Artigo: Aspectos relevantes do subsídio a investimento em concessões e PPPs

1. Descrição da situação

Um Governo Estadual ou Municipal quer implantar um projeto em setor de infraestrutura, por exemplo, no setor de transportes metropolitanos, como um metrô ou um veículo leve sobre trilhos, e ter assegurada a sua manutenção e operação adequada por prazos longos, por meio de uma concessão ou uma PPP.

Os altos custos do investimento na infraestrutura desse projeto torna inviável a sua sustentação somente com a cobrança de tarifa ao usuário, e, por isso, será preciso a realização de alguma sorte de transferência de recursos públicos ao(s) contratado(s) para a sua implantação, operação e manutenção.

O Governo (estadual ou municipal) possui parcela relevante dos recursos para a realização do investimento em caixa ou tem acesso a transferências do PAC para viabilizar a implantação do projeto.

O Governo quer viabilizar o início de operação do projeto em prazo curto, em vista da necessidade de atender a um cronograma de eventos, como o da Copa e da Olimpíada.

O Governo percebe, além disso, que ao incluir o investimento do projeto em um contrato de PPP, o valor das contraprestações públicas fica extremamente alto quando comparado ao custo estimado desse investimento se arcado pelo Poder Público diretamente. Isso porque ao realizar o pagamento pelo investimento ao parceiro privado, sob a forma de contraprestação, criam-se ineficiências financeiras e tributárias.

De um ponto de vista financeiro, a dilação temporal entre o investimento e o pagamento da contraprestação leva à necessidade de remunerar, pelo período da dilação, o capital investido do concessionário.

De um ponto de vista tributário, o pagamento como contraprestação por serviço atrai a incidência de todos os tributos federais que incidem sobre receita (PIS, COFINS) além do ISS e dos tributos sobre a renda (IR, CSLL). 

 

2. Atribuições a serem alocadas entre as partes para consecução do projeto

Há, nesse contexto, basicamente 4 atribuições que podem ser agrupadas e alocadas entre as partes de diversas formas:

a) A realização da obra civil para implantação da infraestrutura;

b) O fornecimento de material rodante e fornecimento e instalação de sistemas de controle e comunicação;

c) A manutenção da infraestrutura e do material rodante;

d) A operação do transporte.

 

3. Agrupamento das atribuições em contratos a serem firmados entre Poder Público e entes privados

Nesse contexto, o Poder Público pode agrupar as atribuições para consecução do projeto pelo menos nos seguintes contratos:

a) contrato de obra, para implantação da infraestrutura, combinado com um contrato de concessão  ou PPP para operação e manutenção – neste caso, o Governo faria o investimento na obra, e tornaria, assim, possível a realização de concessão comum, ou PPP (com baixa contraprestação) para operação e manutenção da infraestrutura;

b) contrato de concessão administrativa para implantação e manutenção da infraestrutura, combinado com um contrato de concessão (comum ou patrocinada) para operação do transporte;

c) contrato de obra e de fornecimento de material rodante e sistemas, combinado com um contrato de concessão comum para manutenção da infraestrutura e do material rodante/sistemas e para operação do transporte;

d) contrato de concessão patrocinada para implantação e manutenção da infraestrutura, fornecimento de material rodante e sistemas e sua manutenção, e operação do transporte;

e) contrato de aquisição do material rodante/sistemas (há algumas eficiências tributárias em deixar a aquisição do material rodante a cargo do Poder Concedente), combinado com uma concessão para a realização de obra, manutenção da infraestrutura e do material  rodante/sistemas, e para operação do transporte.

 

3. Critérios para tomada de decisão quanto à forma do(s) contrato(s) a ser(em) empregado(s) para implantação e operação do projeto

 

3.1. A necessidade de projeto básico quando envolver contrato de obra ou de fornecimento do material rodante/sistemas

Em todas as opções de implantação do projeto que envolvem ou um contrato de obra, ou um contrato de fornecimento de material rodante/sistemas a ser celebrado pelo Poder Público será necessária a prévia realização de projeto básico, como condição do início do processo de contratação dessa obra (art. 7º, §2º, inc. I, da Lei 8.666/93), e a especificação (projeto) do material rodante e sistemas como condição da realização da licitação para seu fornecimento (art. 14 e 15, §7º, inc. I).

Para fazer esses projeto e especificações, o Poder Público terá que, em regra, licitar o contrato para a realização do projeto básico da obra e especificações do material rodante e sistemas[1] e depois aguardar e acompanhar a sua execução, o que significa gastar em torno de 4-5 meses para a licitação e mais pelo menos 3-6 meses para realização do projeto. Esses prazos muitas vezes vão inviabilizar o início de operação do serviço de transporte no prazo desejado pelo Poder Público.

Nos casos de projetos relacionados à Copa do Mundo e a Olimpíada, por conta da incidência do Regime Diferenciado de Contratação, será viável iniciar a obra/fornecimento utilizando apenas o anteprojeto da obra, material rodante e sistemas, o que pode abreviar de forma relevante o prazo necessário para início da licitação da obra ou do fornecimento (vide art. 12 da Lei Federal 12.462/11).

O anteprojeto é o nível de detalhamento do projeto geralmente exigido também para início da licitação da concessão/PPP. Portanto, se o RDC incidir sobre o projeto, a opção por uma forma de implantação que inclua a celebração de contrato de obra ou de fornecimento de material rodante e sistemas não implicará em atraso do projeto, em comparação com o cronograma para sua implantação por meio de concessão ou PPP.[2]

 

3.2. As questões relativas à contabilidade pública, à lógica orçamentária e a classificação do subsídio a obra como transferência de capital, subvenção ou contraprestação

Antes de tratar das regras de contabilidade pública incidentes sobre o problema em tela, é preciso especificar alguns conceitos para evitar confusões vocabulares.

Em primeiro lugar, é preciso distinguir: (a) os conceitos econômicos de subsídio e contraprestação, (b) os conceitos contábeis de “subvenção” e “transferência de capital”; e, (c) a noção tributária de “subvenção a investimento”.

Subsídio é um conceito econômico e pode ser utilizado para qualquer caso em que um ente (geralmente, mas não necessariamente, o Estado) paga parcialmente ou totalmente por uma utilidade a ser usufruída por um terceiro.

É nesse sentido que é comum falar-se em “subsídio tarifário” (quando, por exemplo, o Estado paga ao prestador de um serviço público, parcela do custo do serviço para reduzir o valor da tarifa ao usuário desse serviço); ou subsídio cruzado (quando, por exemplo, um usuário custeia parte do serviço a ser provido a outro usuário); ou, ainda “subsídio para investimento”, quando, por exemplo, um ente governamental transfere recursos para uma empresa estatal ou privada para realizar investimentos em uma infraestrutura para a prestação de serviços públicos.[3]

É possível, contudo, verificando as circunstancias de uso do conceito de “contraprestação” e do de “subsídio”, constatar uma diferença relevante.

O conceito de contraprestação se refere geralmente a pagamento em contrato bilateral, sinalagmático, e, aponta, portanto, para alguma proporcionalidade entre as obrigações das partes: entre, de um lado, o pagamento, e, do outro, o serviço prestado, ou o título ou direito sobre bem que foi transferido pelo contrato.

Já o conceito de subsídio aponta geralmente para a cobertura de custos, para uma ajuda de custo, um suporte dado por um ente estatal para tornar viável a realização de empreendimentos ou obras de interesse público ou a prestação de serviços de interesse ou utilidade pública.

Da perspectiva, contudo da contabilidade pública, o subsídio conferido pelo Poder Concedente ao concessionário ou parceiro privado pode ser caracterizado ou como “subvenção”, quando se tratar de subsídio dado para custeio das atividades dessas empresas, isso é cobertura de déficits operacionais; ou, como transferência de capital quando se tratar de subsídio para a realização pelo ente beneficiado de investimentos em obras, fornecimento de equipamentos etc.

A Lei de Contabilidade Pública (Lei Federal 4.320/74) diferencia claramente tanto as subvenções quanto as transferências de capital das contraprestações pela aquisição serviços e bens pela entidade governamental que realiza o subsídio (art. 12, §2º, 3º e 6º). Vincula, assim, as subvenções e as transferências de capital à cobertura de déficits dos entes beneficiários: déficit operacional, no caso das subvenções; e, déficit decorrente da realização de investimento, no caso das transferências de capital.

Em relação às subvenções, a Lei 4.320/74 condiciona a sua realização a empresas lucrativas (como o são as SPEs signatárias de contratos de concessão comum, administrativa ou patrocinada) à autorização em lei especial (art. 19, da Lei 4.320/74).

No que toca as transferências de capital, há na Lei 4320/74 a proibição de sua realização quando os investimentos se incorporarem ao patrimônio de empresas privadas de fins lucrativos (art. 21). Daí que essas transferências de capital só podem ser realizadas quando os investimentos se referirem a ativos de natureza pública, inclusive aqueles que, por efeito da reversibilidade dos bens afetos à prestação do serviço público, retornam para o patrimônio de ente estatal.

Note-se que a Lei Federal 4.320/74 foi absorvida pela Constituição Federal de 1988 como Lei Complementar. Por essa razão o regramento que estabelece tanto para as subvenções para empresas lucrativas, quanto para as transferências de capital para empresas privadas só poderiam ser alterados por norma do mesmo grau hierárquico (Lei Complementar) ou superior (Emenda Constitucional). Decorre disso que nem a Lei Geral de Concessões (Lei Federal 8.987/95), nem a Lei de PPPs (Lei Federal 11.079/04) poderiam alterar as condições estabelecidas na Lei 4.320/74 para realização de subvenções.

Apesar da impossibilidade da Lei Geral de Concessões alterar o regime genérico das subvenções e das transferências de capital previstas na Lei 4.320/74, ela dispôs indiretamente sobre o assunto no seu art. 17, que, com o objetivo de evitar quebra da isonomia entre as propostas dos concorrentes em licitações de concessão, previu que as propostas só podem consignar os subsídios (termo que abrange tanto as subvenções quanto as transferências de capital) necessários à sua viabilização, que estejam previstos em lei.

Esse dispositivo – apesar de claramente não ter sido essa a preocupação que norteou a sua redação – foi interpretado de modo a condicionar a realização de subsídios tarifários a prévia autorização legislativa.

Sem dúvida, contudo, essa interpretação é perfeitamente harmônica com a exigência de autorização legislativa para as subvenções, constante do art. 19, da Lei Federal 4.320/74.

Em relação às transferências de capital, não havia na Lei 4.320/74 exigência de prévia autorização em lei especial (sendo, contudo, evidentemente, indispensável a previsão da transferência na LOA – Lei Orçamentária Anual da entidade governamental a realizar a transferência de capital). Como a regra do artigo 17, da Lei 8.987/95, abrange qualquer tipo de subsídio, a interpretação usual desse dispositivo é que ele teria por efeito a exigência de autorização legislativa para transferência de capital do Poder Concedente para a SPE signatária de contrato de concessão comum, patrocinada e administrativa.[4]-[5]

Havia, também, na versão aprovada pelo Congresso da Lei Federal 8.987/95 dispositivo que permitia a garantia de receita bruta mínima pelo Poder Concedente ao concessionário (art. 24). Esse artigo foi, contudo, vetado pelo Poder Executivo, exatamente, porque, ele estava na contramão dos objetivos do Governo de utilizar as concessões prioritariamente como instrumento para melhoria da situação fiscal do país, e, por isso, não fazia sentido permitir a criação de comprometimentos de recursos orçamentários por meio da celebração de contratos de concessão.

Alguns juristas interpretaram que esse veto teria tornado inviável a realização de subsídio a concessionário comum de serviço público (e por extensão também a parceiro privado em concessão patrocinada ou administrativa), e alguns chegam a manter esse entendimento mesmo na presença da autorização legislativa em lei especial no âmbito do Poder Concedente, para realizar o subsídio.

Esse entendimento parece-nos equivocado. É que, em primeiro lugar, a criação de restrição, por meio de legislação federal, à realização de subsídio por ente subnacional (Estado ou Município) é tema de Direito Financeiro, e, por isso, conforme art. 163, inc. I, da Constituição Federal, só poderia ser feita por Lei Complementar – nos moldes da Lei 4.320/74, que permitiu a subvenção econômica a empresa lucrativa (inclusive concessionária de serviço público) se houver, para tanto, autorização legislativa específica. O veto, portanto, de um dispositivo de Lei Ordinária jamais poderia ter efeito restritivo do poder genérico dos órgãos subnacionais de criarem subsídios para as atividades que achem cabível.

Em segundo lugar, o veto não tem poder legislativo adicional a não ser o de retirar, apagar, o dispositivo vetado da Lei. Não faz o menor sentido conferir ao veto um poder normativo, como se o veto a uma dada permissão, gerasse automaticamente e per si, uma proibição; ou, o oposto, o veto a uma proibição, gerasse uma permissão. Nesse contexto, o que é relevante é saber se, na ausência da norma vetada, isto é com o seu desaparecimento antes mesmo de se tornar válida no sistema jurídico, subsiste no ordenamento jurídico norma que permita a realização subsídio.

E, como já dito acima, não resta dúvidas que o art. 19, da Lei 4.320/74, permite a subvenção econômica a empresa lucrativa, desde que haja autorização legislativa específica para tanto naquele ente governamental; e, em relação às transferências de capital, nem mesmo a autorização em lei especial (para além da previsão na LOA) é exigida. Há, apenas a exigência de que as transferências de capital não se realizem para investimentos em bens que se incorporem ao patrimônio de empresas privadas (art. 21, da Lei 4.320/74).

Por fim, a Lei de PPP (Lei 11.079/04) ao disciplinar o pagamento público, em contratos de concessão administrativa ou patrocinada, o caracterizou como “contraprestação” por serviços.

São duas as razões porque a Lei de PPP adotou essa caracterização para o pagamento público. A primeira razão é porque a Lei de PPP, sendo Lei Ordinária, não poderia alterar as condições estabelecidas na Lei Federal 4.320/74 (que, como já dissemos, é Lei Complementar) para a realização de subsídios.

Em segundo lugar, como a contraprestação (o pagamento público que é a contrapartida na aquisição de um bem ou serviço), por se constituir em uma das duas partes mais centrais de qualquer contrato (a outra é a especificação do serviço ou do bem a ser adquirido), há que se entender que a competência da União de emitir regras gerais sobre contratos administrativos (art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal), abrange o poder de dispor sobre a contraprestação, de maneira que não há dúvidas que, ao adotar por Lei Ordinária (nesse caso, a Lei de PPP) o conceito de pagamento público sob a forma de contraprestação por serviços, a União não estaria exorbitando a competência que lhe conferiu o art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal.

Parece-me, contudo, claro que, do ponto de vista econômico, havia, ao longo da tramitação da Lei de PPP no Congresso Nacional, uma preferencia do legislador por um modelo de contratação que estivesse mais próximo do que a própria Lei 8.987/95 chama de regime do preço do serviço do que do regime por custo do serviço.

No regime de custo do serviço o contratado transfere para o Poder Público os custos da prestação mais uma dada margem. O modelo, nesse caso é o de cobertura pelo Poder Público dos déficits operacionais e margem do contratado. Esse regime é muito comum entre nós nas concessões ou permissões de transporte urbano de passageiros por ônibus. Já no regime do preço do serviço o contrato estabelece uma matriz de riscos clara que regula quais variações de custos podem ser repassados do concessionário para o Poder Concedente ou para o usuário.

A preferencia dos atores envolvidos na tramitação da Lei de PPP no Congresso Nacional pelo regime de preço do serviço levou a Lei de PPP a focar-se na ideia de contraprestação pública, caracterizada pelo seu art. 7º, como pagamento por serviço disponibilizado ou parcela fruível de serviço disponibilizado.[6]

Mas, novamente, é importante afirmar que o foco da Lei PPP na ideia de contraprestação não quer dizer que o regime dos subsídios esteja afastado. Ele permanece como uma possibilidade desde que cumpridas as condições previstas para tanto na Lei 4.320/74 e nas demais normas que disporem sobre o assunto em cada ente governamental.[7]

 

3.3. A questão tributária

De uma perspectiva econômica, em uma PPP ou concessão comum, o Poder Público poderá realizar o pagamento pelo investimento realizado pela SPE:

a) ou sob a forma de contraprestação, caso em que se tratará de um pagamento por serviço disponibilizado ou prestado;

b) ou sob a forma de subsídio, para usar a linguagem da contabilidade pública, “subvenção” ou “transferência de capital”, caso em que o Poder Concedente ou apenas cobrirá o déficit operacional (no caso de subvenção) ou pagará os custos do investimento da SPE (quando for transferência de capital).

Se o Poder Público realizar pagamento à SPE sob a forma de contraprestação (portanto, só após a disponibilização do serviço) estará, nesse caso, não apenas reembolsando custos, mas, também, remunerando o concessionário com a rentabilidade estimada do capital investido. Por isso, incidirá sobre o valor da contraprestação o conjunto de tributos incidentes sobre qualquer prestador de serviços: CSLL, PIS, COFINS, IR e ISS.

Por outro lado, há no mundo tributário a figura da “subvenção a investimento[8], cuja correspondente na contabilidade pública é a “transferência de capital”. O enquadramento da transferência de capital como subvenção a investimento afastaria a tributação mencionada acima.[9]

Por isso, a aplicação desse regime de subvenção a investimento reduziria substancialmente o custo global do projeto para o Estado ou Município que for, nesse caso, Poder Concedente.

Além de exigências formais e contábeis, a principal exigência substancial para incidência desse regime é que o valor a ser reembolsado pelo Poder Concedente seja menor ou igual ao valor do investimento realizado pela SPE.[10]

 

 

3.4. O carregamento do custo financeiro do investimento e o momento do pagamento

Um outro tema relevante para escolha do modelo de contratação para implantação e operação do projeto é o do momento do pagamento seja da contraprestação seja da subvenção a investimento.

É que se houver dilação temporal entre a realização do investimento pela SPE e o momento de recepção dos recursos do Estado/Município – seja a título de contraprestação, seja a título de subvenção a investimentos – isso gerará um custo financeiro para a SPE em realizar essa dilação, eis que o capital despendido pela SPE, terá que ser remunerado, a valores atrativos para o risco envolvido no investimento, pelo prazo em que ocorrer essa dilação. Quanto mais longo, portanto, o período entre a realização do investimento e o seu pagamento maior será o custo financeiro envolvido nessa operação.

Se o pagamento do serviço a SPE se fizer sob a forma de contraprestação/tarifa, esse custo financeiro (que da perspectiva do investidor da SPE é a taxa de retorno do capital nela investido), será repassado para o preço do serviço e arcado, portanto, ou pelo usuário por meio da tarifa, ou pelo Poder Concedente por meio de contraprestação.

Se, contudo, o Poder Concedente (Estado ou Município) resolver realizar o pagamento sob a forma de subvenção a investimento – e se quiser se beneficiar do regime de desoneração tributária a ela aplicável – esse pagamento não poderá cobrir o retorno do investidor, já que a caracterização da subvenção a investimentos, para incidência dos efeitos tributários, requer o pagamento apenas dos custos do concessionário (sem pagamento de uma margem ou de uma taxa de retorno sobre esse valor ao concessionário).

Por isso, caso o Poder Concedente resolva realizar dilação entre o momento do investimento realizado pela SPE e o momento do pagamento da subvenção ao investimento, o valor pago – para que se preserve a possibilidade de aplicação do regime de desoneração tributária – deve ser no máximo o valor do custo do investimento para a SPE. A margem da SPE (composta nesse caso pela sua taxa de retorno do investimento) não poderá ser reembolsada pelo Município ou Estado.[11]

 

3.5 A utilização das debêntures para transferência de recursos do Poder Concedente para a SPE

No Estado de São Paulo, há uma proibição na Constituição Estadual para a realização de subsídio a serviços concedidos a iniciativa privada (art. 119, Parágrafo Único).

Uma questão que emerge da redação desse dispositivo é saber em que medida as transferências de capital devem ser entendidas, nesse caso, como “subsídio a serviços concedidos” uma vez que se trata, como já dissemos acima, de investimento em ativo de titularidade do Poder Público, ou gravado de cláusula de reversão.

De qualquer modo, pendente ainda, até onde sabemos, de ser realizada uma discussão mais profunda do assunto, essa proibição ao subsídio a serviços concedidos levou alguns financistas e juristas a proporem a estruturação da transferência de recursos do Poder Concedente para a SPE por meio da emissão de debêntures da SPE a serem adquiridas pelo Poder Concedente.

A transferência de recursos por meio da emissão de debêntures por SPE signatária de contrato de concessão comum, administrativa ou patrocinada, a serem adquiridas pelo Poder Concedente, é uma inovação cujos desdobramentos em vista da legislação administrativa, tributária e societária vai requerer esforço de aprofundamento que já está sendo feito tanto na iniciativa privada, quanto em órgãos públicos.

Outros Estados e Municípios além de São Paulo estão também estudando o mesmo modelo, particularmente aqueles que, por motivos de natureza política, ou por uma interpretação mais restritiva sobre as possibilidades de realização de subsídios em PPPs ou concessões comuns, estão buscando outras alternativas de obter os mesmos resultados da transferência de capital em conjunto com a sua caracterização, para efeito tributário, como subvenção a investimento.

 

4. Opções disponíveis para o estruturação dos contratos

Diante desse quadro, ciente que o tema comporta ainda mais estudos, e considerando que o mundo ideal para os Estados e Municípios que se encontram nessa situação seria conseguir realizar o investimento para implantação e operação do projeto em um só contrato de PPP ou concessão comum, no qual fosse viabilizada a realização de subsídio, sob a forma de transferência de capital, a ser pago concomitantemente com o andamento da obra (de modo a não gerar custos financeiros desnecessários) e sob o regime de desoneração tributária da subvenção a investimentos (de modo a reduzir o custo tributário do empreendimento), cremos já ser possível alinhavar o seguinte:

a) a separação dos investimentos em obra e em material rodante e sistemas em contratos de obra pública ou de fornecimento e instalação dos equipamentos a serem licitados e assinados pelo Poder Público separadamente dos contratos de concessão ou PPP para operação do transporte e manutenção da infraestrutura e do material rodante/sistemas, exige que o Poder Público elabore ou contrate a elaboração de projeto básico das obras e do material rodante e sistemas a serem fornecidos. E, essa obrigação de obtenção dos projetos básicos, pode implicar em atraso de mais de um ano para o início da licitação da obra ou fornecimento, o que significa, em muitos casos, inviabilizar a utilização dessa opção de modelagem contratual. Por outro lado, em projetos submetidos ao RDC – Regime Diferenciado de Contratação seria viável realizar uma contratação integrada da obra e da concessão, utilizando para início da licitação do contrato de obra apenas o seu anteprojeto, que é algo que, algumas vezes, o poder público já dispõe, ou é capaz de elaborar internamente, em prazos compatíveis com a urgência na disponibilização dos serviços em vista da Copa e da Olimpíada;[12]

b) que o veto ao art. 24 da Lei 8.987/95, e o advento da Lei 11.079/04 não afastaram, nem invalidaram a possibilidade de realização de subsídios pelo Poder Concedente a SPEs concessionárias (em contratos de concessão comum, patrocinada ou administrativa) nos setores de infraestrutura;

c) que existem benefícios tributários extremamente relevantes em caracterizar a transferência de capital como subvenção a investimentos, de maneira a evitar a carga tributária incidente sobre o pagamento sob a forma de contraprestação de serviços;

d) que há uma regulação tributária específica sobre a subvenção a investimento, cuja questão substancial mais relevante para obtenção da desoneração tributária é que o valor a ser desonerado seja igual ou menor que o custo do investimento para o concessionário ou parceiro privado (sem acrescentar qualquer margem);

e) que a dilação entre a realização do investimento pela SPE e o pagamento da subvenção a investimento ou contraprestação gera um custo financeiro (taxa de retorno da SPE), que em última análise será arcado ou pelo Poder Público (como contraprestação, já que esse custo não pode em tese ser objeto de subvenção a investimento para efeito tributário), ou pelo usuário do serviço, e que o ideal é que essa dilação seja eliminada.

 


[1]No caso de material rodante, contudo, empresas como a Companhia do Metrô do Estado de São Paulo e a CPTM possuem capacidade interna para definir as especificações de material rodante e sistemas, inclusive com nível de detalhamento que seria equivalente ao de projeto executivo de obra, de maneira que, para essas empresas, não seria, em regra, necessária a contratação externa dessa expertise.

[2]Nesse caso, seria necessário avaliar quais os riscos para implantação do projeto trazidos pelo fato do RDC ser objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ainda não julgadas pelo STF.

[3] Nesse sentido econômico, genérico, de subsídio, poder-se-ia até mesmo chamar a contraprestação pública, por exemplo, em uma concessão patrocinada, de subsídio. Para evitar confusões, contudo, vamos trabalhar nesse texto com um conceito de “subsídio” que tem como limite e oposição o conceito de “contraprestação”. Portanto, nos limites desse texto, a contraprestação pública não integra a ideia de subsídio.

[4]Faria sentido indagar se pode a Lei 8.987/95 dispor sobre as condições para realização de subsídio por Estados e Municípios, já que, a rigor, isso é matéria de direito financeiro, reservada, portanto, a Lei Complementar. A pertinência temática com as licitações de concessão é sem dúvida um argumento a favor da possibilidade da Lei 8.987/95 regrar as condições de disponibilização de subsídios para concessionárias privadas de serviço público. O argumento contrário é que, ainda que indiretamente, a Lei Federal 8.987/95 estaria interferindo com a liberdade orçamentária dos entes subnacionais. No nosso entendimento, uma solução para esse problema seria interpretar o art. 17, da Lei 8.987/95, conforme a sua intenção, que, claramente, é exigir a disponibilização a público, antes da licitação, da informação sobre os eventuais subsídios a serem aplicáveis ao contrato de concessão, de modo a assegurar a isonomia de propostas na licitação dos contratos de concessão e PPP, sem, entretanto, exigir que eventuais transferências de capital estivessem previstas em lei diversa da orçamentária.

[5]Esses dispositivos e as interpretações mencionadas reforçaram durante os anos 90 o uso das concessões de serviço público prioritariamente como instrumento para melhoria da situação fiscal do país, impedindo, por isso, a realização de concessões que implicassem na criação de novos compromissos de pagamento para o Poder Público.

[6] O art. 6º da Lei de PPP estabelece que o Poder Público poderá realizar pagamento por desempenho. Já tive contato com situações em que advogados públicos interpretavam o pagamento por desempenho não como uma possibilidade, mas sim como uma exigência da lei. Como o dispositivo de Lei é expresso em dizer que o Poder Público “poderá” pagar por desempenho, cremos que não vale a pena gastar tinta na sustentação dessa nossa posição. No que diz respeito ao sistema de pagamentos, cremos que o mais importante é a verificação da adequação dos incentivos econômicos por ele gerados para cumprimento do contrato.

[7]No livro “Comentários à Lei de PPP – fundamentos econômico-jurídicos”, Malheiros Editores, 2007, item VII, que escrevi em coautoria com Lucas Navarro Prado, comentando o art. 7º, da Lei 11.079/04, posicionei-me no seguinte sentido:

“…a razão da inserção do dispositivo ora em análise foi evitar a realização de parcerias com a estrutura das celebradas no Brasil ao final do século XIX para a construção dos primeiros projetos ferroviários.

Do ponto de vista estritamente técnico, contudo, sua redação revela opção por um modelo de PPP em detrimento de outros. Ao exigir que a contraprestação só se faça após a disponibilização dos serviços, a Lei de PPP afastou a possibilidade de se fazer projetos de PPPs que prevejam subsídio ao investimento na infra-estrutura.

No presente artigo, revejo essa posição, porque, a Lei de PPP é Lei Ordinária e o regime dos subsídios é regulado por Lei Complementar (art. 12 e parágrafos, 19 e 21, da Lei 4.320/74). Por essa razão, a Lei de PPP não poderia, de qualquer modo, alterar ou suprimir o regime dos subsídios. Por isso, apesar do modo como a Lei 11.079/04 caracterizou o pagamento em contrato de PPP como “contraprestação” expressar, de uma perspectiva econômica, clara preferencia pelo modelo de pagamento por serviço em contraposição ao modelo do subsídio, a Lei de PPP não poderia ter (e não teve) o condão de suprimir a possibilidade da realização de subsídio em concessão comum ou PPP, desde que seguidas as exigências e condicionamentos para tanto previstas na legislação sobre orçamento e finanças públicas.

[8] Sobre os aspectos tributários das subvenções a investimento ver o art. 38, §2º, do Decreto-Lei 1.598/77, o art. 18, da Lei 11.941/09, e os Pareceres Normativos  CST – Coordenador do Sistema de Tributação 142/73, 02/78 e 112/78.

[9] Neste sentido, parecer emitido pelo Professor Luis Eduardo Schoueri, em consulta realizada pela CPD – Companhia Paulista de Desenvolvimento, em 27/04/2011. No mesmo sentido, mas enfatizando mais a possibilidade de desoneração do IRPJ e da CSLL do que dos demais tributos, nota técnica emitida pelo Gabinete do Procurador Geral, da Procuradoria do Estado de São Paulo, datada de 11/08/2011, e assinada pelos Procuradores Cristina M. Wagner Mastrubuono e Denis Dela Vedova Gomes.

[10] É possível também que se entenda necessário para tanto uma adequação da Portaria Interministerial STN/SOF 163/2001, da qual foi eliminada a previsão da subvenção a investimento supostamente sob entendimento de que o art. 21 da Lei 4.320/74, por ter proibido transferência de capital para investimento em ativos que se incorporem ao patrimônio de empresas privadas, haveria proibido as subvenções a investimento. Contudo, no caso tratado nesse artigo, os ativos a receberem o investimento serão ou ativos de propriedade do ente público, ou ativos reversíveis para o patrimônio público.

[11] Se houver a dilação temporal, e se essa margem não for reembolsada pelo Poder Concedente para preservar a desoneração tributária, então, certamente, essa margem será paga pelo usuário, no preço da tarifa, ou pelo Poder Concedente no preço da contraprestação.

[12] Cf.: Ribeiro, M.P., Prado, L.N., Pinto Jr., M.E., Regime Diferenciado de Contratação: licitação de infraestrutura para a Copa do Mundo e Olimpíadas, Editora Atlas, 2012, pp. 16-67.

 

(Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do PPP Brasil. O portal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações).

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