Na esteira dos recentes acontecimentos envolvendo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a temática volta-se para a malversação de recursos públicos. Recentemente, uma sentença da Justiça Federal (1ª Vara Federal do Ceará) utilizou a expressão “estradas sonrisal” para se referir às rodovias federais localizadas naquele Estado, em particular a BR 020, foco da sentença. O adjetivo ilustra bem o que tais contratos deixam perceber: seus valores são licitados com base na obrigação de que seja construída uma rodovia com certo padrão de qualidade, entretanto, a qualidade efetivamente entregue fica muito aquém daquela prevista contratualmente.
Infelizmente, ainda não foram inventados os contratos públicos à prova de corrupção (permita-me, leitor, pressupor que eles poderiam ser inventados...). Entretanto, esta infelicidade não pode gerar a percepção de que nada resta a fazer; há instrumentos contratuais ao dispor do poder público que, a despeito de não resolverem o problema em um passe de mágica, podem, sim, inibir os desvios apresentados.
Uma das grandes perversidades do modelo de contratação do DNIT (contrato de empreitada, previsto na lei de licitações) deriva do fato de que a empresa contratada para construir a rodovia não será responsável por operá-la e mantê-la. Na medida em que uma empresa é somente responsável por construir a rodovia, há o incentivo para que tente executar a obra com os menores custos possíveis, independentemente dos maiores ou menores custos de manutenção da obra no futuro. Como a eficiência sempre encontra limites, o próximo passo (o primeiro no caso das empresas ineficientes), é reduzir a qualidade da obra, entregando algo que, a despeito de aparentar a qualidade contratada, terá uma vida útil menor do que a prevista.
O contrato de empreitada, na medida em que reparte a gestão do ativo público em diversos contratos ao longo de certo período, incentiva posturas oportunistas por parte da empresa responsável pela obra. As parcerias público-privadas (PPPs, previstas em lei federal desde 2004), entretanto, permitem que tais posturas oportunistas sejam mitigadas.
No caso das PPPs, ao contrário do que ocorre no contrato de empreitada, o parceiro privado será responsável por todo o ciclo de vida do ativo (construção, operação, manutenção e, ao fim do contrato, reversão do ativo ao poder público). Nesta modalidade, resta pouco espaço para que o parceiro público sacrifique a qualidade do ativo na fase de sua construção, pois, se realizar tal estratégia, arcará com maiores custos de operação e de manutenção durante o prazo do contrato.
As PPPs, sem exagero, permanecem como uma estranha desconhecida da administração pública brasileira, principalmente no governo federal. Por que o DNIT não recorre às concessões administrativas (espécie de PPP) no lugar de recorrer a diversos contratos de empreitada?
Não se ignora que as PPPs demandam uma administração pública melhor preparada, aberta para novas técnicas contratuais, organizada para pensar no médio e longo prazo e pronta para lidar com contratos mais complexos que os tradicionais contratos de empreitada. Mas nenhuma dessas circunstâncias justifica o silêncio do gestor público em avaliar seriamente a realização de seus deveres públicos com base em modalidades de contratação mais modernas e, potencialmente, mais eficientes.
Em fins de 2010, o diretor-geral do DNIT à época deu entrevistas afirmando que o órgão estudava um modelo de concessão administrativa, entretanto, quando se pesquisa a expressão “concessão administrativa” na página eletrônica do DNIT, nenhuma informação é localizada.
“Estradas sonrisal” decorrem, em grande medida, de “contratos sonrisal”. A administração pública tem ao seu dispor modalidades de contração mais robustas, como o caso das PPPs, e é seu dever explorar tais modalidades com o objetivo de garantir o melhor uso de recursos públicos.
(Artigo originalmente publicado na Gazeta do Povo, de Curitiba, em 12 de agosto de 2011, e, em versão sintética, no Diário do Nordeste, de Fortaleza, em 16 de agosto de 2011)
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