O atual momento de retração econômica tem levado inúmeras empresas a promover a negociação dos seus ativos de concessões de serviços públicos e parcerias público-privadas, o que inclui a venda de participações em diversas Sociedades de Propósito Específico constituídas com a finalidade de prestar e explorar economicamente os serviços públicos concedidos por meio de contratos celebrados com o Poder Público.
Diante desse cenário, o objetivo desta curta reflexão se restringe à análise e resposta, sob a luz da legislação aplicável à matéria, dos seguintes questionamentos: é possível a transferência de participação da controladora da Sociedade de Propósito Específico para outra empresa? Caso seja possível, quais os requisitos e condicionantes para que a transferência do controle da SPE possa ser efetivada?
A análise a seguir se baseou nas Leis nºs 11.079/2004 (Lei de Parcerias Público Privadas), 8.987/1995 (Lei de Concessões de Serviços Públicos) e 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública).
À hipótese trazida em questão deve-se observar, em primeiro plano, as regras legais que dispõem sobre a transferência de controle das Concessionárias de serviços públicos.
Como se sabe, os requisitos para a obtenção da anuência do Poder Concedente nos casos de transferência do controle acionário da Concessionária estão previstos no art. 27 da Lei n. 8.987/95 (Lei de Concessões), aplicável às contratações de Parceria Público-Privada por força do disposto no art. 3º da Lei nº 11.079/2004 (Lei de PPPs).
As exigências legais resumem-se, portanto, na necessidade de demonstração, pelo pretendente à assunção do controle acionário da SPE Concessionária, de que: (i) atende às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço – ao que acrescentaríamos a regularidade trabalhista; e (ii) compromete-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.
A dicção da norma denota uma inequívoca preocupação com a manutenção das condições que levaram o Poder Concedente a assinar o contrato de concessão com o vencedor da licitação, após um rigoroso processo de seleção daquele particular. É induvidoso que a norma em evidência pretende assegurar o desempenho satisfatório do concessionário durante todo o período do contrato, de modo a evitar que o interesse público subjacente à delegação do serviço público seja colocado de lado através de uma simples operação de transferência de ativos entre particulares.
Significa dizer que o objetivo pretendido pela norma é assegurar a própria utilidade do procedimento licitatório prévio e a preservação de seus princípios, especialmente da obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração (entendida como melhor economia aliada à melhor qualidade e segurança).
Ademais, não se pode esquecer que o Concessionário, quando participou da licitação, teve que comprovar o preenchimento de inúmeros requisitos de qualificação (técnica, econômica, jurídica, fiscal, trabalhista etc) para sagrar-se vencedor da disputa, obrigando-se a manter ditas condições durante todo o prazo do contrato de concessão.
Na ocasião na licitação, as exigências de qualificação constituem instrumentos essenciais para uma completa avaliação da competência e idoneidade das proponentes, consistindo nada mais do que um procedimento que interessa à segurança da contratação e à proteção dos interesses da Administração Pública.
É por meio da demonstração de que o licitante cumpre as exigências relativas à qualificação, em todas as suas vertentes, que a Administração assegura que o licitante está plenamente apto para, com eficiência, executar o objeto do certame.
No caso das concessões de serviços púbicos, a necessidade de demonstração da capacidade dos proponentes vem descrita no art. 18 da Lei nº 8.987/95, que obriga a inclusão no Edital da Licitação dos “critérios e a relação dos documentos exigidos para a aferição da capacidade técnica, da idoneidade financeira e da regularidade jurídica e fiscal” (inciso V).
Tal preocupação não se encerra, porém, apenas na necessidade de comprovação da experiência pretérita ou nas condições de regularidade da pessoa jurídica que se propõe a executar o contrato. A Lei vai mais além para cercar a Administração contratante de cautelas adicionais, ao exigir do futuro concessionário o atendimento dos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço previstos no contrato (inciso III do art. 23), bem como a apresentação pelo concessionário de garantia do fiel cumprimento das obrigações relativas às obras eventualmente vinculadas à concessão (art. 23, § único, inciso II).
Por isso não faria sentido que, por meio de um simples rearranjo societário entabulado no dia seguinte à assinatura do contrato de concessão, ele (concessionário) transfira a outrem (não detentor da mesma capacidade) a titularidade da obrigação de execução do objeto da concessão, através da cessão do contrato ou do comando societário exercido sobre a sociedade titular da obrigação de prestar o serviço.
Tal atitude favoreceria não apenas uma forma de drible ao procedimento licitatório prévio, como também abriria espaço para o descumprimento do contrato de concessão, com prejuízo não apenas ao Poder Concedente, mas à toda coletividade necessitada da utilidade pública.
Além disso, diante da complexidade e especificidade dos serviços que geralmente são objeto de delegação – não fosse assim, a Administração certamente nem sequer cogitaria a sua concessão –, faz todo sentido que a transferência da obrigação seja realizada à pessoa que, igualmente ao vencedor da licitação, reúna todas as condições necessárias para executar o objeto da concessão de modo eficiente e satisfatório, evitando-se a solução de continuidade dos serviços públicos concedidos.
Esta é, precisamente, a situação que a norma pretende evitar. O sentido, o alcance, o objetivo da norma é justamente o de resguardar a Administração contra oscilações prejudiciais na capacidade do contratado, com a finalidade de garantir o cumprimento do interesse público subjacente à contratação e a perfeita e completa execução das obrigações previstas no contrato de concessão, até o final do seu prazo.
O fator preponderante para o Concedente é que o Concessionário possua solvência, seja idôneo, sério e capaz tecnicamente.
Repare-se que não se trata de uma vedação à eventual transferência da concessão ou do controle acionário da concessionaria, senão apenas da imposição de condicionantes sem as quais a transferência poderia trazer prejuízo à continuidade do serviço concedido.
Por esta razão, emergem claras as finalidades da norma que obriga a comprovação da qualificação nos casos de transferência do controle societário da Concessionária: (i) primeiro, prestigiar o resultado do procedimento licitatório por meio do qual foi selecionado o participante mais apto a executar o objeto; e (ii) segundo, preservar as condições de qualificação da pessoa responsável pela execução do objeto da concessão de modo a assegurar o completo e satisfatório cumprimento das obrigações delegadas ao Concessionário.
Tais finalidades, agora melhor identificadas, servirão de parâmetro objetivo para a investigação em torno da obrigatoriedade de comprovação das exigências de habilitação – e demais requisitos contratuais eventualmente exigidos – por parte daquele que pretende assumir o controle da concessão em curso.
Especificamente no aspecto da habilitação, vale notar que o sistema legal disciplinador das contratações públicas limita as exigências de habilitação ao mínimo necessário para assegurar a satisfatória execução do futuro contrato, sendo vedada qualquer inclusão de cláusula ou condição não prevista na própria Lei que iniba a participação de interessados na Licitação (Art 30, §5º).
Trata-se de mecanismo voltado à aferição da aptidão da empresa licitante para desempenho eficaz e satisfatório do futuro contrato, através de critérios seguros e objetivos, dentro dos limites constitucionais (Art. 37, XXI da CF).
Por isso, não é aceitável que se exija dos licitantes a comprovação de experiência na execução de serviços diferentes ou mais específicos do que os que serão executados, pois o espírito da Lei é selecionar os licitantes que reúnam efetivas condições de fazê-lo mediante a comprovação de execução pretérita de serviços pertinentes e compatíveis em características, quantidades e prazos com o que se pretende executar, conforme expressa previsão da Lei de Licitações.
Ora, se o regramento constitucional e legal aplicável à seleção do concessionário apenas permite a exigência de qualificação dos proponentes que sejam pertinentes com o objeto que se pretende executar, é imperiosa a aplicação da mesma regra para o caso de transferência da concessão ou do controle da concessionária, porquanto a norma aplicável encerra a mesma finalidade, qual seja, a de comprovação da qualificação do novo concessionário ou a permanência da qualificação do concessionário (no caso de alteração do controle acionário) para bem executar o objeto da concessão.
A diferença aqui reside apenas na abrangência desta comprovação, pois enquanto na fase de Licitação o proponente deve comprovar a totalidade das exigências constantes do Edital de Concessão, o cessionário do contrato ou o pretendente à aquisição do controle encontra-se obrigado, por imperativo constitucional e legal, a comprovar o atendimento dos requisitos de habilitação “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (art. 37, XXI da CF) previstas para os próximos anos da concessão, até a extinção do contrato, de modo a demonstrar o preenchimento daquelas exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal tidas como “necessárias à assunção do serviço” a partir daquele momento (Art. 27, §1º, inciso I da Lei nº 8.987/95).
A redação final do dispositivo da Lei de Concessões merece ser destacada, pois está nela o fundamento para a desnecessidade de demonstração, pelo novo concessionário ou pelo novo controlador, de requisitos de habilitação irrelevantes para as obrigações previstas para os próximos anos da concessão, ou daqueles que não tenham sido comprovados pelo controlador da SPE na fase de licitação precedente (o que ocorre nos casos de comprovação dos requisitos pelos demais integrantes do Consórcio licitante, por exemplo).
O texto normativo destacado, somado à expressa e inequívoca limitação constitucional das exigências de habilitação àquelas estritamente necessárias à garantia do cumprimento das obrigações do contrato, não deixam dúvida acerca da correção e adequação desta conclusão.
Não cabe, por exemplo, no ato da transferência da concessão ou do controle societário da concessionária, exigir a comprovação de requisitos pertinentes a obrigações já consumadas pela concessionária durante os primeiros anos da concessão, ou exigir do pretendente à assunção do controle da SPE requisitos que não foram demonstrados pelo atual controlador da concessionária por ocasião da Licitação – mas sim por outros integrantes do Consórcio –, sob pena de caracterizar afronta ao dispositivo constitucional e à expressa disposição legal aplicável ao caso.
Repise-se que o objetivo da obrigatoriedade de preenchimento dos requisitos previstos nos incisos do §1º do art. 27 da Lei de Concessões é precisamente o mesmo daquele que confere à Administração a prerrogativa de exigir dos proponentes a comprovação de qualificação para participar da Licitação, qual seja, o de assegurar o satisfatório e seguro cumprimento das obrigações contratuais pelo futuro concessionário.
Ora, se os objetivos e finalidades de cada um dos dispositivos são coincidentes, também assim devem ser as suas limitações, porquanto estas emanam não apenas das próprias leis de regência como da expressa previsão constitucional (art. 37, XXI).
Dessa forma, se determinadas etapas do contrato de concessão (como a construção de uma obra precedente, por exemplo) já foram plena e satisfatoriamente cumpridas pelo concessionário, ou se a empresa detentora do Controle da SPE não apresentou determinados atestados de qualificação técnica para fins de habilitação do Consórcio na concorrência, não faz sentido – por isso o ordenamento não permite – exigir do novo concessionário (no caso de cessão contratual) ou do novo controlador (no caso de transferência do controle da concessão) a comprovação dessa experiência técnica como condição para anuência do Poder Concedente à transferência pretendida.
Em suma, por imperativo do art. 37, XXI da Constituição Federal, combinado com a parte final do inciso II do §1º do art. 27 da Lei nº 8.987/95, o Poder Concedente apenas está autorizado a exigir do pretendente à transferência da concessão ou do controle acionário da concessionária exigências pertinentes e compatíveis com as obrigações remanescentes do contrato de concessão, essenciais para aferir a capacidade do concessionário de bem realizar de forma plena e satisfatória a parcela do objeto que lhe competirá durante os próximos anos da Concessão.
Por isso é legítimo e necessário exigir, como requisito para a aprovação da operação pelo Poder Concedente, demonstração da condição de regularidade jurídica, fiscal e trabalhista do candidato a novo Controlador, e, quanto às exigências técnicas e econômicas, elas deverão ser dosadas à medida da necessidade em vista do escopo de serviço a ser assumido pelo pretendente, de modo a manter os requisitos exigidos em patamar razoável e proporcional à parcela remanescente do objeto concedido.
Superada esta questão, e prosseguindo-se na análise das condicionantes impostas pela Lei para a obtenção da anuência do Poder Concedente, importa agora empreender uma busca pela identificação do sujeito para o qual a norma se destina, ou seja, aquele que, por imposição da norma, deve comprovar o atendimento das exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica, fiscal e trabalhista necessárias à assunção do serviço, bem como assumir o compromisso de cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor.
A importância desta identificação reside no fato de que, a depender da hipótese de que se trate (transferência da concessão X transferência do controle societário da concessionária), os requisitos exigidos deverão ser cumpridos por pessoas jurídicas diferentes, a reclamar tratamentos também distintos pelo operador do direito.
No primeiro caso, de transferência da concessão a terceiro, emerge clara a necessidade de comprovação do atendimento dos requisitos de qualificação pelo novo Concessionário, ou seja, por aquele que pretende agora assumir o polo passivo da relação obrigacional concessória.
O cessionário da concessão, ou melhor, o novo sujeito da relação contratual, deve comprovar possuir experiência necessária e idoneidade para bem executar as tarefas que lhe são cometidas pelo contrato de concessão recém assumido, não demandando maiores dúvidas ou inquietações esta conclusão.
Porém, a questão revela-se mais complexa no caso da transferência do controle acionário da sociedade incumbida da execução do contrato de concessão (SPE concessionária), pois, nesse caso, coloca-se a dúvida sobre quem, de fato, deve comprovar o preenchimento dos requisitos de habilitação exigidos.
No caso de transferência do controle, duas interpretações possíveis decorrem do texto impreciso do dispositivo legal pertinente: (i) a comprovação de atendimento dos requisitos de habilitação deve ser feita pelo novo controlador da SPE, posto ser este o novo detentor do comando efetivo da concessão, em substituição àquele que o exercia anteriormente; ou (ii) caberá à própria concessionária comprovar que permanece habilitada para perfeita e satisfatória execução do objeto da concessão até o término do contrato, de modo a assegurar que a mudança no seu controle acionário não prejudicará a boa e regular execução do contrato.
Na primeira hipótese, como condição para a transferência do controle societário de uma SPE Concessionária, o pretendente a ocupar a posição de controlador estará obrigado a demonstrar ao Poder Concedente o atendimento dos requisitos necessários para o fiel cumprimento das obrigações pactuadas, observados os limites expostos no tópico anterior. Na segunda, tal comprovação poderá ser feita pela própria SPE, e não mais através da figura dos seus sócios tal como ocorreu no momento da Licitação.
A segunda hipótese, porém, a nosso ver, depende de pelo menos duas condições: (i) que a SPE Concessionária tenha já executado parcela suficiente do objeto capaz de conferir-lhe, em nome próprio – e não mais por meio de seus acionistas ou sócios –, a capacidade técnica exigida por ocasião da realização do procedimento licitatório que culminou na celebração do contrato de concessão; e (ii) que a SPE concessionária logre demonstrar, sozinha, o preenchimento dos demais requisitos de habilitação jurídica, fiscal, trabalhista e, principalmente, técnica e econômico-financeira para assegurar o cumprimento de suas obrigações ainda pendentes de execução.
Caso tal demonstração não seja possível por meio da pessoa jurídica da SPE Concessionária, a única alternativa juridicamente admissível será a primeira, qual seja, a necessidade de comprovação de atendimento dos requisitos de habilitação pelo pretendente a novo controlador da SPE, nos mesmos termos demonstrados pelo antigo controlador por ocasião de sua participação na Licitação, de modo proporcional ao objeto remanescente do contrato de concessão em curso.
Convém relembrar que o dever de manutenção dessas exigências durante todo o período do Contrato decorre, como vimos, da previsão contida no art. 27, §1º, inciso I da Lei nº 8.987, combinada com a regra geral prevista no art. 55, XIII da Lei de Licitações (Lei nº 8.66693), ambas decorrentes do preceito constitucional inscrito do inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal, segundo o qual a licitação deve conter exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações pelo futuro contratado.
A finalidade da exigência não é outra senão a de evitar a quebra de contrato e o prejuízo ao serviço público que poderia ser gerado caso o controle societário da SPE fosse transferido a uma empresa inidônea financeiramente e tecnicamente inexperiente, incapaz de realizar os investimentos e executar os serviços necessários ao integral cumprimento das obrigações.
Ainda mais considerando o vulto de investimentos previstos, bem como os altos riscos envolvidos nessas espécies de contratos de longa duração, a exigência de comprovação da capacidade técnica e econômico-financeira da nova controladora é medida imprescindível para a garantia da continuidade dos serviços.
Não há dúvida, portanto, à luz da legislação aplicável à matéria, acerca da necessidade se exigir do interessado na aquisição do controle societário da SPE a cabal comprovação de sua capacidade para bem executar o contrato, mediante o cumprimento dos requisitos de habilitação e de qualificação técnica e econômico-financeira exigidos no Edital da Licitação, como modo de assegurar o fiel adimplemento das obrigações pela SPE e garantir a manutenção das condições de habilitação exigidas à época do certame.
Além das condicionantes legais aplicáveis, é certo que a Administração contratante, no pleno exercício de suas prerrogativas de Poder Concedente (contratante) e com vistas a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelo Concessionário, pode estabelecer requisitos para a sua anuência prévia nos casos de transferência de controle da Concessionária, desde que tais condições estejam explicitadas no Edital de Licitação e no Contrato de Concessão celebrado entre as partes.
Tal possibilidade encontra fundamento na própria legislação regente da matéria, especialmente: (i) no art. 9º, §1º, da Lei nº 11.079/2004, onde está expressamente previsto que “a transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995”; (ii) no já citado art. 27, §1º, inciso II, da Lei nº 8.987/1995, que condiciona a transferência da concessão ao compromisso de cumprimento de “todas as cláusulas do contrato em vigor”; e (iii) no art. 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/93, segundo o qual constitui motivo para rescisão do contrato “a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato”.
Além de proteger a continuidade dos serviços, a previsão de condições para a autorização da transferência de controle da Concessionária tem por objetivo evitar possíveis fraudes ao procedimento licitatório, o que poderia restar caracterizado por meio de ajustes societários formalizados no dia seguinte à assinatura do contrato de concessão, através da cessão do contrato ou do comando societário exercido sobre a sociedade titular da obrigação de prestar o serviço.
Para esse fim, é na verdade bastante comum a previsão, em contratos deste tipo, de vedações ou restrições à alteração da composição societária da SPE Concessionária ou a mudança do seu poder de controle original durante os primeiros anos da Concessão, especialmente quando há, nesse período, obrigação de realização de obras e investimentos vultosos, capazes de justificar a permanência das empresas que lograram demonstrar a experiência e a capacidade econômica exigida para bem executar esta etapa importante do empreendimento público, mitigando-se assim, a uma só vez, os riscos de inadimplemento contratual e de “drible” ao procedimento licitatório prévio.
O importante é que todas estas condições venham previstas já no Edital de Licitação, de modo que sejam de conhecimento de todos os participantes da Licitação, em igualdade de condições, sem que se possa alegar desconhecimento no futuro. Uma vez previstas no Edital e no Contrato, é certo que tais condições passam a vincular o Poder Concedente quando da aplicação da hipótese ao caso concreto, sob pena de afronta à isonomia e à vinculação ao instrumento convocatório, mormente porque tais disposições contratuais são determinantes para a decisão dos potenciais interessados (investidores) de participar ou não da Licitação da Concessão.
Pois bem, à luz dessas premissas, é muito comum a previsão, em Contratos de Concessão, da necessidade do cumprimento de alguns requisitos/condicionantes para a autorização de transferência do controle da Concessionária, tais como: (i) prévia e expressa autorização do Poder Concedente, indispensável mesmo no caso de transferência indireta do controle, por meio de controladoras, ou mesmo em hipótese de acordo de votos; (ii) demonstração da inexistência de prejuízo ou risco à execução do contrato; e (iii) efetivo cumprimento pela SPE das obrigações assumidas no contrato de concessão; (iv) atendimento, pelo pretendente, das exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do objeto da concessão; (v) prestação e manutenção das garantias pertinentes, conforme o caso; e (vi) compromisso do pretendente de que irá cumprir todas as cláusulas do contrato.
Para esse fim, é também comum se prever que o pedido para a autorização da transferência do controle deverá ser apresentado por escrito ao Poder Concedente, contendo a justificativa para tanto, bem como elementos que possam subsidiar a análise do pedido.
Afora as demais exigências já trazidas pela legislação, é de especial destaque a condição geralmente estabelecida de condicionar a transferência do controle societário da SPE ou a transferência da concessão à demonstração do efetivo cumprimento pela SPE da fase de investimentos iniciais, correspondente, em geral, à implantação do empreendimento e início da exploração dos serviços contratados.
Tal condição, na prática, restringe a alteração do controle societário da SPE a momento posterior ao período de implantação (investimentos iniciais). Trata-se, na realidade, de condição contratual cujo cumprimento passa a ser imprescindível para efeito da operação pretendida de alteração do controle da SPE Concessionária, cuja inobservância pela SPE Concessionária pode gerar a declaração de caducidade da Concessão.
Em resumo, diante de tudo o que foi exposto até aqui, para o fim de pleno atendimento dos requisitos previstos na Legislação e normalmente exigidos nos Contratos de Concessão como condições para a transferência de controle societário da SPE Concessionária, pode-se apontar a necessidade de cumprimento dos seguintes requisitos mínimos: (i) desde que exigido no Contrato, como primeira condição, é preciso demonstrar no plano fático e jurídico o efetivo cumprimento pela SPE da etapa de investimentos iniciais, correspondente à fase de implantação do empreendimento a ser explorado economicamente pela Concessionária (fruição dos serviços); (ii) atendido o primeiro requisito, a SPE Concessionária deverá apresentar ao Poder Concedente o pedido de autorização para transferência do controle da Concessionária, contendo a justificativa para tanto, bem como elementos que possam subsidiar a análise do pedido, especialmente:
a) demonstração de que a operação pretendida não trará prejuízos ou riscos à execução/continuidade do Contrato de Concessão em curso;
b) tendo em vista que não haverá substituição da figura do Concessionário, mas tão somente a alteração do seu controle societário, a SPE Concessionária deverá anexar ao requerimento de anuência a ser encaminhado ao Poder Concedente documentos que comprovem atendimento, por si ou por pelo pretendente à aquisição do controle, das exigências de regularidade jurídica, fiscal, trabalhista, técnica e econômico-financeira necessárias à assunção do objeto da Concessão;
c) prestação das garantias pertinentes, observado o percentual de participação na SPE; e
d) por fim, o pretendente a novo controlador deverá apresentar compromisso firme de que cumprirá todas as cláusulas do contrato em vigor, especialmente no que diz respeito às metas e parâmetros de qualidade dos serviços e de manutenção das garantias de fiel cumprimento das obrigações contratuais;
Dessa forma, atendidos todos esses requisitos/condições legais e tendo-se como satisfeitas as exigências requeridas no respectivo contrato de delegação para aprovação da transferência de controle da SPE Concessionária, o Poder Concedente não poderá negar anuência à operação pretendida, dado o dever de vinculação às disposições legais e contratuais pertinentes.
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