboração e a construção conjunta de boas soluções. Este é o clima, aliás, em nossas aulas no módulo de direito contratual na especialização que coordeno na FGV-SP. A turma é composta por advogados públicos e privados, e nos debates em sala de aula noto que a ausência de soluções pacificadas e a necessidade de construção de novos caminhos consistentes, que respondam a contento os órgãos de controle, é um objetivo mútuo.
PPP Brasil. Quais são os temas em que o direito administrativo é pouco desenvolvido quando o tema é PPP?
Vera Monteiro. Vou mencionar dois. Um está relacionado ao processo licitatório. É preciso atualizar o conhecimento e adequá-lo aos desafios de uma licitação que tem o objetivo de escolher um privado que será responsável pela realização de alto investimento para a disponibilização de infraestrutura para a prestação de serviços de interesse público por um prazo longo. E o outro está relacionado ao contrato de PPP propriamente dito. Este instrumento nem de perto se parece com um contrato típico da lei 8.666/93. A complexidade da relação, a definição de mecanismos eficientes de fiscalização e a criação de um modelo de governança eficiente são grandes desafios. O contrato deve trazer bons mecanismos para solução dos imprevistos que certamente aparecerão ao longo dos anos. É preciso aceitar que a relação não ficará congelada pelos 30 anos ou mais do contrato. Os fatos e a dinâmica empresarial não poderão ser negligenciados, em verdade, é preciso estar consciente de que eles alimentarão a relação contratual ao longo da vigência do contrato. O desafio está no desenho das regras que regerão esta dinâmica.
PPP Brasil. Você poderia mencionar quais são os assuntos relacionados às PPPs que serão desenvolvidos no módulo Direito Administrativo Contratual?
Vera Monteiro. Serão analisados aspectos da licitação e dos contratos. Partiremos de casos concretos para avaliar o que tem sido feito, provocando os alunos a encontrar soluções melhores, a partir do relato, por quem participou de vários desses processos, das dúvidas e dificuldades vivenciadas.
PPP Brasil. Quais são suas expectativas e os principais desafios para o mercado de PPPs em 2012?
Vera Monteiro. A expectativa é sempre positiva. Vejo muitos Estados e Municípios editando normas próprias, seja para regulamentar o chamado processo de manifestação de interesse, seja para estruturar conselhos gestores dos projetos. Ambas as iniciativas supõem a capacitação de gestores públicos para interagir com o mercado e melhorar suas estruturas decisórias. Já temos a legislação, o que precisamos agora é de “gestores fortes”, para decidir com competência a condução dos processos. Estados e Municípios, aliás, deveriam unir esforços nos muitos projetos de interesse comum, como ocorre, por exemplo, com mobilidade urbana e saneamento ambiental.